Cinema e telejornalismo: convergência de linguagens para divulgar ciência

Encampando um ponto de vista em que um vídeo de divulgação científica não deve apenas ensinar e informar, mas também entreter, motivar e gerar curiosidade, a jornalista Iara Cardoso defendeu a convergência das linguagens telejornalística e cinematográfica para incrementar as produções de vídeo voltadas para a ciência, em sua apresentação no Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, que ocorreu entre os dias 23 e 25 de novembro.

Encampando um ponto de vista em que um vídeo de divulgação científica não deve apenas ensinar e informar, mas também entreter, motivar e gerar curiosidade, Iara Cardoso defendeu a convergência das linguagens telejornalística e cinematográfica para incrementar as produções de vídeo voltadas para a ciência: “A convergência é possível, é necessária, e cada vez mais acessível com as novas tecnologias digitais”, disse a jornalista em apresentação durante o Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, que ocorreu na Unicamp entre os dias 23 e 25 de novembro.

A ideia de mesclar linguagens aparentemente distantes surgiu quando Cardoso começou a produzir o vídeo SitRaios, encomendado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para divulgar a ciência por trás de um software que localizava mais facilmente descargas elétricas atmosféricas nas linhas de energia e possibilitava um religamento mais rápido da eletricidade. “Seria maçante produzir esse vídeo da maneira tradicional. Então, introduzimos, num vídeo que usualmente estaria destinado a ser muito próximo do telejornalismo, a linguagem do cinema. Utilizamos conceitos como o de revelação e de aumento de expectativa – introduzimos uma narrativa, enfim”, afirma Cardoso. Além da roteirista e diretora, a equipe, enxuta, teve apenas mais um editor e um cinegrafista. “Esse tipo de convergência não demanda mais recursos do que uma produção tradicional”, defende.

As produções de cinema são tradicionalmente mais dispendiosas do que vídeos jornalísticos. Porém, contrariando o que o senso comum pensa sobre os custos dos vídeos que incorporam linguagens cinematográficas, Cardoso esclarece que os custos de produção tornaram-se mais acessíveis com o surgimento das novas tecnologias digitais. Ela aponta, por exemplo, que tornaram-se amplamente acessíveis as câmeras digitais, hoje largamente utilizadas tanto no cinema quanto na produção jornalística. “Os próprios cineastas estão, cada vez mais, filmando com o suporte digital”, afirma. Outra facilidade está na edição digital: “Mesmo quem ainda não aderiu ao suporte digital nas filmagens nunca deixa de utilizar a edição digital, que se tornou imprescindível. Perto da edição em computadores, os antigos métodos tornaram-se inviáveis”, avalia.

Enquanto o suporte tecnológico facilita a convergência e aproxima linguagens, o que é realmente fundamental, na visão da jornalista, são as ideias por trás do vídeo: são elas, as concepções, que vão formar um roteiro interessante, as bases do apelo dos vídeos de ciência para o grande público. Segundo a diretora, a incorporação da dramaticidade, do suspense – ferramentas usuais na narrativa ficcional – ajudam um vídeo a tornar mais atraente uma teoria ou explicação científica. Ao mesmo tempo, se feita com o devido preparo e seriedade, não compromete a qualidade da informação transmitida – pelo contrário, a potencializa. Assim, o objetivo da convergência é “ampliar o público para vídeos científicos, unindo a progressão e a sequência de cenas do cinema ficcional com a informação factual do telejornalismo”, explica Cardoso. Ela, no entanto, faz um alerta: “Mais do que o formato, o que importa é a fidelidade da informação, o rigor no trato com a informação. O formato não determina a isenção ou a falta dela, não determina a qualidade da informação que será comunicada”, conclui.

A importância da participação pública nas decisões de impacto socioambiental

“A opinião pública não entra na agenda. É uma mera formalidade, mais um passo para o licenciamento ambiental ser aprovado”, afirmou a bióloga Bárbara Esteves Ribeiro, que discutiu as audiências públicas previstas para o licenciamento de hidrelétricas, em apresentação no Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, dia 24, na Unicamp.

“A opinião pública não entra na agenda. É uma mera formalidade, mais um passo para o licenciamento ambiental ser aprovado”, afirmou a bióloga Bárbara Esteves Ribeiro, autora da dissertação de mestrado Caracterizando um cenário de risco socioambiental: o caso do complexo hidroelétrico do rio Madeira na Amazônia brasileira, desenvolvida na Universidad de Salamanca, na Espanha. Com base nesse trabalho, Ribeiro discutiu as audiências públicas previstas para o licenciamento de hidrelétricas, em apresentação no Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, dia 24, na Unicamp.

O estudo feito por Ribeiro trata da participação pública em questões de ciência e tecnologia a partir do caso do complexo hidrelétrico do rio Madeira, que envolve a construção de quatro usinas ao longo desse rio que é um dos principais componentes da bacia Amazônica. Duas dessas usinas, a de Santo Antônio e a de Jirau, estão em território brasileiro, próximas à cidade de Porto Velho, em Rondônia. O complexo é um dos principais projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.

Ribeiro aponta que, até os anos 1970, a questão energética estava restrita às esferas técnica e científica. A partir de então, os movimentos ambientalistas teriam contribuído para que o tema fosse vinculado, também, à questão sociopolítica. Na avaliação da bióloga, o caso polêmico da construção das usinas hidrelétricas no rio Madeira é um exemplo de controvérsia sócio-científica, entre outros fatores, porque depende de tomadas de decisão, envolve a emissão de pareceres técnicos por parte do governo e das empresas construtoras e gera intensa mobilização social.

“A instalação das duas usinas é economicamente competitiva, com efeitos ambientais mitigáveis”, afirma a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em sua página na internet. “A capacidade instalada dos dois empreendimentos aumentará a oferta de energia e, consequentemente, possibilitará um maior crescimento da economia do país, com geração de mais empregos e renda”, completa a agência. As usinas de Santo Antônio e de Jirau adicionarão 6.450 megawatts (MW) de potência ao sistema de energia elétrica do Brasil.

No entanto, Ribeiro identifica riscos socioambientais para o empreendimento. Ressalta a importância do rio Madeira para a manutenção do ecossistema da região e para a vida de ribeirinhos e indígenas e afirma que a área alagada para a implantação das usinas – prevista em 529 km² – pode atingir áreas de proteção ambiental e territórios indígenas. A bióloga aponta também para os riscos de redução da biodiversidade e de inchamento das cidades, pelo estímulo à migração em busca de empregos, entre outros problemas potenciais.

“Os riscos não existem por si sós”, defende Ribeiro. Ela acredita na necessidade da formação de controvérsias, devido ao envolvimento de interesses diversos. A bióloga associa o caso do complexo hidrelétrico do rio Madeira à questão da participação pública na tomada de decisões, por causa da polêmica que mobiliza população ribeirinha, indígenas, moradores de Porto Velho e outros grupos, como o Movimento dos Sem Terra e movimentos dos países vizinhos Bolívia e Peru, contrários ao empreendimento.

A alternativa informal do protesto e o mecanismo formal das audiências públicas são as duas formas de participação identificadas por Ribeiro na mobilização social. As audiências fazem parte do processo de obtenção da licença prévia, o primeiro entre os três tipos de licenciamento ambiental necessários para a viabilização de uma usina hidrelétrica. Também são necessárias a licença de instalação (que permite o início das obras), e a licença de operação (a partir da qual o empreendimento pode funcionar).

Na avaliação de Ribeiro, os problemas em relação à forma como são realizadas as audiências públicas vão desde a localização e o espaço geralmente reduzido – que não comporta toda a população interessada em participar – até o curto prazo entre a apresentação dos estudos ambientais e as audiências, insuficiente para que a população entenda o contexto do debate. “O cidadão não contribui para a definição do problema”, afirma Ribeiro. A pesquisadora argumenta que as discussões são colocadas sem que a opinião pública influencie a agenda.

Ribeiro ressalta que a participação pública em controvérsias socioambientais é importante, entre outros fatores, por contribuir com políticas energéticas e ambientais mais sustentáveis, legitimar valores democráticos e estabelecer a conexão entre política, sociedade e sistemas técnico-científicos. “Essa conexão é muito incipiente no Brasil”, opina a bióloga. Ela defende a maior transparência na comunicação dos riscos e a diversificação e multiplicação dos modos de participação cidadã nos processos de decisão.

Na opinião de Ribeiro, a participação pública seria o único mecanismo que poderia frear governo e empresas no caso do complexo hidrelétrico do rio Madeira. As usinas de Santo Antônio e Jirau já receberam também as licenças prévia e de instalação e as obras foram iniciadas. As 88 turbinas dos empreendimentos (44 em cada uma das usinas) devem começar a funcionar a partir de 2012.

Disputas de autoridade marcam Comissão de Biossegurança, diz pesquisadora

“Quem acompanha um pouco a questão da biossegurança e a questão dos organismos geneticamente modificados sabe que está cercado de muitas controvérsias”, disse Márcia Tait Lima, pesquisadora da Unicamp, no Foro Ibero-americano de Comunicação e Divulgação Científica, dia 24, na mesma universidade.

“Quem acompanha um pouco a questão da biossegurança e a questão dos organismos geneticamente modificados, não só no Brasil e na America Latina, mas no âmbito mundial, sabe que está cercado de muitas controvérsias”, explica Márcia Tait Lima, pós-graduanda no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) da Unicamp, na apresentação de seu trabalho no Foro Ibero-americano de Comunicação e Divulgação Científica, dia 24, na mesma universidade.

Criada em 2005, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é descrita no site do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) como um “colegiado multidisciplinar”. As principais atribuições da CTNBio são relacionadas às emissões de pareceres técnicos sobre biossegurança, meio ambiente e saúde. “É importante salientar que a comissão é de especialistas, de cientistas, primordialmente, mas tem uma atribuição política clara que é de assessoramento para política nacional de biossegurança. Quer dizer, ela não está restrita à análise de risco, mas também ao auxílio para definição de uma política nacional de biossegurança”, destaca Tait. A CTNBio é formada por doze especialistas e nove representantes de ministérios e seis representantes de organizações sociais.

Segundo Tait, muitas deliberações realizadas no âmbito das reuniões da CTNBio, em especial as que envolveram organismos geneticamente modificados (OGM), foram alvo de controvérsias, dentro e fora da Comissão. É exatamente no estudo dessas controvérsias e da relação da participação pública junto à autoridade científica que se debruçou Tait em seu trabalho, um desdobramento de sua dissertação de mestrado na área de biossegurança. Dessa forma, foi a partir da perspectiva específica dos estudos de análise de controvérsia que a pesquisadora desenvolveu suas observações.

Nesse contexto, Tait observou que as disputas científicas existiam para estabelecer o que ela chamou de autoridade científica. Algumas das controvérsias que a pesquisadora encontrou se deram entre os próprios cientistas e se relacionavam a uma disputa de ideias, nas diferentes áreas, à qual ela chamou de “disputa pela ciência mais científica”. “Eu percebi nos discursos, nos artigos, nas cartas estudadas, que havia o cientista se colocando sempre no sentido de falar que o risco tecnológico e a biossegurança deveriam ser avaliados do ponto de vista específico do campo da ciência que ele pertencia ou da disciplina que ele pertencia. Então, isso eu chamei de uma concorrência no campo de diferentes lentes disciplinares. E essa concorrência foi tanto interna à CTNBio quanto nas manifestações dos cientistas de fora da CTNBio”, observa.

Entretanto, existiram disputas mais amplas, que explicitavam a visão da sociedade sobre o poder do especialista na tomada de decisões. “Essa disputa pela autoridade, que extrapola o campo científico e tem a relação mais direta com a sociedade, coloca a tecnociência e as novas biotecnologias como neutras. Portanto, as decisões sobre o risco tecnológico e sobre biossegurança tomadas nessa comissão com base no conhecimento tecnocientífico seriam as melhores e mais capacitadas para definir as questões do que os ministérios, do que as participações nas organizações civis, que teriam um viés mais político e sócio-econômico”, explica. Na análise de Tait, uma leitura possível dessa postura dos cientistas seria o desejo de favorecer a manutenção e ampliação de seu poder político e decisório nas políticas voltadas para biossegurança.

Do ponto de vista do trabalho de consultoria técnica que a Comissão oferece ao governo, Tait afirma que a opinião de outros grupos sociais deveriam ser ouvidas, pois não existem outros espaços no país, hoje em dia, para que se desenvolvam essas discussões. “Se não é ali, teria que haver um outro lugar, antes dali ou depois dali, mas que não há”, completa a pesquisadora. Além disso, ela acredita que nas questões de risco tecnológico e biossegurança existe espaço para as ciências humanas se expressarem. “Na visão mais pragmática de um cientista, quem vai falar sobre biotecnologia é um especialista que entende de moléculas… Mas não necessariamente. Alguém que entende de ética, de relações sociais, e se propõe a entender aquela área também poderia discutir isso”, completa Tait.