Conhecimento geográfico dialoga com utopias

O conhecimento geográfico sobre o mundo na antiguidade era muito diferente do conhecimento sobre o mundo de hoje. O desconhecido foi muitas vezes representado influenciado pelas utopias medievais. Hoje, mesmo com os avanços das geotecnologias as utopias continuam existindo e criam lugares imaginários.

Pareceria óbvio demais dizer que o conhecimento geográfico que se tinha do mundo na antiguidade era muito diferente do conhecimento sobre o mundo de hoje. Para os antigos, o mundo era plano, entendido como uma grande ilha circundada por todos os lados por um vasto oceano. O desconhecido foi muitas vezes representado pela literatura ou sobre a forma de mapas influenciado pelas utopias medievais. Hoje, mesmo com os avanços das geotecnologias – como os satélites que proporcionam um conhecimento avançado não apenas sobre o nosso planeta, mas sobre o Universo – as utopias continuam existindo e criam lugares imaginários.

“A maior utopia presente hoje é a idéia da possibilidade de um desenvolvimento sustentável”, exemplifica Márcia Siqueira de Carvalho, pesquisadora da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A definição de desenvolvimento sustentável é muito complexa devido as diferentes perspectivas assumidas pelas mais diversas áreas, desde o ambientalismo, passando pelas ciências sociais até a economia. Nesse sentido, Carvalho acredita que seja importante questionar em quais direções e sob quais definições o mundo caminha. “Por isso, a utopia é uma discussão sempre presente e a idéia de um desenvolvimento sustentável é uma das utopias possíveis”, ressalta. As comemorações da auto-suficiência alcançada pelo Brasil na produção do petróleo, por exemplo, abrem questionamentos sobre a utopia existente entre a exploração industrial de um recurso mineral – que polui e degrada – em contraponto aos modelos de desenvolvimento sustentável que apontam para as fontes de energia alternativas, bem como a preservação do líquido negro para as próximas gerações.

(GIF)Carvalho acaba de lançar o livro “A Geografia Desconhecida” onde aprofunda questões envolvendo a Geografia na Idade Média e explora o conceito de utopias medievais. Para ela, apesar da palavra utopia ter nascido para designar um lugar ideal inexistente, a aplicação do termo para o período medieval é adequado numa ótica geográfica. “A escolha do termo utopias faz-se no sentido delas serem não-lugares reais, concretos, porém existentes no imaginário e nas mentes medievais. É uma maneira mais geográfica, ao meu ver, de tratar a concepção espacial nessa época na ótica de uma geógrafa e não de uma historiadora”, explica.

A busca por lugares desconhecidos pelos homens da antiguidade se baseava na descrição dos lugares, uma descrição com um conteúdo geográfico. Apesar de muitos desses lugares não existirem, foram feitos mapas. De acordo com Carvalho, da UEL, a definição da palavra utopia foi dada por Tomas Morus (1480 – 1535) e significa a reunião dos elementos gregos óu (não) e tópus (lugar). Carvalho explica que Morus, em sua obra Utopia (1516), representava um lugar imaginário, ou seja, uma ilha onde havia divisão de classes e o trabalho era obrigatório. Um dos primeiros exemplos literários representativos dessa geografia dos lugares imaginários pode ser considerada com a obra de Platão, A República, onde o filósofo retrata a ausência da propriedade privada da terra e das coisas e a não necessidade do dinheiro. Em 1601 a obra, Cidade do Sol, de Tomasso Campanela, representa outra obra literária relativa a um lugar utópico.

A autora informa que sua pesquisa procura se aproximar de questões sobre como e por que o desenvolvimento de um conhecimento científico é considerado durante a evolução histórica e um outro cai no esquecimento. Essa dúvida surgiu, pois dificilmente ouve-se falar em geógrafos de outras partes do mundo que não sejam europeus. “Por exemplo, ninguém trabalha com o pensamento de Bumbury que escreveu dois volumes sobre o pensamento geográfico na antiguidade, mas não porque ele não existiu, mas porque ele é desconhecido mesmo”. Carvalho destaca que as disciplinas que trabalham a história do pensamento geográfico enfocam o início da geografia enquanto ciência. Em geral, os cursos de graduação enfocam a sistematização do pensamento geográfico e o início da geografia enquanto ciência, que se deu no século XIX na Europa Ocidental, com Karl Ritter e Alexandre von Humboldt.

A pesquisadora explora o tema desde 1994 e as dificuldades de encontrar bibliografia sobre o pensamento geográfico na Idade Média e no Renascimento despertaram a necessidade de divulgar seu trabalho. “Geralmente esse tema não é sequer tocado nos cursos de graduação, como se não tivesse importância conhecermos a história da Geografia desde a Antigüidade. Estou, por esse motivo, dando uma pequena contribuição para que essa situação se modifique. Um exemplo é o texto Geografia e Utopias Medievais. Entre 2000 e 2003 coordenei um projeto de extensão para estudantes que precisam obter informações de Geografia na WEB”, explica a pesquisadora. [veja referência abaixo].

História do Pensamento geográfico

Geografia e Utopias Medievais