Os novos desafios das ciências sociais

“O pensamento social na América Latina não está à altura do nosso atual momento histórico”, afirma o filósofo e doutor em ciência política Emir Sader, que esteve em Campinas (SP) no dia 7 de maio para palestra de abertura do ciclo de conferências sobre os novos desafios das ciências sociais, promovido pela PUC de Campinas.

“O pensamento social na América Latina não está à altura do nosso atual momento histórico”, afirma o filósofo e doutor em ciência política Emir Sader. Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), secretário executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso) e colaborador do Fórum Social Mundial, Sader esteve em Campinas (SP) no dia 7 de maio para palestra de abertura do ciclo de conferências sobre os novos desafios das ciências sociais, promovido pela Pontíficia Universidade Católica de Campinas (Puccamp), onde aproveitou para lançar seu mais recente trabalho: As novas toupeiras: os caminhos da esquerda latinoamericana, lançado pela Boitempo Editorial.

Para o pesquisador, as ciências sociais na América Latina sempre tiveram um papel de vanguarda. Porém, essa posição se modificou bastante na última década, marcada pela diminuição da pluraridade de pensamento dentro das universidades, pela absorvição de esquemas de análise que não admitem tensionamentos e pela crença em um falso refúgio prometido pelas grandes mídias e no qual alguns intelectuais optaram por acreditar. Por conta disso, afirma Sader, o pensamento social na América Latina, e no Brasil em especial, passa por uma momento desalentador, ao não se posicionar criticamente frente à panaceia neoliberal que se instaurou na região até pouco tempo, e por não saber se reinventar para o novo momento que se constroi no horizonte.

“Não existem mais fórmulas antigas. Estamos em um momento de novas circunstâncias que precisam ser redescobertas. O pensamento social tem que se atualizar e se aproximar novamente dos processos políticos, não apenas dos mais avançados, mas também dos contraditórios, e que vão de alguma maneira fazer pender, em algum momento, o futuro da América Latina”, diz. Sader também aponta que o neoliberalismo, aliado ao discurso intitulado pós-modernista, ajudou a fragmentar a visão de mundo, desconstruindo a visão de totalidade que era a tônica das ciências sociais. “Mas o mundo não é fragmentado como pintam. É preciso reconhecer a fragmentação como estratégia para compreender um mundo plural, mas tendo em vista a totalidade dessas interações”, afirma.

Quanto ao neoliberalismo, Sader aponta uma série de rupturas nesse modelo por conta da atual crise econômica: “Muita gente deixou de ser neoliberal desde que essa crise econômica começou. Ninguém, no momento, é contra uma maior presença do Estado na economia. Isso porque ficou claro que a atual crise foi causada pelas práticas neoliberais durante toda a década de 90”, avalia. O pesquisador aponta, como exemplos diferentes, o México, país que abraçou o neoliberalismo, fechou diversos tratados de livre comércio negociados independentemente e que agora amarga uma recessão, mesmo após ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI), em contraponto com o Mercosul, onde um projeto de governos que tendem à esquerda, com tônicas nas práticas sociais e que optaram por uma unidade regional foi decisivo para diminuir as perdas de todos os membros, que podem contar com um consumo interno como contraponto a uma crise externa, além de se predisporem a garantir uma proteção ao cidadão através de projetos de distribuição de renda.

Essa crise será responsável pelo fim do capitalismo? “Nenhum sistema econômico acaba com uma crise. Ele precisa ser superado politicamente”, afirma Sader. Mas para o pesquisador é papel das ciências sociais ajudar os cidadãos a desarticular as estratégias e idéias que são importadas e repercurtidas por uma mídia pouco ou nada crítica. “As pessoas acham que dinheiro e consumo é sinônimo de felicidade. Isso é o tipo de visão que permeia cada vez mais a mídia e a sociedade”, aponta. “Mas tudo o que é articulado pode ser desarticulado e rearticulado. Esse é o papel do cientista social: estar atento ao momento e se posicionar à altura”, completa.

Essas estratégias de articulação e rearticulação das realidades sociais renderam a Sader a ideia para o título de seu livro. Apesar da conotação muitas vezes negativa em português, a toupeira é um animal com habilidades sensoriais bastante desenvolvidas e que se refugia em labirintos nos subterrâneos para eventualmente aparecer de surpresa na superfície. Espera-se que uma nova geração de cientistas sociais, que parece letárgica nos últimos anos, surpreenda em algum momento dessa época “pós-neoliberal”, nome que, o próprio autor pontua, talvez não seja o melhor para definir esse novo período, mas o único que se tem no momento.

Novas tecnologias proporcionam ambiente colaborativo na escola

Projeto da Unicamp, que diminui distância entre gerações criada pelas novas tecnologias, beneficia atualmente 1.300 alunos da rede pública de Hortolândia (SP), além dos professores e pais de alunos que também participam da interação com as salas multimídias instaladas em duas escolas municipais da cidade.

Após aproximadamente dois anos de trabalho, o Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied), da Unicamp, fez um balanço das atividades desenvolvidas pelo projeto TIME (Tecnologia e Mídias Interativas na Escola), no qual dá pistas de como diminuir a distância criada pelas novas tecnologias, que parece afastar professores e alunos dentro da sala de aula. O projeto beneficia atualmente 1.300 alunos da rede pública de Hortolândia (SP), além dos professores e pais de alunos que também participam da interação com as salas multimídias instaladas em duas escolas municipais de ensino fundamental: Fernanda Graziella Resende Covre e Parque dos Pinheiros, ambas na periferia da cidade.

O projeto, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e em parceria com a prefeitura local, apostou na montagem de laboratórios de multimídia e na capacitação teórica e técnica de professores. O resultado é a aproximação de professores, alunos e comunidade – através da figura dos pais e familiares dos alunos – no desenvolvimento de trabalhos colaborativos e de inclusão digital.

“Eu tinha pavor de qualquer coisa tecnológica”, desabafa Silvana Paula de Souza, uma das professoras mais antigas do projeto. “Acabei aprendendo junto com os alunos”, completa. Para participar do projeto TIME, cada professor escreve um sub-projeto para desenvolver em sala de aula. Silvana, professora da escola Fernanda Covre, confessa que o primeiro sub-projeto que escreveu teve grande influência de sua formação em psico-pedagogia. Ao chegar em sala de aula, percebeu que a realidade dos alunos pedia outras ações que envolvessem a participação dela como facilitadora na construção de outros sentidos para as tecnologias, de uma aproximação mais humanizada com a informática e os equipamentos disponíveis. Não teve medo, rasgou o sub-projeto original e escreveu outro.

“Cheguei em uma classe com a auto-estima muito baixa e resolvi ampliar o projeto para poder me apropriar de outras ações, como teatro e fotografia, para poder desenvolver ações que permitissem aos alunos se auto-conhecerem e valorizarem suas produções”, diz a professora. Um dos primeiros exercícios que propôs foi pedir aos alunos se descreverem, e a primeira ferramenta usada no laboratório foi um editor de textos. Rapidamente, ela observou que os alunos que já sabiam usar o computador – mais da metade da classe – ou aqueles que descobriam novas funções no software se organizavam e repassavam a informação para os colegas. A professora admitiu sua dificuldade com o uso de determinados equipamentos e acabou estimulando os alunos a fazerem dela uma companheira de aprendizado.

Graças aos exercícios no editor de texto os alunos também começaram a desenvolver a prática da leitura e algumas dificuldades de alfabetização também foram deixadas para trás. Em um dos exercícios mais recentes, os alunos formaram duplas e ensinaram colegas de outras classes a fazer desenhos simples usando o software Paint. Um detalhe importante é o fato de Silvana dar aula para alunos da 2ª série do ensino básico, ou seja, crianças entre 6 e 7 anos que se auto-organizaram em um ambiente colaborativo de aprendizado, que inclui a professora como companheira e não como autoridade inflexível, e que veem sua produção se desdobrar através das mídias disponíveis no laboratório. “Começamos com produção de texto, pesquisamos informações na internet, produzimos fotografia com a máquina digital, fizemos uma história em quadrinhos usando o Paint, e agora estamos gravando um programa de rádioweb”, conta.

A mesma tática vem sendo usada por Rute Camargo, da escola Parque dos Pinheiros, uma das professoras mais novas no projeto, ao qual está integrada desde o semestre passado. Ela admite que, antes do ingresso no projeto TIME, estava na confortável posição de acomodação diante das novas tecnologias. “Eu sabia mexer com a máquina digital e fazer vídeos, mas muito pouco”, confessa. Motivada pelo fato de o projeto contar com bolsas-auxílio para o desenvolvimento dos sub-projetos, Camargo também viu uma classe com problemas de disciplina e alfabetização se organizar para nivelar os conhecimentos adquiridos ou trazidos anteriormente, além de os alunos tirarem dúvidas trazidas pela própria professora quanto à utilização de algumas funções dos equipamentos ou softwares.

“Eu tinha até mesmo medo de tocar nos equipamentos. A sala de multimídia, pra mim, era uma atividade extra-classe, que não se integrava com outras atividades”, conta. Essa distância dos alunos – também chamada de gap de geração -, que ainda é sentida por vários professores que não fazem parte do projeto, fazia com que, ao adentrar na sala multimídia, os alunos tomassem a dianteira nas atividades, tornando a sala difícil de gerenciar. “Eu tinha medo da bagunça que eles podiam fazer na sala multimídia, porque os alunos acabavam dominando a dinâmica”, afirma. Agora, professora e alunos trocam idéias. As obras a serem trabalhadas são escolhidas em conjunto e as atividades dentro da sala multimídia têm como objetivo o desenvolvimento das produções.

“Temos até um ‘combinado’ entre a gente: se eles acabarem as atividades propostas antes do tempo, podem usar os minutos finais da aula para jogos. Mas eles pedem autorização e a palavra final é minha”, completa. Além da sua mudança de comportamento em relação à informática e às tecnologias, Camargo também faz questão de apontar que o projeto estimula os professores a produzirem reflexões teóricas sobre o processo. “Acabei escrevendo um artigo para uma revista que circula na cidade e também submeti um resumo de artigo para a próxima reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)”, revela.

Esse estímulo à produção científica dos professores é um dos diferencias do projeto TIME, aproximando o professor do ensino fundamental e a universidade, trazendo dados que ajudem a analisar a atual situação da integração entre práticas pedagógicas e a informática. “O projeto prevê o desenvolvimento de atividades tanto dentro quanto fora da sala de aula, a partir de pesquisas dos alunos e seus professores, que conduzam a uma reflexão sobre os problemas da realidade, articulados aos impactos da tecnologia de informação e comunicação, e principalmente, no que se refere às suas implicações na prática pedagógica”, aponta João Vilhete D’Abreu, pesquisador do Nied e coordenador do projeto.

Outro ponto observado durante esses quase dois anos de projeto TIME foi o interesse de alguns pais nas atividades propostas nas escolas, a ponto de alguns deles pedirem para participar das aulas. “Temos que estar atentos ao efeito multiplicador desse tipo de experiência e, nesse caso, os fato de os alunos trazerem os pais para a experiência com novas mídias é o efeito direto desse processo. Além disso, contribuímos para a diminuição do isolamento que afeta as atuais gerações e as gerações de seus pais. Tudo isso faz parte do processo de fortalecimento do ensino público, que é a tônica desse projeto”, finaliza Vilhete.

Para saber mais:

blog do projeto
blog de uma das professoras

Pesquisador cria “Enade” sobre percepção ambiental

Criar um banco de dados que ajude a desenvolver programas específicos em educação ambiental. Esse é o objetivo do “Enade” Ambiental – uma alusão ao Exame Nacional de Desempenho Estudantil – idealizado pelo professor e pesquisador Roosevelt Fernandes, do Núcleo de Percepção Ambiental de uma faculdade particular de Vitória (ES).

Criar um banco de dados que ajude a desenvolver programas específicos em educação ambiental. Esse é o objetivo do “Enade” Ambiental – uma alusão ao Exame Nacional de Desempenho Estudantil – idealizado pelo professor e pesquisador Roosevelt Fernandes, do Núcleo de Percepção Ambiental (Nepa) da Faculdade Brasileira Univix, instituição particular de ensino de Vitória (ES). O trabalho de percepção, que começou nos cursos de administração e engenharia da própria faculdade e já conta com a adesão de outras instituições da capital capixaba, foi aplicado também com alunos do ensino médio de escolas públicas e privadas do Espírito Santo e no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) do Rio de Janeiro.

“A pesquisa é uma forma de identificar as dicotomias existentes nos discursos de professores e alunos do ensino médio, regular e técnico, além do ensino superior, e assim, poder avaliar e adequar o currículo das atividades relacionadas à educação ambiental nessas instituições”, afirma Fernandes. Para o pesquisador, a importância de se criar um método de avaliação padronizado, inserido em uma plataforma de banco de dados acessível a todos os interessados, é validar (ou não) as ações na área ambiental e criar soluções e adaptações para melhorar esse desempenho. Apesar de ser um projeto que começou em um âmbito bastante restrito, sua ampliação, a princípio, para a rede de escolas públicas, depois, para os alunos do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), e na seqüência, para uma instituição federal de outro estado, aumentaram o escopo da pesquisa. A longo prazo, a idéia é ampliar a área de cobertura do estudo até chegar ao âmbito nacional.

Apesar de a avaliação do conhecimento ambiental já estar incorporada ao Enade do governo federal, Fernandes salienta que a avaliação desenvolvida pelo Nepa é mais ampla. “São 25 pontos que vislumbram questões desde os assuntos abordados em classe, através da educação formal, educação informal, leitura e acompanhamento de questões ambientais na mídia, até o envolvimento pessoal dos alunos com ações efetivas ou ONGs”, explica. A aproximação das instituições de ensino com questões no seu entorno, com iniciativas para identificar e agir para resolver problemas relacionados com o meio ambiente no bairro, cidade ou região onde estão localizadas, é outro foco abordado na pesquisa.

Fernandes, que foi durante anos responsável por financiar e contratar programas de educação ambiental desenvolvidos por ONGs parceiras para empresas como Aracruz e Vale, diz que durante sua carreira na iniciativa privada, notou um excesso de projetos na área que careciam de metodologias de avaliação. Quando montou o Nepa junto ao curso de engenharia de produção da Univix, em 2002, seu objetivo era sensibilizar os alunos para desenvolver projetos que, desde o início, levassem em conta a questão ambiental. “No caso de engenharia de produção, a idéia era formar gestores sensíveis a uma cadeia mais ecológica no desenvolvimento de projetos”, conta. Entretanto, afirma, alunos de todos os cursos têm que desenvolver essa sensibilidade, por uma questão de cidadania e para poder levar adiante, em suas vivências profissionais, uma visão ampla de meio ambiente. “Temos que pensar que uma ‘economia verde’ é possível”, completa. Para acompanhar esse desenvolvimento, Fernandes sugere a aplicação do questionário junto aos alunos ingressantes e do último ano dos cursos inscritos para participar do projeto – metodologia similar à do Enade, para avaliação do ensino.

Além das escolas e universidades já envolvidas, o “Enade” Ambiental também aplicou o questionário, em parceria com o Ministério da Educação (MEC), junto aos delegados presentes na II Conferência Nacional Infanto-Juvenil, ocorrida em maio de 2008 em Brasília, e também promove um estudo comparativo com estudantes e professores portugueses, através de convênio com a Associação Portuguesa de Educação Ambiental (Aspea). A aplicação da pesquisa não é compulsória e as escolas interessadas devem se cadastrar. “Estamos tentando desenvolver um instrumento que possa avaliar e comparar as ações na área ambiental e indicar, de alguma maneira, o rumo que essas ações vão tomar nos próximos anos para melhorar a qualidade de vida da sociedade”, finaliza Fernandes.