Esta é uma das conclusões apontadas pelo estudo recém-publicado no periódico online American Journal of Public Health, conduzido pela pesquisadora Hilary Tindle, da Universidade de Pittsburgh. Entre os 12.285 fumantes pesquisados, um terço dos que fumam cigarros light acreditam ser esta uma opção mais saudável. Cerca de 50% desses fumantes têm menos intenção de parar em relação aos outros. A pesquisa ainda concluiu que este efeito aumentava conforme a idade dos fumantes, tendo seu pico em adultos com 65 anos ou mais. As mulheres de alta escolaridade constituem-se no mais expressivo grupo de consumidores deste tipo de cigarros. Os resultados da pesquisa preocupam à medida em que demonstram que os fumantes de cigarros light acreditam estar causando menos prejuízos à sua saúde.
“A associação do uso deste tipo de cigarro com pessoas mais inteligentes ou intelectualizadas é também uma falácia marqueteira. Por trás dos ‘menores teores’, está a mensagem subliminar que os cigarros light são cigarros menos prejudiciais à saúde, o que não é a realidade a respeito do assunto”, afirma a médica e professora de pneumologia da Unicamp e Puccamp, Mônica Corso. Ela explica que os cigarros light foram desenhados para fornecer teores reduzidos quando fumados em situações experimentais nas quais são utilizadas “máquinas de fumar”. Nelas, o fluxo de ar, a freqüência e a duração da tragada são parâmetros fixos. “Ocorre que, ao serem fumados por pessoas reais, que modulam o tempo de inalação, o volume de ar, a fumaça aspirada e outros detalhes do ato de fumar, os níveis de nicotina entregues são semelhantes aos dos cigarros comuns. Os cigarros light têm mais poros no filtro, de modo que há um aumento da ventilação no ato de fumar. No entanto, o fumante, sem perceber, aperta os lábios e impede esta maior ventilação durante a tragada”.
Outro estudo produzido no Japão e divulgado pela agência Fapesp em 2004, demonstrou que, ao trocarem cigarros com 1,1 mg de nicotina por cigarros com 0,1 mg, os fumantes não reduzem o consumo de nicotina em dez vezes, como imaginam, e sim, em média, em apenas duas vezes, ou menos. Esta investigação mostrou também que, ao fumarem este tipo de cigarros, os dependentes contumazes de nicotina podem utilizar práticas compensatórias, como tragar mais profundamente, ou fumar em maior quantidade. Dentre os 458 homens estudados, aqueles que fumavam mais de 40 cigarros light por dia não demonstraram em seus exames de urina redução considerável da cotinina – substância resultante da quebra da nicotina pelo organismo – no sangue.
Mesmo nos light, encontram-se na fumaça do cigarro mais de 4700 substâncias tóxicas diferentes. Da combinação com uma delas, o monóxido de carbono, e a nicotina, para além das doenças cardivasculares, ocorrem processos químicos no aparelho gastrointestinal do fumante que podem resultar em úlceras gástricas. No aparelho respiratório, tal combinação resulta em doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC). Esta sigla abarca duas doenças: a bronquite crônica e o enfisema pulmonar. “No Brasil, estima-se que a DPOC ocorra em pelo menos 15% dos fumantes, o que permite estimar uma prevalência de cerca de 8 milhões de portadores de DPOC”, alerta a Mônica Corso.
Abandonar o vício é a única maneira de preservar a saúde, dizem os especialistas. De acordo com as orientações do Instituto Nacional do Câncer, em sua página na internet, o que traz satisfação ao fumante é o modo como ele consume a nicotina, substância que efetivamente vicia. A nicotina é uma droga psicoativa e que causa dependência, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Com mecanismos de ação no organismo semelhantes às da cocaína, a nicotina age no sistema nervoso central, e demora em torno de 9 segundos para chegar ao cérebro. O tabagismo é considerada uma doença e está classificada no Código Internacional de Doenças (CID-10) no grupo de transtornos comportamentais e mentais provocadas por substâncias tóxicas. O uso de nicotina provoca vasoconstrição, aumentando a freqüência cardíaca, provocando hipertensão arterial e uma maior adesividade plaquetária.
Propaganda enganosa
Baseado no argumento de que os cigarros light levam os consumidores a acreditar que estão, de alguma forma, preservando sua saúde, o juiz federal americano Jack Weinstein qualificou como “ação coletiva” um processo contra as principais indústrias do tabaco americana: Philip Morris, R.J. Reynolds Tobacco Co., Lorillard Tobacco Co.. O advogado Michael D. Hausfeld, que moveu a ação, argumenta que as empresas sabem dos efeitos nocivos dos cigarros light à saúde de seus consumidores, mas não divulgam tais informações com vistas à preservar seus lucros. Para ele, se os fumantes de cigarros light soubessem desses efeitos – similares aos comuns – teriam esperado descontos de 50% a 80% do preço do maço. Baseada nesta simulação, a indenização prevista gira em torno de US$ 200 bilhões. Já não é a primeira vez que processos com indenizações milionárias se abatem sobre a indústria do tabaco; entretanto, elas costumam ser revertidas no decorrer do processo judicial.
No Brasil, em março de 2001, o Ministério da Saúde regulamentou uma medida (Resolução da Anvisa nº 46) proibindo o uso dos termos classes, ultra baixos teores, baixos teores, suave, light, soft, leve, teores moderados, altos teores, e outros que possam induzir o consumidor a uma interpretação equivocada no uso de derivados do tabaco. Desde então, é proibido no país o uso da denominação light nos maços. No entanto, as diferentes cores e tons usados nos maços continuam sugerindo aos consumidores que estes são menos prejudiciais.