Danos cerebrais em roedores servem de alerta contra o abuso de anabolizantes

Mais fortes, sem dúvida, mas também mais ansiosos, impulsivos e até agressivos, camundongos submetidos ao abuso de nandrolona produziram menos receptores de serotonina em diversas áreas do cérebro, sobretudo na amígdala e no córtex pré-frontal. Foi o que constatou o biólogo Guilherme Âmbar em sua dissertação de mestrado, recentemente defendida no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Mais fortes, sem dúvida, mas também mais ansiosos, impulsivos e até agressivos, camundongos submetidos ao abuso de nandrolona (um anabolizante) produziram menos receptores de serotonina em diversas áreas do cérebro, sobretudo na amígdala e no córtex pré-frontal. Foi o que constatou o biólogo Guilherme Âmbar em sua dissertação de mestrado, recentemente defendida no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. A serotonina é um dos neurotransmissores responsáveis pela comunicação entre os neurônios das áreas cerebrais ligadas às emoções. Nos animais, como em seres humanos, baixos níveis dessa substância se traduzem em depressão ou agressividade. E os receptores são moléculas nas quais mensageiros químicos como hormônios e neurotransmissores se ligam, transmitindo um sinal (estímulo ou inibição) para as células. No caso da serotonina, tudo indica que ela iniba neurônios de áreas associadas ao comportamento agressivo. Uma redução nos níveis de receptores produz efeito semelhante ao de baixos níveis do neurotransmissor: uma desinibição da agressividade.

Âmbar não mediu diretamente a quantidade de serotonina, e sim os níveis de RNA – intermediário na transformação da receita genética do DNA em proteína – ligados a esse neurotransmissor nos neurônios dos roedores. Assim como ocorre com os indivíduos que tomam anabolizantes (popularmente conhecidos como “bombas”), os animais mostraram ganho de massa magra do 16º ao 28º dia do experimento, no qual receberam injeções dessa substância,. O trabalho durou cerca de 2 anos e foi orientado pela pesquisadora Silvana Chiavegatto.

Segundo Chiavegatto, cessado o abuso do esteróide sintético, é muito provável que a transcrição de serotonina volte aos níveis normais devido à plasticidade (capacidade de se adaptar a diversas circunstâncias) do cérebro. “Pelo menos seria essa a minha hipótese para um indivíduo adulto; porém, em jovens adolescentes, não descartaria a hipótese de que essas alterações possam se tornar permanentes de alguma maneira. Precisamos testar, pondera Chiavegatto. “Nesse primeiro estudo fizemos a associação do que está ocorrendo no cérebro durante o uso de esteróides anabolizantes. Precisamos agora entender como ou através de quais mecanismos os esteróides induzem essas alterações”.

A possibilidade de reversão dos níveis do receptor de serotonina não torna menos graves os efeitos potenciais do abuso dos anabolizantes por seres humanos, sobretudo jovens. “Essas substâncias podem causar diversos males – efeitos que muitos conhecem, o que não os impede de recorrer às bombas”, afirma Solange Nappo, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Além disso, pesquisadores norte-americanos encontraram indícios de danos duradouros em um estudo com hamsters sírios. Nesses roedores os hormônios sintéticos parecem ativar constitutivamente (permanentemente) neurônios de áreas cerebrais críticas para o controle da agressão. As pesquisas em roedores também sugerem que os hormônios esteróides sintéticos afetam os níveis de receptores dos neurotransmissores GABA e glutamato, e não somente da serotonina.

Expansão alarmante

Para conhecer a extensão do problema, Nappo incluiu perguntas sobre anabolizantes em 2 estudos quantitativos feitos por meio de pesquisa domiciliar para avaliar o uso de drogas pela população brasileira. Em 2001, Nappo encontrou 540 mil usuários das “bombas”; em 2005 eram 1,2 milhão. Segundo a pesquisadora, não são números comparáveis com os de outras drogas, mas não deixam de ser alarmantes, afirma Nappo. Isso porque, apesar de os hormônios não atuarem sobre o sistema nervoso, os usuários de anabolizantes desenvolvem dependência psicológica.

À última pesquisa quantitativa seguiu-se uma pesquisa qualitativa que proporcionou um conhecimento da cultura de uso: por que e como se tomam anabolizantes? Onde conseguem? Sabem que faz mal? “Aplicamos a eles os critérios usados para determinar se indivíduos abusam de drogas e os usuários se encaixam”, explica Nappo. Sabem que a bomba traz prejuízos físicos e continuam tomando; aumentam a quantidade a cada ciclo de uso; quando param, perdem massa, então voltam a usar; restringem o repertório de vida e abrem mão de outros prazeres em função do ganho de músculos; dizem ter controle sobre a situação. “Alguns disseram conhecer os efeitos, mas os minimizavam”, conta Nappo. E muitos desenvolveram agressividade. “O corpo forte dá confiança e poder tanto para gerar brigas quanto entrar em brigas. A companheira ou namorada tende a ser a primeira a sofrer com a mudança”, completa.

A pesquisadora observa que entre os usuários, as mulheres são menos frequentes – e muito menos propensas a falar. Para Nappo, isso se deve em grande medida ao fato de que os efeitos são mais complicadores: desenvolvem pêlos, voz grossa, os traços se modificam. Nas mulheres, a maioria desses efeitos não desaparece com a cessação do uso. Nos homens, pode se desenvolver ginecomastia e os “seios” têm de ser removidos por cirurgia. Para evitar tumores, muitos tomam junto com as bombas tamoxifeno, remédio usado para bloquear o estrógeno em mulheres. A pesquisa identificou três perfis de usuários: os jovens que querem ficar mais fortes; atletas que desejam incrementar suas performances e homens com 50 anos ou mais procurando reagir à perda de massa muscular. “O risco é maior para os jovens entre 18 e 25 anos, porque os atletas e os homens mais velhos tendem a ter limites”, alerta Nappo.

Síndrome de Adônis

Para esses jovens, vale a pena correr riscos se for para conseguir um corpo além daquele que o exercício pode proporcionar. Eles sofrem da síndrome de Adônis (deus da beleza): vêem defeitos onde não existem, tomam anabolizantes, suplementos alimentares, malham diversas vezes por dia. “Mas há um limite genético para o desenvolvimento de cada corpo. Usando o anabolizante, o jovem estimula o desenvolvimento de forma não-natural e acelerada”, explica Nappo. A pesquisadora do Cebrid lembra ainda que só há uma forma segura de usar esses hormônios: é a que consta na bula do medicamento e é prescrita pelo médico.

No entanto, os usuários que abusam costumam tomar doses de 10 a 100 vezes maiores que a indicação terapêutica. Resultado: param de crescer, porque o cérebro entende que atingiram a maturidade; ficam com as costas repletas de acne – muitos nunca tiram a camisa; a libido diminui e podem ficar impotentes ainda durante a juventude; desenvolvem ginecomastia e/ou tumores no fígado; manifestam uma doença chamada dismorfia corporal, vendo-se sempre franzinos mesmo quando já estão fortes.

Nas farmácias, há controle de venda dessas substâncias: uma cópia da receita fica retida com o farmacêutico. “Mas os meninos se abastacem num mercado negro que se estabelece nas academias”, diz Nappo com base nos depoimentos que coletou. Na opinião de Chiavegatto, não se pode confundir a prática de esportes como jiu-jitsu e vale tudo com os efeitos do uso de anabolizantes verificados na pesquisa de Âmbar. “Imagino que a grande maioria dos esportistas não utiliza esteróides anabolizantes, do mesmo modo como muitos indivíduos que abusam dos anabolizantes não praticam tais esportes”, diz.

Uso de células-tronco adultas no tratamento de doenças urológicas é pesquisado

Grupo da Universidade Federal de São Paulo pesquisa a possível aplicação de células-tronco derivadas de tecido adiposo no tratamento da incontinência urinária. O uso deste tipo celular na terapia pode ser mais uma alternativa para a reversão da doença.

No dia 14 de março foi comemorado o Dia Mundial da Incontinência Urinária, doença caracterizada pela incapacidade de controlar a micção ou de armazenar a urina, e que acomete cerca de sessenta milhões de pessoas no mundo, entre homens, mulheres e crianças. Segundo o site da Sociedade Brasileira de Urologia, a incontinência urinária pode ser tratada, de forma geral, com fisioterapia do assoalho pélvico, medicamentos e cirurgias. No entanto, pesquisas realizadas pela equipe do médico Fernando Gonçalves de Almeida, da Universidade Federal de São Paulo, apontam as células-tronco como uma nova arma no tratamento terapêutico da doença.

A perda involuntária de urina é decorrente do mau funcionamento dos nervos e músculos da bexiga e da uretra. Dessa forma, a reparação de danos destes tecidos é fundamental para restaurar a continência urinária. “Muitos casos de incontinência urinária masculina e feminina não podem ser curados com os tratamentos cirúrgicos convencionais. Esses casos poderiam se beneficiar da aplicação de células-tronco, que ajudaria na regeneração do órgão afetado”, avalia o médico urologista. Acredita-se que as células-tronco adultas são responsáveis pela regeneração em vários tecidos e já foram isoladas de diferentes órgãos, como fígado, pâncreas, rins, músculo e do sistema nervoso central.

Almeida publicou em 2005 um trabalho em colaboração com um grupo da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), demonstrando a incorporação de células-tronco derivadas de tecido adiposo humano na uretra e bexiga de ratos e camundongos imunossuprimidos, e a diferenciação das mesmas em células musculares lisas.

As células-tronco derivadas de tecido adiposo começaram a ser estudadas a partir de 2002 com objetivos clínicos. Estas células, chamadas de ADSC (Adipose Derived Stem Cells), foram isoladas de lipoaspirados humanos e possuem a capacidade de se diferenciar em células adiposas, osso, cartilagem, músculo esquelético e em linhagens neuronais.

Além de apresentarem vantagens sobre outros tipos de células-troncos, pela fácil obtenção e pelo grande número de células obtidas, as ADSC também possibilitam o transplante autólogo, ou seja, no próprio doador – o que diminui os riscos de rejeição. O grupo de Almeida testou tal procedimento em coelhos e este trabalho, que ainda não foi publicado, será o primeiro a demonstrar a viabilidade do transplante autólogo de ADSC no trato urinário. Neste modelo, tecido adiposo de pata de coelhos foi coletado e as células foram injetadas na parede uretral do coelho doador. Na oitava semana após a injeção, as células já apresentavam a tendência de se espalhar e se integrar na parede da uretra.

Células-tronco derivadas de diversos tecidos, como medula óssea e músculo, já foram testadas em animais no tratamento de doenças urológicas e o potencial de desenvolvimento desse tipo de intervenção ainda é vasto. No entanto, as células mesenquimais derivadas da medula óssea são de difícil coleta e por isso o seu uso terapêutico é limitado.

Em humanos, estudos clínicos realizados no exterior já testaram células-tronco musculares e de cordão umbilical na terapia da incontinência urinária. Apesar dos resultados preliminares serem positivos, as células derivadas do cordão umbilical não possibilitam o transplante autólogo. Estudos realizados com mioblastos (células embrionárias musculares) e fibroblastos (células responsáveis pela regeneração) humanos já demonstraram melhoras em homens com incontinência urinária ocasionada pela remoção cirúrgica de toda a glândula prostática, e de mulheres com incontinência por esforço. No Brasil, os estudos nesta área não chegaram na fase clínica, mas ainda há muito que se estudar.

A incontinência urinária, apesar de apresentar grande impacto na qualidade de vida, é uma doença de curso benigno e possui outras formas de tratamento efetivas. “Infelizmente as pesquisas ainda estão em estágio experimental e levará muitos anos até que tenhamos resultados satisfatórios quanto à eficácia e segurança do uso de células-tronco em humanos. Mas os resultados iniciais são bastante animadores. Por esse motivo é que estamos muito confiantes nas pesquisas”, diz Almeida.

Aniversário de Darwin é comemorado com lançamento de livros

No dia 12 de fevereiro Charles Darwin faria 200 anos. Seu trabalho mais conhecido é o seminal A origem das espécies, que faz 150 anos de publicação esse ano também. Para comemorar esse ano duplamente importante, chegam ao mercado editorial brasileiro diversos livros sobre o trabalho e a biografia de Darwin.

No dia 12 de fevereiro Charles Darwin faria 200 anos. Seu trabalho mais conhecido é o seminal A origem das espécies, que faz 150 anos de publicação esse ano também. Para comemorar esse ano duplamente importante, chegam ao mercado editorial brasileiro diversos livros sobre o trabalho e a biografia de Darwin.

O mais recente deles é o Charles Darwin: em um futuro não tão distante que teve seu lançamento, pela Sangari Brasil. Outros títulos também chegaram às livrarias ao longo de 2007, como o Charles Darwin: a revolução da evolução (Companhia das Letras), de Rebecca Stefoff com tradução de Laura Teixeira Motta, além da biografia Darwin, a vida de um evolucionista atormentado (Geração Editorial), de James Moore e Adrian Desmond com tradução de Cynthia Azevedo. Encontra-se também nas estantes A origem das espécies de Darwin – uma biografia (Editora Gradiva), de Janet Browne. Para quem quiser ir fundo nas obras originais pode optar pelas reedições atualizadas de A expressão das emoções no homem e nos animais (Companhia das Letras) e A origem das espécies e a seleção natural (Editora Madras; Larousse/Escala; Martin Claret; Ediouro, etc). Há também a possibilidade de ser lançado, ainda este ano, outro livro de Charles Darwin e que também foi vanguarda para seu tempo, A origem do homem e a seleção sexual, de 1871. O livro, que ficou à sombra de Origem das espécies, esbarrou no conservadorismo e no machismo da era vitoriana que não aceitava a possibilidade da fêmea ser responsável pela escolha do parceiro.

Há ainda lançamentos que tratam da teoria de Charles Darwin com o viés religioso. Entre eles O anjo de Darwin (Imago), Darwin e Kardec: um diálogo possível (Editora Allan Kardec) e Deus ou Darwin (Reino Editorial). “A teoria da evolução traz consigo uma conotação muito aversiva para certas pessoas: a de que somos (apenas) animais, de que nos comportamos instintivamente, de que os valores culturais são pulsões biológicas disfarçadas, etc. E contradiz certos postulados religiosos interpretados ao pé da letra”, afirma César Ades, professor titular do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, a teoria da evolução não elimina fatores culturais nem representa um perigo para os valores éticos.

Para os que querem beber na fonte, a obra de Darwin pode ser acessada online gratuitamente. Dentre os documentos disponíveis estão manuscritos, livros, cartas, artigo, incluindo imagens. A origem das espécies pode ser encontrada em seis edições.

Ades, que é também autor de um dos capítulos do livro do Instituto Sangari, destaca a importância das obras de Darwin e de outras que seu trabalho inspirou ou contribuiu diretamente. “Vejo o mérito das ideias de Darwin justamente na capacidade de serem reaproveitadas e modificadas em função de áreas científicas novas, a respeito das quais às vezes o próprio Darwin não tinha pensado.” Para o autor, que é psicólogo e especialista em comportamento animal, as ideias do naturalista inglês constituem uma matriz válida para a interpretação de resultados e teorias muito modernas.