Design para o cidadão

Um projeto de design universal é reflexo da aceitação da multiplicidade, sem que haja estigmatização ou exclusão, em contraposição ao modelo normativo com regras e exceções. É preciso repensar, para muito além da estética, o modo de se projetar, e entender a acessibilidade como facilitador do ato de exercício da cidadania.

Alunos canhotos, até hoje, disputam carteiras adaptadas para poderem se sentar e escrever confortavelmente em sala de aula, mesmo com leis como o projeto 305, de 2008, que garante esse direito. Esse é o típico exemplo do que é chamado pelos designers de produto de projeto adaptado, ou seja, projetos que, muitas vezes, na fase inicial do processo (chamada de briefing), são descritos de uma maneira e na execução final precisam de uma adaptação. “É quando o cliente lembra daquele ‘detalhe simples, coisa de dez minutos’”, brinca Tomas Sniker, coordenador do curso de Design da Faculdade de Administração e Artes de Limeira (Faal). Normalmente esse curto tempo mal serve para explicar o tamanho do problema criado.

É para evitar adaptações de última hora que podem criar ambientes de exclusão que surgiu o “design universal”, “design inclusivo”, ou ainda “design acessível”, no qual os projetos de objetos, ambientes reais ou virtuais e softwares devem ser pensados para incluir o máximo de pessoas capazes de interação sem nenhuma habilidade anterior ou adaptação posterior por parte do designer ou projetista. Um projeto de design universal é reflexo da aceitação da multiplicidade do mundo atual, sem que haja estigmatização ou exclusão, em contraposição ao modelo normativo com regras e exceções. É preciso repensar, para muito além da estética, o modo de se projetar (veja resumo do processo).

“Claro que um projeto universal não é algo fácil de atingir”, continua Sniker, “aspectos como a ergonomia, que no Brasil é complicada por conta da quantidade de biotipos, e de níveis de conhecimento prévio de interação, no caso de caixas de banco ou sites de internet, são complexos e passam por outras esferas”. Uma dessas dificuldades, diz o coordenador, é a econômica. O investimento na etapa de projeto é muito maior, pois é preciso trabalhar com uma gama maior de variáveis, o que contribui para encarecer o produto, ao contrário do que costuma ocorrer com produtos adaptados. Mas, a longo prazo, entendendo a lógica de maior oferta, esses preços podem diminuir, prevalecendo os projetos de melhor qualidade.

Direito à acessibilidade Na internet a questão da acessibilidade ganha contornos ainda mais preocupantes. No ano 2000 um cidadão australiano processou o governo por não conseguir acessar o site oficial dos Jogos Olímpicos. O usuário tinha 100% de deficiência visual e estava impedido de acessar quaisquer informações via internet deixando claro o caráter excludente da comunicação do governo com os cidadãos. Austrália, EUA e Canadá, aliás, são pioneiros na criação de diretrizes de acessibilidade via web utilizando parâmetros amplamente recomendados pelo consórcio internacional W3, responsável pela padronização da Rede Mundial de Computadores.

“Muitas pessoas associam a acessibilidade com sites feios, com poucos recursos e mais caros. Não é verdade”, afirma Fernanda Hoffman Lobato, coordenadora de acessibilidade do Governo Eletrônico, um programa do governo federal brasileiro que pretende levar o conceito de democracia para o acesso à informação. Ela acredita que sites acessíveis tem demonstrado que são mais fáceis de usar, mais leves e, portanto, tem um retorno maior que sites inacessíveis, tanto do ponto de vista financeiro quanto de satisfação do cidadão.

No Brasil, cerca de 14,5% dos habitantes possuem algum tipo de deficiência, segundo o IBGE. Dentre eles, menos de 1% possui emprego formal, 27% vivem em pobreza extrema e 53% são pobres. De acordo com a coordenadora, as tecnologias digitais, quando acessíveis, são uma forma de inclusão social, nas quais os portadores de deficiência podem interagir, trabalhar e aprender em total igualdade com as demais.

Fernanda Lobato afirma ser possível desenvolver projetos 100% universais, apesar do desafio. O maior empecilho, diz, são a falta de conhecimento e o fato de existir poucas pessoas qualificadas.

Design inclusivo e impacto social Um exemplo de projeto de design inclusivo é o E-Cidadania, encabeçado por Maria Cecília Baranauskas e Maria Cecília Martins, coordenadoras associadas do Núcleo de Informática aplicado à Educação (Nied) da Unicamp. O projeto usa metodologia desenvolvida nos países escandinavos para inovações no ambiente de fábrica, e semiótica organizacional, que explora o uso de signos e seus efeitos em práticas sociais, para permitir a interação de usuários com diferentes necessidades, interesses e competências.

A pesquisa de Baranauskas tenta articular o design universal ao chamado design participativo – que lida com um conjunto homogêneo de usuários, em geral no mundo do trabalho – para tratar a diversidade de competências de potenciais usuários de tecnologias de informação e comunicação no seu cotidiano. “O objetivo é promover o acesso participativo de todo cidadão ao conhecimento gerado pela formação de redes sociais na web e, portanto, o exercício da cidadania”, comenta Baranauskas, que é também professora titular do Instituto de Computação da Unicamp. Em sua pesquisa ela tem estudado práticas participativas de design para criar interfaces de usuário de sistemas que sejam para todos, isto é, que não discriminem aqueles com diferentes possibilidades de interação. “Os novos modelos de design propostos pretendem sustentar a constituição de redes sociais de e-cidadania, criando uma cultura digital que respeite as diferenças, entre as quais as de pessoas com deficiências e aqueles não alfabetizados digitalmente”, afirma a pesquisadora. Segundo ela, o sistema permitirá a sistematização, difusão e compartilhamento de conhecimento a partir da constituição dessa rede, na qual seus usuários poderão compartilhar produtos e serviços, idéias e eventos sociais de suas comunidades de forma autônoma e inclusiva. “Considero que a inclusão digital, se levar em conta a acessibilidade, vai ser uma das principais portas para o mercado de trabalho para essas pessoas.”, prevê Fernanda Lobato.

Células-tronco: o combate à ficção

Encontro internacional sobre células-tronco expõe os problemas relacionados à divulgação de informações incorretas e o quanto ainda são limitadas as possibilidades de aplicação terapêutica, além de estreitar as relações entre pesquisadores brasileiros e do Reino Unido.

A palestra de abertura do fórum “Células-tronco: ficção, realidade e ética”, apresentada por Austin Smith, diretor do Centro de Investigação em Células-Tronco, da Wellcome Trust Centre for Stem Cells Research, de Cambridge, Inglaterra, no último dia 11 no Centro Brasileiro Britânico, em São Paulo, começou com dois slides curiosos. O primeiro trazia uma foto do comandante inglês Nelson, que liderou a batalha de Trafalgar e derrotou as tropas de Napoleão em 1805; e o segundo mostrava a pata de uma salamandra em regeneração após ter sido amputada. Segundo o palestrante, a foto do almirante era uma homenagem ao seu país. No entanto, o detalhe apontado por ele – o braço mutilado que herdou da batalha – ilustrava o desejo humano de alcançar a regeneração, algo de que as salamandras são capazes. “Este é um sonho a respeito das células-tronco”, comentou, referindo-se à ficção gerada em torno do assunto e presente no título do fórum.

O evento fez parte do Encontro Internacional sobre Células Tronco, realizado entre os dias 11 e 18 numa parceria do British Counsil com o Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Assistidos por uma platéia composta principalmente por médicos e pesquisadores, mas que também contava com muitos estudantes e pessoas interessadas pelo assunto, os pesquisadores deram uma visão geral sobre os avanços, as ficções e as questões éticas em torno das pesquisas com células-tronco.

Divulgação, erro e ficção

Apesar dos diversos resultados positivos obtidos por pesquisadores do mundo todo, os palestrantes foram enfáticos ao falar sobre as limitações da utilização dessas células como armas terapêuticas em pacientes. E foi consenso o tom de ceticismo em relação às aplicações terapêuticas em um curto espaço de tempo. Segundo Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, dois ensaios terapêuticos com células-tronco que começarão neste ano – um nos Estados Unidos com lesões de medula e outro na Inglaterra com pessoas que sofreram derrame – irão trazer muita informação e permitir que etapas sejam puladas em estudos futuros.

No Reino Unido, onde as pesquisas com células-tronco embrionárias são permitidas desde 2000, o documento responsável por tal regulamentação data de 1990 e vem sendo adaptado ao longo dos anos, de acordo com as demandas advindas de avanços científicos. Segundo Robin L. Badge, diretor da divisão de biologia da célula-tronco e genética do desenvolvimento do National Institute for Medical Research do Reino Unido, questões históricas e o apoio popular contribuem para a prática de uma “abordagem regulatória [para as pesquisas com células-tronco no Reino Unido] em detrimento de leis altamente restritivas, como no caso da Alemanha”.

No Brasil, a participação da opinião pública também foi decisiva na aprovação da Lei de Biossegurança, que permite as pesquisas com células tronco embrionárias. “Eu sempre defendi a participação da opinião pública em debates sobre temas científicos e defendo cada vez mais. Acho que a opinião pública tem que participar desses avanços, tem que se discutir, porque existe muita desinformação e informações erradas [a respeito de pesquisas com células tronco]”, declara Zatz.

A iniciativa de fazer uma edição do Encontro no Brasil surgiu em 2007, a partir do curso realizado no Chile, do qual participaram os pesquisadores e realizadores do evento no Brasil, José Xavier Neto e Deborah Schechtman, do InCor. Segundo Xavier,“a idéia era desmistificar um pouco o assunto de células tronco e ter uma discussão muito franca sobre o potencial, o que a gente tem hoje e quais são os limites [das pesquisas com células tronco]. A gente queria […] expor o público em geral às pessoas que entendem do assunto e são da área”.

Pluripotência

Além dos mitos e das questões éticas envolvidas em torno das células-tronco, os cientistas também debateram sobre novidades na área. A principal delas, e que foi discutida com entusiasmo pelos palestrantes e público é a possibilidade de induzir células adultas a se tornarem células-tronco pluripotentes, ou seja, que podem se diferenciar em diversos outros tipos celulares. As chamadas IPSC (induced pluripotent stem cells) são linhagens celulares conseguidas por meio da inserção de quatro genes relacionados com a diferenciação na célula e vêm sendo desenvolvidas em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil. Para Smith, tais células não substituirão as células-tronco embrionárias nas pesquisas. “Ainda é necessário trabalhar com ambas, para fins de comparação”, comenta.

O desenvolvimento de linhagens celulares, a partir de células de uma pessoa que tem alguma doença genética, permitirá o teste de diversos tipos de medicamentos e possibilitará o entendimento dos diferentes quadros clínicos manifestados por pacientes que apresentam uma mesma mutação.

Mídia e Brasil no conflito Israel-Palestina

Diante da dimensão do conflito pesquisadores pensam em como a mídia deveria atuar nesse conflito e qual papel o Brasil pode exercer. A mídia é avaliada por eles como peça-chave na solução do conflito entre árabes e palestinos.

A partir do final de dezembro do ano passado Israel intensificou os ataques aos palestinos da Faixa de Gaza, em resposta aos lançamentos de foguetes do Hamas à região. Diante da dimensão do conflito pesquisadores pensam em como a mídia deveria atuar nesse conflito e qual papel o Brasil pode exercer. A mídia é avaliada por eles como peça-chave na solução do conflito entre árabes e palestinos.

“O acesso à informação, seu tratamento, sua interpretação e sua democratização precisam ser mediados pela nação, para, respeitando todas as outras nações, construir um projeto de sociedade e território que seja o resultado das aflições de cada qual. De qualquer forma, as informações veiculadas pelo circuito hegemônico da mídia não são as únicas, há os veículos alternativos para isso”, avalia Márcio Antonio Cataia, geógrafo da área de geografia política e regional da Unicamp.

Nos últimos anos, têm sido observadas na mídia tentativas de posicionamentos de equilíbrio durante o conflito, o que demonstra preocupação não só em noticiar o conflito, mas em tentar entendê-lo em suas múltiplas dimensões. “Essa nova disposição mostra um esforço para fortalecer os meios de comunicação, como contraposição a ser refém da compra de informação das grandes agências internacionais de notícias”, destaca Cristina Soreanu Pecequilo, especialista de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Tais medidas são observadas pelo envio, por exemplo, de correspondentes ao conflito. Contudo, na análise da pesquisadora, seria importante que esta tendência se aprofundasse, abrindo ainda mais espaço para que as análises, explicações e reflexões fossem apresentadas com um olhar brasileiro. Para ela, a divulgação científica através das universidades, revistas especializadas e do advento da internet têm sido importantes para isso, pois, propiciam um maior espaço para discussões e reflexões.

Papel do Brasil

O perfil histórico e diplomático brasileiro, além da suas relações positivas com as nações do Oriente Médio, proporcionou um convite do governo Bush, em Annapolis 2007, para participar como observador das negociações que lá ocorreram. Para Cataia, os países latino-americanos, como o Brasil, apresentam experiências em lutas emancipatórias que podem ajudar na construção de uma coexistência pacífica entre ambas as partes. No entanto, a participação brasileira nesse contexto não pode entrar no mérito de construir modelos a serem aplicados em outras realidades socioterritoriais. Buscar “novas formas alternativas de uso político do território, tendo assim legitimidade para pressionar ambas as partes do conflito, ou seja, aquilo que podemos solicitar do outro é aquilo com o qual lidamos em nosso território”, analisa o geógrafo da Unicamp.

Obama na mídia árabe

Recentemente, o presidente eleito Barack Obama concedeu uma entrevista para a TV árabe Al Arabiya. Nela, afirma que os EUA cometeram diversos equívocos no Oriente Médio, e que, dado os atuais conflitos entre Israel e Palestina, torna-se propícia uma maior aproximação diplomática com o mundo árabe. “Os Estados Unidos estão comprometidos com a criação de dois Estados onde palestinos e israelenses poderão conviver juntos”, garantiu o presidente estadunidense durante coletiva de imprensa.

Para Cristina Pecequilo, a mudança de Bush a Obama, que todos esperam, é que os EUA voltem a ter uma posição mais equilibrada entre Israel e os moderados palestinos do Fatah e que o processo de negociação possa ser retomado, o que, de imediato, enfraquece os radicais. Nessa perspectiva, seria necessária uma posição de mediação real e a opção por soluções políticas em detrimento das militares.

O diálogo político pressupõe a existência de certo equilíbrio de forças de coerção e coexistência em ambos os lados de envolvimento dos órgãos mundiais – ONU e organizações de direitos civis, por exemplo. Alguns acreditam que o processo de paz só poderá ser obtido com a superação das diferenças, muitas vezes políticas, das tensões que geram os conflitos.

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Entrevista com Ilan Pappe