Embora já exista uma ampla discussão sobre a educação popular na saúde, profissionais e cientistas políticos apontam a necessidade de outras formas de articulação entre ciência e cultura para atingir a população de baixa renda. Entre as sugestões estão: repensar o papel dos agentes comunitários e ampliar a noção de formação destes para a promoção da saúde; e criar uma política de saúde pública preocupada com a cultura regional. As recomendações foram feitas durante o 11º Congresso Mundial de Saúde Pública, promovido pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco). O Congresso começou no dia 21 de agosto e termina hoje, no Riocentro (RJ).
A educação na saúde foi pauta de várias conferências no evento que teve como eixo a “Saúde Coletiva em um mundo globalizado: rompendo barreiras sociais, econômicas e políticas”. Uma das palestras, “Contexto do trabalho nos serviços de saúde”, trouxe para o debate a importância da educação no processo da promoção do bem-estar social. O cientista social Eduardo Navarro Stotz, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, avalia que há diversas formas para se abordar e difundir o conhecimento científico na saúde, entretanto, é preciso trazê-lo sob uma perspectiva de diálogo, agrangendo a cultura, as crenças e valores da população local, e envolvendo o agente de saúde, ator social ligado diretamente à população de baixa renda.
Nessa perspectiva, a reestruturação começaria pela prática cotidiana do agente de saúde, uma vez que ele tem extrapolado a demanda de trabalho prescrita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pois além dos serviços solicitados, ele amplia sua função social no atendimento da comunidade. Para Helena Maria David, que é professora de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), faz-se necessário conhecer melhor o trabalho do agente. Aumentar,, assim, sua participação como educador, para que ele não só leve as situações diversas ocorridas cotidianamente na comunidade para o sistemas de saúde, mas também saiba lidar com elas. “Esta será uma forma de valorizar as práticas populares de saúde, criar uma estrutura voltada para a solidariedade, humanização do atendimento, dentre outros aspectos positivos”, analisa.
A própria consulta feita pelos agentes de saúde já é considerada uma prática educativa e, por isso, precisa levar em conta vários elementos sociais e culturais. É nesse ponto que os pesquisadores presentes no Congresso no Rio de Janeiro defendem que a reestruturação seja feita, incluindo também outros agentes de saúde, como os agentes de Cidadania ligados ao Movimento dos Sem Terra (MST). De acordo com Helena Maria David, o trabalho dos agentes envolve uma atuação local e abre possibilidades para ações educativas mais eficazes. “Suas experiências têm muito para nos ensinar e enriquecer a discussão sobre saúde pública coletiva e educação, mas para isso, precisamos estudar o seu meio, conhecer melhor sua forma de trabalho”, observa a pesquisadora, que também é coordenadora da Rede de Educação Popular e Saúde.
Os cientistas propõe uma revisão na postura mantida na área de saúde e questionam o método convencional usado nos serviços e programas da área, inclusive a publicidade. As campanhas publicitárias, como a da Aids – “Se você não se cuidar, a Aids vai te pegar” – por exemplo, foram criticadas. “Hoje as campanhas nesta área trabalham para deixar o leitor com medo e não apresentam o tema em questão com o viés da solidariedade, como forma de educar. Temos uma crítica forte aos movimentos de controle de Aids. É preciso que a abordagem não seja meramente uma cópia da publicidade que é desenvolvida na mídia, sem o foco da educação na saúde”, afirma Stotz.
Para atingir os objetivos expostos no Congresso os cientistas pretendem, incialmente: ampliar a articulação de grupos voltados para o segmento de todo o país e o envolvimento dos agentes comunitários de saúde, afim de melhorar suas condições de trabalho e fortalecer o papel pedagógico do agente de saúde. Um dos passos nesta direção é o projeto “As condições de trabalho dos agentes de saúde de cinco regiões brasileiras – Norte, Centro-oeste, Nordeste, Sudeste (RJ) e Sul (Pelotas)”. Para o cientista social, o processo de educação na saúde está mudando, mas muito lentamente. A mudança efetiva somente acontecerá se forem levados em consideração os movimentos que surgem e as práticas locais.
Este projeto, que aguarda a aprovação de financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), tem como proposta estudar o trabalho do agente de saúde, e contribuir para a criação de políticas públicas para fortalecê-lo como educador, uma vez que esse papel não tem a devida visibilidade na atual gestão pública da saúde. “Ele acaba lidando com temas que não estão incluídos em sua capacitação de trabalho, como a violência na família, maus tratos. Sua formação ainda não abrange todos estes aspectos pois está focalizado muito nos programas de saúde. É nesta direção que queremos investir”, conclui a professora e pesquisadora da UERJ.
A repórter participa do 11º Congresso Mundial de Saúde Pública à convite da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco).