Pesquisadores da Academia de Ciências da China desenvolveram um novo reator de fusão nuclear supercondutor como fonte alternativa de geração de energia para o país, que, segundo seus estudos, deverá sofrer de carência de recursos energéticos nos próximos anos. O processo de fusão nuclear do reator é o mesmo da geração de calor pelo sol e outras estrelas e por essa razão os chineses o chamaram de “sol artificial”. O novo reator deverá ser montado entre março e abril e seus primeiros testes experimentais estão previstos para o segundo semestre. O custo do reator é estimado em US$ 37 milhões, apenas cerca de 6% do custo de produção de reatores similares em outros países.
O experimento faz parte do projeto EAST (Experimental Advanced Superconducting Tokamak) e é uma atualização do reator HT-7, construído em parceria com a Rússia nos anos 1990. Ricardo Magnus Osório Galvão, do departamento de Física Aplicada da USP e diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) afirma que o reator de fusão nuclear, ou tokamak (veja box ao final), chinês “não introduz nenhum conceito novo nesta pesquisa, o que não tira o seu mérito, pois é um tokamak que tem todas as bobinas produtoras do campo magnético supercondutoras”. Existem no mundo outros tokamaks com bobinas supercondutoras, em particular o Tore Supra, da França. Porém, o “sol artificial” chinês, que está em construção há muitos anos, é baseado em um projeto mais avançado.
As iniciativas nacionais, como a chinesa, visam contribuir para o projeto Iter (International Thermonuclear Experimental Reactor), que tem sido desenvolvido por um consórcio entre Estados Unidos, União Européia, Rússia, China, Japão, Coréia do Sul e Índia. Há um grande interesse da Comunidade Européia em incluir o Brasil nesse programa, diz Galvão. Em novembro passado, uma comissão de especialistas da Comunidade Européia esteve visitando laboratórios e empresas brasileiras, a convite do Ministério da Ciência e Tecnologia, para avaliar as possibilidades de o país participar. Mas, para o pesquisador brasileiro, “certamente, se isto vier a acontecer, não será pagando a contribuição padrão, equivalente a dez por cento de seu custo (cerca de 6 milhões de euros em 8 anos)”. Na próxima visita do presidente Luiz Inácio da Silva ao Reino Unido, em março, há grande possibilidade que um protocolo de intenções ou acordo de cooperação científica seja assinado, envolvendo a participação brasileira em projetos europeus de fusão, mas não necessariamente no Iter.
Ao contrário do processo de fissão, empregado nas usinas nucleares atuais, a fusão nuclear não utiliza o urânio enriquecido como combustível. A fonte de energia dos reatores são os elementos químicos deutério, encontrado na água do mar, e lítio, abundante na crosta terrestre. “Caso os reatores e a fusão se mostrem técnica e economicamente viáveis, a disponibilidade de combustível garantiria a energia necessária para o mundo por pelo menos mil anos”, afirma Galvão. Além disso, ele diz que não há emissão de gases causadores do efeito estufa nem a produção de lixo radioativo de longa duração. Enquanto os rejeitos das centrais nucleares atuais têm que ser guardados de forma segura por pelo menos cerca de mil anos, antes que a radioatividade decaia a níveis aceitáveis, os rejeitos dos reatores a fusão decairão em cerca de cinqüenta anos.
Há ainda outro aspecto positivo da nova tecnologia que diz respeito ao fato de não existir risco de explosão ou vazamento porque o plasma só fica quente enquanto está confinado ou sendo alimentado com combustível. No caso de haver quebra do confinamento o reator é desligado e o processo de fusão é automaticamente interrompido. “Além disso, não há qualquer possibilidade de utilização do reator para produção de artefatos bélicos”, enfatiza o diretor do CBPF. Em termos de energia gerada, o ITER está projetado para produzir dez vezes mais a energia que consumir.
A principal desvantagem dos reatores a fusão é que, embora a viabilidade científica do método tenha sido demonstrada, há várias questões técnicas ainda não resolvidas e, certamente, a produção de energia por reatores a fusão será muito mais cara do que por reatores a fissão. De acordo com Galvão, a viabilidade econômica dos reatores a fusão ainda é desconhecida, pois dependerá de desenvolvimentos tecnológicos e de uma configuração incerta da matriz energética nas próximas décadas. Para ele, dificilmente os reatores a fusão entrarão em operação nos sistemas energéticos antes de meados deste século.
As primeiras reações de fusão nuclear controlada foram obtidas no maior tokamak em operação, o JET, da Comunidade Européia, no início da década de 90 e logo em seguida pelo norte-americano, TFTR. Na China, o programa de pesquisa do tokamak supercondutor foi iniciado em 1991 e está sediado na cidade de Heifei, capital da província de Anhui. No Brasil, a pesquisa em fusão nuclear tem sido conduzida desde meados da década de 70 por grupos universitários. Quanto à participação do país na construção de tokamaks, o Laboratório de Física de Plasmas da Universidade de São Paulo construiu o primeiro reator desse tipo na América Latina, o TBR-1, que operou de 1981 a 1992. Atualmente estão em operação o TCABR, no Laboratório da USP, o ETE, no Laboratório Associado de Plasmas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o pequeno Nova-Unicamp, no Laboratório de Plasmas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
********************************************************** BOX Reatores de fusão nuclear
São também chamados de “tokamak”, uma abreviação russa para “câmara magnética toroidal”. Trata-se de um potente eletro-imã que mantém confinada a reação de fusão termonuclear do hidrogênio ou seus isótopos (deutério e trítio), por meio de seu campo magnético. Esse campo direciona a movimentação dos íons e elétrons para suas linhas de força, impedindo que os elementos superaquecidos, na forma de plasma, toquem o material das paredes. O isolamento magnético permite que o plasma alcance temperaturas altíssimas, que podem chegar a 700 milhões de graus Celsius, sem que haja desgaste do reator. O processo induz a fusão entre os núcleos dos átomos por meio da elevada temperatura e libera uma imensa quantidade de energia. O grande desafio desse processo é controlá-lo.