Segurança no setor elétrico exige projetos de inovação

Com as mudanças climáticas, os projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) no setor elétrico devem ganhar cada vez mais destaque. Se o aquecimento médio global chegar a 4ºC, deverá ocorrer um aumento médio no número de descargas atmosféricas em todo o país até o final do século.

Com as mudanças climáticas, os projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) no setor elétrico devem ganhar cada vez mais destaque. Se o aquecimento médio global chegar a 4ºC, deverá ocorrer um aumento médio no número de descargas atmosféricas em todo o país até o final do século, variando de 70 a 150% de acréscimo. Além disso, as variações de precipitação podem afetar a geração de energia hidrelétrica e a intensificação de tempestades severas com ventos e precipitações intensas poderão afetar também a distribuição e a transmissão de energia.

De acordo com as conclusões do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, divulgadas no relatório “Position paper: o setor elétrico e as mudanças climáticas”, “para o setor elétrico brasileiro, o maior desafio de hoje é identificar os impactos das mudanças climáticas no setor”. Os projetos de P,D&I com essa preocupação deverão ter grande importância estratégica para a segurança energética do país. Com as mudanças climáticas, o conceito de redes inteligentes (ou smart grids, em inglês), também vem sendo cada vez mais fortalecido no setor elétrico. A ideia de redes inteligentes, largamente utilizada por países do exterior, prevê redes de alta tecnologia, que pressupõe um alto nível de automatização.

Esse é o caso do projeto SitRaios, desenvolvido pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em parceria com a EDP Bandeirante e a Logica. “Este projeto se insere nas redes inteligentes porque trata da convergência total dos dados de descargas atmosféricas e de ativos da empresa, dentro de uma planta georeferenciada. Dessa forma, podemos correlacionar efeitos na rede tanto em espaço como tempo, porque todos esses eventos são sincronizados pelo GPS. Isso nos permite aplicar inteligência para o desenvolvimento de aplicações que possam melhorar o produto e a qualidade da nossa rede”, diz o gerente do projeto, Vitor Gardiman.

A EDP Bandeirante atende 28 municípios do estado de São Paulo, localizados em uma região de grande incidência de raios. Em alguns locais, ocorrem até 15 raios por km2, valor equivalente ao pico registrado na Flórida, estado que detém a maior incidência de raios nos Estados Unidos. A EDP tem um prejuízo anual de milhões de reais com a quebra de isoladores, danos à rede e queima de transformadores. O SitRaios integrou o setor público e privado e fez inovações ao desenvolver um software, que integra dados de ativos da empresa (como linhas de transmissão, distribuição, transformadores, etc) e informações de descargas atmosféricas do Inpe.“Ter uma aplicação, ter uma ferramenta que nos permita analisar em tempo real onde estão ocorrendo as descargas atmosféricas, é uma vantagem competitiva muito grande para a nossa empresa, para que possamos atuar o mais rápido possível na recomposição da rede”, comenta Gardiman.

O projeto fez parte do Programa de P,D&I para Aumento da Qualidade de Energia e da Eficiência Energética, que visa o desenvolvimento de tecnologias nessa área, e foi regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Eleito pela agência como um dos melhores projetos para compor a Revista P&D Aneel n°3, o SitRaios tem como objetivo fazer com que o re-estabelecimento de energia ocorra de forma mais rápida. Como resultado, o SitRaios traz benefícios para a sociedade com a melhora na qualidade de energia.

Com a escolha do projeto pela revista da Aneel, a pedido da agência, foi elaborado um vídeo institucional sobre o software, que foi premiado com o título de Distinção Especial da Mostra Latino Americana de Vídeo Científico, realizada em outubro, em São José dos Campos (SP).

Ciência brasileira perde Marcelo Damy

Morreu no último domingo (29/11), aos 95 anos, o físico Marcelo Damy de Souza Santos. Ele estava internado há cerca de um ano no Hospital Albert Einstein em São Paulo, em consequencia de um acidente vascular cerebral. O enterro foi na segunda-feira, no cemitério Getsêmani, no bairro do Morumbi, em São Paulo.

Damy teve papel de destaque no desenvolvimento da ciência e da física brasileira, com intensa atuação no campo da física nuclear. Iniciou seus estudos no curso de engenharia, mudando para a física por influência do italiano Gleb Wataghin. Seu interesse pelos raios cósmicos e seu conhecimento sobre eletrônica, o levaram a participar do desenvolvimento do primeiro aparelho para observação dos raios cósmicos no Brasil, aparelho que desenvolveu no Laboratório Cavendish, em Cambridge, e que trouxe consigo para São Paulo em sua volta ao país.

Damy foi responsável também pela construção do primeiro acelerador de partículas da América Latina, o Betraton, em 1951, quando era professor da Universidade de São Paulo (USP), universidade da qual foi professor até 1956. Seguiu sua carreira como diretor do Instituto de Energia Atômica, o qual ajudou a implementar, e que viu se transformar no Instituto de Pesquisas em Energia Nucelar (Ipen). Em 1966, ele foi convidado por Zeferino Vaz para auxiliar na implementação do Instituto de Física da recém-criada Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Seis anos mais tarde, transferiu-se para a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (cursos de graduação e pós-graduação) e passou a orientar pesquisas no curso de pós-graduação do Ipen.

Em homenagem a esse importante nome da física brasileira, a revista ComCiência retoma a entrevista feita com Marcelo Damy de Souza Santos em 09 de maio de 2003, na edição dedicada aos raios cósmicos.

Físico de raios cósmicos fez sonar para a marinha

Marcelo Damy é um dos principais cientistas brasileiros. Deixou a engenharia para se dedicar à Física quando ficou encantado pelas aulas do professor Gleb Wataghin, que reconhecendo sua forte aptidão para a física aconselhou-o a mudar os rumos de sua formação. A relação entre os dois foi extremamente rica e resultou em um grande salto científico para o Brasil no ramo da Física. O primeiro reator nuclear da América do Sul foi desenvolvido no Brasil graças a Damy, que também realizou descobertas científicas incríveis e ainda colaborou com a Marinha Mercante Brasileira na Segunda Guerra Mundial construindo sonares para detectar submarinos. Foi também professor de alunos que se tornaram grandes cientistas brasileiros, como Cesar Lattes. Nascido em Campinas em 14 de junho de 1914 ele apresenta uma história de trabalho incessante em prol da ciência, que continua desenvolvendo até hoje juntamente com outros pesquisadores do Instituto de Pesquisas em Energia Nuclear (Ipen). Nesta entrevista à ComCiência, ele fala sobre a sua importante atuação no desevolvimento das pesquisas brasileiras sobre raios cósmicos.

ComCiência – Qual o seu interesse pelos raios cósmicos?

Marcelo Damy – Os raios cósmicos sempre me interessaram muito porque foi o ponto de partida das minhas pesquisas depois que graduei-me pela Universidade de São Paulo (USP). O professor Gleb Wataghin, que depois foi patrono do Instituto de Física da Unicamp, estava muito interessado em raios cósmicos, que apresentavam uma vantagem muito grande para serem pesquisados. Era um campo aberto para pesquisas. Além disso, o equipamento que se utilizava nas pesquisas de raios cósmicos, na época, podia ser construído no laboratório sem uma dificuldade maior, enquanto as pesquisas de física nuclear exigiam investimentos muito altos que não poderíamos pagar. Foi assim que, com o professor Wataghin, eu comecei a trabalhar em raios cósmicos, construindo todo o equipamento necessário para a observação dos mesmos. Na época, eu era o único assistente de Wataghin e trabalhava experimentalmente nesse campo. Mas antes disso, nos meus tempos de estudante, eu já havia consertado muitos aparelhos de rádio para melhorar o orçamento, por isso conhecia um pouco de eletrônica e já tinha o interesse despertado para essa área.

ComCiência – Naquela época, quais eram as linhas de pesquisa em raios cósmicos? O que se desejava descobrir estudando os raios cósmicos?

Damy – Nos raios cósmicos nós procurávamos estudar a natureza da componente penetrante da radiação cósmica. A radiação cósmica tem uma radiação que é chamada de radiação mole – absorvida por 2 a 3 cm de chumbo – e a radiação penetrante, que pode atravessar metros de chumbo. Na época, sabia-se que atravessava várias dezenas de centímetros, mas nunca metros. O propósito inicial das pesquisas era estudar a natureza dos chuveiros penetrantes de raios cósmicos [chuveiros penetrantes são raios cósmicos que atingem a Terra e são acompanhados por um grupo de partículas]. Observava-se que nos chuveiros cósmicos apareciam partículas que depois foram identificadas como mesons que tinham um grande poder de penetração, assim, podiam penetrar várias dezenas de centímetros sem perder parte apreciável de sua energia. Então começamos a estudar intensidade da radiação cósmica em São Paulo, como variavam esses chuveiros e a sua extensão. Nosso estudo era muito importante na época, porque os chuveiros normalmente eram estudados com equipamentos que retratavam o fenômeno que ocorre no máximo até 30 ou 40 cm de distância. Eu, Wataghin e Pompéia [Paulus Aulus Pompéia] descobrimos que esses chuveiros são muito penetrantes, e o trabalho foi publicado no exterior.

ComCiência – Era possível estudar chuveiros penetrantes com os equipamentos disponíveis na época?

Damy – Não, a descoberta dos chuveiros penetrantes só foi possível devido a um aparelho que desenvolvi quando estava na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Eu tinha construído o aparelho e íamos iniciar essas pesquisas na Inglaterra quando surgiu a guerra e fechou o laboratório. Fiquei com o aparelho parado sem poder iniciar as pesquisas. Mas o conselho britânico e a direção do laboratório foram extremamente corretos e doaram o aparelho para a USP, me autorizando a trazê-lo em minha viagem de volta ao Brasil. Então eu voltei com essa aparelhagem toda em uma caixa de aço. Foi tudo bem até chegar aqui no Brasil. Quando o navio parou no Rio, foi vistoriado pela alfândega, a bagagem dos brasileiros desceu e o inspetor da alfândega – que era muito sabido – olhou o aparelhos e encontrou umas válvulas de rádio lá dentro e falou “Não, isso é um transmissor de rádio, está preso!” (Risos). Então, levaram o aparelho e para mostrar que era um transmissor de rádio ele retirou algumas válvulas, resistências, condensadores – que são as componentes que normalmente você usa em um receptor. Com isso eu fiquei com ao aparelho desmontado em parte na alfândega do Rio, onde ficou cerca de 2 meses até que fosse possível convencê-los de que aquilo não transmitia nada porque não tinha nem bobina para transmitir… Mas esse aparelho depois foi utilizado aqui no Brasil para medir os chuveiros penetrantes. Durante essas pesquisas, havia sido observado no exterior que um elétron, mesmo de energia extremamente grande, não poderia atravessar vários centímetros de chumbo, então verificou-se que deveria existir uma outra partícula responsável por esse processo, e assim foi descoberto o meson, que aparentemente seria uma única partícula. Construímos contadores de partículas especiais que nos permitia detectar chuveiros de grande divergência nos contadores até alguns metros de distância um do outro.

ComCiência – Como foram desenvolvidas as pesquisas?

Damy – Fizemos medidas na cidade de São Paulo, e depois no fundo da mina de Morro Velho. Isso porque sabia-se que o meson era uma partícula que podia atravessar vários centímetros de chumbo sem ser praticamente absorvida. O professor Wataghin teve a idéia de estudar a natureza dos chuveiros em profundidade. A mina de Morro Velho (MG) está a cerca de 1000 m de profundidade. Em conseqüência, uma partícula que chegue até lá só poderia ser um meson porque elétrons ou prótons, mesmo de energia quase infinita, não atravessariam essa profundidade de Terra. Nós fizemos as medidas (não seria medições?) e encontramos chuveiros lá embaixo. Descobrimos então a simultaneidade de mesons que poderiam ser produzidos em um único processo nuclear, isso porque entre a descarga de um contador e outro decorria um tempo menor que um milionésimo de segundo, logo, era um processo simultâneo que acontecia pela interação da radiação cósmica primária com o núcleo. Seriam então, emitidos elétrons e prótons, como ocorre normalmente, e mais os mesons. Essa pesquisa foi publicada e teve grande repercussão no exterior.

ComCiência – Qual a importância desses chuveiros de raios cósmicos?

Damy – A importância é que esses chuveiros penetrantes são uma chuva de partículas – daí o nome de chuveiro – mas, nesse chuveiro penetrante, as partículas responsáveis pelo processo são os mesons ou mésotrons que haviam sido descobertos, antes, por Lattes (veja reportagem que fala da participação de César Lattes), Giuseppe Occhialini e Cecil Powel (ganhador do Nobel de física em 1950). Eles descobriram essas partículas também na radiação cósmica, mas por métodos diferentes. Mostramos que os chuveiros penetrantes – que já eram conhecidos – eram constituídos por meson, responsável pela penetração a grandes profundidades. Antes, achava-se que eram constituídos somente de prótons – o que criava dificuldades incríveis para a teoria.

ComCiência – Como estão os estudos sobre raios cósmicos hoje?

Damy – Os raios cósmicos até hoje continuam sendo estudados no mundo inteiro porque ainda há uma porção de problemas a serem resolvidos. Depois que eu fiz essa pesquisa e o Wataghin voltou para a Itália, veio a guerra e eu fui trabalhar para a Marinha, juntamente com Paulo Pompéia. Fomos encarregados de estudar métodos de detecção de submarinos (risos). E nós passamos o tempo da guerra estudando isso e resolvemos o problema para a marinha desenvolvendo sonares que foram instalados nas corvetas que acompanhavam os comboios, e nos submarinos também. Aliás, funcionaram muito bem. Depois desse período na marinha eu não voltei a trabalhar em raios cósmicos porque, após a guerra, eu passei a me interessar por aceleradores. Eu tinha que construir um acelerador de partículas aqui no Brasil e acabei instalando um bétatron. As pesquisas de raios cósmicos que eram realizadas no Brasil ocorreram graças ao prestígio de Wataghin e ao apoio da Fundação Rockfeller, que costumava mandar bolsistas do Brasil para o exterior. Foi assim que o Lattes foi para o exterior.

ComCiência – O senhor também recebeu apoio da Rockfeller?

Damy – Eu recebi, mas não como bolsista. Depois de terminada a guerra e o reconhecimento que a marinha brasileira recebeu, permitindo que os comboios americanos tivessem escolta americana até as Guianas, e das Guianas para baixo, escolta realizada brasileira com detectores feitos por nós, a Fundação Rockfeller deu uma bolsa ao Wataghin e a mim para viajarmos para os EUA e escolhermos um acelerador para o Brasil. Depois de percorrer vários laboratórios nos EUA, chegamos à conclusão de que entre todos os aceleradores existentes o mais interessante era o bétatron porque permitia trabalhar em um novo ramo de pesquisas nucleares. O bétatron era uma novidade pois permitia estudos de fenômenos de fotodesintegração em altas energias. Então, resolvemos instalar aqui em São Paulo um betatron para uma energia na ordem de 26 a 28 milhões de elétrons volts – que era uma energia muito boa para a época. Naquela viagem, encontramos parte dos laboratórios fechados por causa dos ’segredos de guerra’, apesar da guerra já ter terminado. Mas o de Ilinois estava aberto. Estivemos lá e resolvemos que montaríamos em São Paulo um bétatron para 28 milhões de elétrons volts. Esse bétraton foi construído nos EUA pela empresa que construiu os bétatrons da Universidade de Ilinois onde trabalhava o professor Kirts, o seu descobridor. E assim, veio um betatron para São Paulo, e chegou em uma ocasião muito oportuna porque o betatron é um aparelho muito caro. Além disso, em 1955, conseguimos também o primeiro reator. Naquele ano, houve a primeira conferência de átomos para a paz, em Genebra, e nessa ocasião o governo norte-americano prometeu que doaria um reator para o país que primeiro fosse capaz de instalá-lo. E nós ganhamos esse prêmio.

ComCiência – Então, além do acelerador, o senhor também conseguiu trazer um reator para o Brasil?

Damy – Foi uma corrida contra o tempo. Quando chegamos ao Brasil procuramos o então presidente Jânio Quadros que aceitou imediatamente a idéia. Começamos então a construção do prédio do reator na cidade universitária, que naquele tempo era um campo onde existiam vacas e cavalos que serviam para fazer vacinas para o Butantã. Naturalmente, se fôssemos os primeiros, os EUA pagariam as despesas, mas se fôssemos o segundo, o governo brasileiro teria que arcar com as responsabilidades. Mas mesmo assim, o Jânio topou: “Confio em vocês, trabalhem que terão todo o nosso apoio”. Trabalhamos dia e noite, e conseguimos o reator.

ComCiência – Esse foi o primeiro reator nuclear do Brasil?

Grupo avalia literatura científica para crianças

Trabalho apresentado durante o I Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, na Unicamp, mostra que de um total de 280 livros infantis voltados para a divulgação científica, poucos foram considerados livres de equívocos graves e adequados como leitura científica para crianças.

Em pôster apresentado durante o I Foro Iberoamericano de Comunicação e Divulgação Científica, que ocorreu na Unicamp entre os dias 23 e 25 de novembro, o pesquisador Paulo Roberto da Cunha, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, mostrou uma extensa análise de livros infantis voltados para a divulgação científica. E os resultados do seu grupo de pesquisa não são nada animadores: de um total de mais de 280 livros analisados, apenas pouco mais de trinta foram considerados livres de equívocos graves e adequados como leitura científica para crianças.

O grupo responsável pela pesquisa contou com três pesquisadores em educação vindos de áreas específicas da ciência: além de Cunha, biólogo do Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo) e pós-graduando do Labjor/Unicamp, o grupo é formado pelos químicos Mansur Lutfi, da Unicamp, e Fábio Gouveia, da USP. Numa primeira triagem, cerca de 90 livros já foram eliminados por erros grosseiros ou inadequação material, com encadernação de péssima qualidade. Os restantes (191) foram, então, analisados pelo grupo. “A análise foi uma avaliação de conteúdo, temática e linguagem de livros não-didáticos, que podem ser considerados como leitura complementar, para crianças de seis a oito anos”, explica Cunha.

Um dos problemas mais comuns encontrados pelo grupo foi a inadequação da linguagem para o público infantil. Cunha mostra um exemplo em que a proporção da superfície da Terra entre terra e água é apresentada em termos de quilômetros quadrados. “A analogia é completamente inadequada: uma criança nessa faixa etária, mesmo que já tenha ouvido falar do conceito de quilômetro quadrado, ainda não tem capacidade de abstração para poder imaginar com clareza a proporção que está sendo proposta”, avalia. O pesquisador cita outro exemplo de erro que vem da proporção: “Encontramos muitas imagens que apresentam animais completamente fora de proporção, coisas como um gato do mesmo tamanho de uma baleia, representações descuidadas que acabam tendo impacto na visão das crianças”, critica.

Para ele, erros em imagens são tão ou mais graves quanto erros no texto escrito, especialmente em se tratando de leitura infantil. Cunha lembra de uma representação da diferença entre água do mar e água doce: “Para mostrar essa diferença, o livro mostra uma pessoa segurando, na água, um saco de açúcar”, diz, com um inevitável misto de gravidade e riso, exemplificando representações pictóricas que, além de transmitirem ideias completamente errôneas, não contribuem em nada para a criança entender importantes e rudimentares conceitos científicos.

Esses equívocos parecem inocentes quando comparados à confusão que muitos livros fazem entre o discurso científico e o pensamento mágico, o misticismo e também o senso comum. Animais e plantas que conversam com seres humanos podem ser úteis para aguçar a imaginação literária e poética das crianças, mas ao mesmo tempo, se isso for feito sem muito cuidado, pode resvalar no animismo, no antropomorfismo e na magia, coisas que a ciência moderna varreu do mapa há tempos. Cunha esclarece que “o grupo (de pesquisa) parte do ponto de vista do letramento científico; portanto, aquilo que não teria problemas numa literatura não voltada para as ciências, neste tipo de livro pode acabar não sendo adequado do ponto de vista científico e de letramento científico para crianças”.

É verdade que, quando se trata de escrever sobre ciência para um público amplo – e não apenas o infantil -, caminha-se no fio da navalha. Conceitos científicos não são concebidos para serem facilmente compreensíveis. O que não quer dizer que qualquer simplificação seja válida e aceitável. Se o letramento científico é o objetivo de um nicho de livros infantis, esse nicho deve corresponder precisamente aos conceitos que quer ensinar. Conclui-se, por esse estudo, ser preciso mais cuidado com “astronautas conversando com astros” e “mamíferos apresentados como o topo da hierarquia entre os animais”, nas palavras de Cunha, pois estas são imagens estranhas à ciência. Depurar o que as crianças aprendem é fundamental para uma sociedade que pretende compreender, partilhar e participar da construção do conhecimento científico.