Céus brasileiros poderão ter seu cão de guarda

UFMG desenvolveu o protótipo de um veículo aéreo não-tripulado capaz de navegar a partir de uma missão de vôo, sem a intervenção humana. As possibilidades de aplicações da aeronave, que recebeu o nome de Watch Dog (cão de guarda em inglês), podem ser ambientais, industriais e ainda estratégico-militar.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveram o protótipo de uma aeronave não tripulada, capaz de realizar vôos autônomos a partir de uma missão, isto é, um comando de vôo que recebe ainda em terra. O Watch Dog (cão de guarda em inglês), que possui 4 metros de envergadura (distância entre as extremidades da asa), já é testado desde fevereiro deste ano, mas ainda não pousa e nem decola sozinho. Neste momento, os pesquisadores continuam trabalhando para aprimorar sua autonomia de vôo. As aplicações de uma aeronave como esta podem ser ambientais, como o controle do desmatamento ou o monitoramento de queimadas; industriais, como a pulverização de colheitas ou a contagem de rebanho; e ainda estratégico-militares, no sobrevôo de fronteiras ou até mesmo, de cidades. A vigilância da movimentação humana, que pode servir para aumentar a segurança, pode também ter como efeito o aumento do controle aéreo sobre as populações, contribuindo para a consolidação de uma sociedade cada vez mais vigiada.

Os veículos aéreos não-tripulados (VANT’s), ou, do inglês, unmanned aerial vehicles (UAV’s), podem chegar às mesmas altitudes das aeronaves comerciais. Em comum, elas têm também o piloto automático, mas de acordo com Mário Campos, um dos coordenadores do projeto que resultou no protótipo, esta tecnologia vai além, porque é possível passar para o computador de bordo uma missão. “É como se você entrasse num avião que não tem piloto e que já sabe aonde ir quando decola ”, diz ele.

Quando uma missão é dada para o computador de bordo dessa aeronave, ela passa a fazer tudo sozinha, sem que seja preciso dar qualquer outra informação. De acordo com Campos, neste projeto da UFMG foi desenvolvida a tecnologia para permitir que o avião seja autônomo, para que ele tome as decisões baseadas nos diversos sensores que ele tem embarcado, como o sistema de posicionamento global (GPS, em inglês), as imagens por câmera ou os sensores de altitude. “Essas informações são usadas pelo processador interno e é a partir delas que ele decide sozinho o que fazer”, explica o coordenador. Por enquanto, embora a aeronave possa seguir sua missão quando está em vôo, para decolar e pousar é ainda preciso o auxílio manual.

Watch Dog
Foto: arquivo SiDeVAAN

 

Antes de chegar ao protótipo do Watch Dog, modelos de prateleira, ou seja, modelos de aeronaves comercialmente disponíveis, foram utilizados para testar a inteligência de vôo autônomo que estava sendo desenvolvida pelos pesquisadores. A inteligência necessária para fazer o vôo autônomo vinha sendo desenvolvida desde quando começaram a trabalhar com o primeiro modelo testado, o Piper J3, mas ela foi alcançada com o motoplanador, um modelo mais leve e menor. De acordo com Campos, a eletrônica embarcada nesse motoplanador tem competência suficiente para navegar outros aviões, que é o caso do Watch Dog.

A equipe de trabalho do Watch Dog foi dividida entre aqueles pesquisadores que se dedicavam à inteligência e autonomia do avião, e outros, que trabalhavam com o desenvolvimento da plataforma, do projeto da aeronave. De acordo com Luis Aguirre, que também coordena o projeto, foi um grande avanço conseguir integrar o conjunto de equipamentos existentes para executar uma tarefa, e essa integração, que é totalmente nacional, é que é a novidade. “Aí entra o pessoal da computação na definição de tarefas, na área de robótica, capacitando o avião para executar tais tarefas de forma autônoma, que é o nosso grande alvo. Essa é a ação inovadora”, destaca ele.

O protótipo é resultado de uma pesquisa que teve início a partir de um edital da UFMG de 2003 para o desenvolvimento de projetos estruturantes de pesquisa e de pós-graduação. O edital tinha por objetivo estimular pesquisas que agregassem pesquisadores de áreas diferentes para que eles se unissem na realização de projetos considerados inovadores, recebendo o financiamento da própria universidade. Um dos projetos contemplados pelo edital foi o do grupo chamado Simulação e Desenvolvimento de Veículos Aéreos Autônomos e Não-Tripulados (SiDeVAAN), que agrega pesquisadores dos Departamentos de Ciência da Computação, Engenharia Eletrônica, Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica.

Controle aéreo

Uma aeronave não tripulada pode ser utilizada para diversos fins. Campos exemplifica citando o monitoramento da costa brasileira e o controle de possíveis vazamentos de óleo, de imigração ilegal, com a vigilância de fronteiras, como da Amazônia. Ele enumera ainda o monitoramento do curso do próprio rio e outros usos ligados à agropecuária, como contagem do rebanho e pulverização de colheitas. “Essas são operações difíceis e atualmente realizadas por operadores humanos. Com um avião autônomo – explica Campos – pode-se estabelecer locais os quais o equipamento deve sobrevoar, instalar câmeras para monitoramento, e controlar tudo à distância, não correndo o risco de perder passageiros ou tripulação”.

De acordo com Campos, o Watch Dog foi projetado para navegar pelo espaço aéreo não necessariamente compartilhado com linhas comerciais, mas quando a aeronave for utilizada, pode ser que suas rotas se cruzem com as rotas comerciais. Podendo navegar nas mesmas altitudes, é necessário, conforme aponta Campos, que haja uma operação conjunta, de modo que os aviões autônomos sejam monitorados pelos mesmos controladores de aviões tripulados – este estudo de operação conjunta vem sendo feito nos Estados Unidos, cujo uso de UAV’s em missões militares no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque é conhecido.

Os usos militares demonstram que existe a possibilidade das novas tecnologias da informação serem utilizadas para fins estratégicos e de controle. Consideradas todas as vantagens de uma inovação como essa, e dos benefícios que pode trazer, fica no ar a pergunta: o Watch Dog acabará sendo, um dia, nosso cão de guarda também?