Componente bacteriano minimiza alergias causadas por vacinas

O hidróxido de alumínio, composto utilizado em inúmeras vacinas, pode desencadear alergias. Pesquisadores da USP mostraram que esse potencial alérgico pode ser minimizado com a adição de um componente bacteriano.

Os primeiros dez anos da vida de uma criança são acompanhados por 19 doses de vacinas contra 13 doenças, de acordo com recomendação do calendário básico de vacinação do Ministério da Saúde. Para quase metade dessas doenças, as vacinas são acrescidas de um composto, o hidróxido de alumínio (alum) que, embora largamente utilizado em humanos, tem potencial de desencadear alergias, segundo Momtchilo Russo, do Departamento de Imunologia da Universidade de São Paulo (USP).

Em trabalho a ser publicado no periódico científico Clinical and Experimental Allergy, Russo e sua equipe mostraram que esse potencial alérgico do alum pode ser minimizado com a adição de um componente bacteriano, o lipopolissacarídeo (LPS). Tanto o alum quanto o LPS são considerados adjuvantes por intensificarem as reações imunológicas, levando à produção de anticorpos e/ou estímulo de células. No entanto, são conhecidos também por suas funções antagônicas: alum é um protótipo de adjuvante do tipo “Th2” e o LPS, por sua vez, do tipo “Th1”. Essas denominações referem-se a polarizações características de algumas desordens imunológicas, como doença auto-imune (Th1) e processos alérgicos (Th2), de acordo com Russo. Partindo de uma pergunta acadêmica, “o que acontece com o sistema imune se misturarmos dois tipos de adjuvantes?”, os pesquisadores se propuseram a estudar esse efeito em modelo experimental de asma, em camundongos.

Enquanto um grupo de animais foi sensibilizado com alum e o alérgeno ovalbumina – uma proteína de ovo de galinha -, outro grupo recebeu o mesmo alérgeno co-adsorvido com os adjuvantes alum e LPS. Os pesquisadores observaram uma típica curva dose-resposta: quanto maior a quantidade de LPS na mistura, menor o número de células infiltrantes no pulmão e menor o nível da produção das citocinas IL-5 e IL-13, relacionadas com as respostas alérgicas, deixando claro que o LPS foi capaz de prevenir a inflamação alérgica. O mesmo padrão foi observado quando outros parâmetros foram estudados, como a capacidade respiratória quando desafiado com substância broncoconstrictora, a produção de muco e a inflamação pulmonar.

Chamou a atenção dos pesquisadores que essa supressão da asma não foi acompanhada por uma polarização para o perfil Th1, o que seria, a princípio, esperado por conta da conhecida ação do LPS. Russo destaca que tais resultados “abrem a possibilidade de inibir reações alérgicas sem fazer com que o sistema polarize, que é o caso das hipersensibilidades, que podem matar e são os extremos da imunologia: causam tanto doenças alérgicas quanto auto-imunes”.

Pulmão de animais não alérgicos (controle), alérgicos (OVA) e tratados com LPS

Entender os mecanismos da supressão mediada pelo LPS foi o próximo objetivo do trabalho. Assim, Juliana Bortolatto, da equipe de Russo, fez experimentos em colaboração com um grupo em Orleans, na França, estudando quais vias de sinalização dentro das células eram necessárias para o efeito observado. Usando camundongos deficientes em moléculas importantes para a sinalização do LPS, entre as quais TLR-4, MyD88 e TRIF, eles concluíram que as duas primeiras são importantes para a inibição da reação alérgica.

O próximo passo foi estudar se um lipídeo sintético, que também se liga ao mesmo receptor que o LPS, porém sem seus efeitos tóxicos, poderia ser usado como adjuvante. A confirmação veio através da injeção intravenosa desse lipídeo, que não induziu a liberação de TNF e NO, produtos envolvidos na toxicidade do LPS, que poderiam causar diarréia e letargia.

Em um cenário onde 300 milhões de pessoas mundo afora sofrem de asma, de acordo com a última estatística da Organização Mundial de Saúde (2007), a busca por novas alternativas de inibir reações alérgicas torna-se cada vez mais importante. “E nosso trabalho abre possibilidades de desenvolver novas vacinas”, conclui Russo.

A idéia de misturar adjuvantes alinha-se com o que a pesquisadora Philippa Marrack, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, escreveu em um comentário publicado no final do ano passado no periódico científico Immunity. “Há um interesse crescente por vacinas que contenham mais de um adjuvante”, destacou. O desenvolvimento de qualquer vacina envolve uma escolha cuidadosa do adjuvante, e a tarefa para os vacinologistas é escolher os adjuvantes que induzam a resposta imune apropriada sem causar danos, completa.