A relação dos megaeventos com o custo Brasil

Tanto a copa do mundo de futebol de 2014 quanto as olimpíadas de 2016 podem ser potenciais amenizadores do custo Brasil. Ele representa o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, econômicas que freiam o desenvolvimento do país e que poderá ser reduzido devido à realização dos megaeventos, ressalta o pesquisador da Unicamp Geraldo di Giovanni.

Tanto a copa do mundo de futebol de 2014 quanto as olimpíadas de 2016 podem ser potenciais amenizadores do custo Brasil. Ele representa o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, econômicas que freiam o desenvolvimento do país e que poderá ser reduzido devido à realização dos megaeventos, ressalta o pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp, Geraldo di Giovanni.

Grande parte desse otimismo se deve ao legado dos megaeventos, que podem ser bastante positivos no que se refere à infraestrutura (contrução de instalações esportivas, aeroportos, transporte de cargas e passageiros, hotelaria, centros de lazer etc). Tais investimentos poderão proporcionar diretamente a melhoria da qualidade de vida, o aumento de empregos, a projeção turística do país e estimular iniciativas de recuperação e a preservação ambiental.

“A tecnologia para o desarrolar da infraestrutura e parte do dinheiro para tal, nós já possuímos. Sumariamente, os megaeventos irão atuar como catalisadores no desenvolvimento do país”, afirma o professor de economia da Unicamp, Marcelo Proni. Por outro lado, o economista alerta para as possibilidades de se produzir efeitos negativos tais como: geração de dividendos, em função do mau planejamento de obras; inflação, devido ao aumento excessivo do custo de vida; e divulgação negativa da imagem do país se ocorrerem atos violentos.

De acordo com o pedagogo da Unicamp José Roberto Rus Perez, o custo Brasil também possui uma coesa relação com os problemas educacionais da nação. A falta de profissionais capacitados pode influenciar no mau desempenho do mercado, onerando os custos de produtos. Porém, o estudioso ressalta que algumas medidas estão sendo tomadas, mesmo que paliativas, como a criação de escolas técnicas e a ampliação de vagas em universidade.

Perez comenta que esta problemática poderá ser atenuada com um dos maiores legados que os eventos mundiais têm a capacidade de proporcionar: a valorização da educação como formação pessoal, ou seja, de cidadãos. Atualmente, a população brasileira não possui extamente esse perfil, pois é caracterizada por 40% de analfabetos funcionais. “Pessoas com baixa escolaridade procuram menos seus diretos, têm menor bagagem para fazer a análise crítica do cenário nacional. Mas pelo visto, nos querem assim”, comenta o pedagogo.

Com o intuito de aprofundar essa questão da educação, o grupo de estudo de Perez iniciou uma pesquisa na qual acompanhará o quadro educacional do Rio de Janeiro até a realização das olimpíadas. “Iremos analisar cuidadosamente a situação da cidade maravilhosa no que refere à inserção dos jovens na educação e à melhoria da qualidade do ensino, e inicialmente, acompanharemos até depois dos jogos”, anuncia. A preocupação é justificada, pois segundo dados do IBGE, menos de 60% dos adolescentes entre 15 e 17 anos estão devidamente matriculados no ensino médio. “Sem educação de base, não se forma uma sociedade crítica que desenvolve tecnologias e que briga por seus direitos”, conclui Perez.

O professor Paulo César Montagner, diretor da Faculdade de Educação Física da Unicamp, também acredita que haja uma relação do modelo de desenvolvimento esportivo brasileiro com a formação do ser humano e, consequentemente, com o custo país. “A prática esportiva está relacionada com a transmissão de valores e a formação do caráter. Então, deveria ser garantida para todos. Contudo, o modelo brasileiro de desenvolvimento esportivo é fundamentado no modelo europeu, no qual a prática de esportes, em geral, acontece em associações privadas. O modelo piramidal anglo-saxão é o que julgo mais interessante, já que a prática esportiva começa na escola. No caso brasileiro, a escola não é mais elitista como nos anos 1960, já que todos os brasileiros até os 14 anos têm acesso à educação, mas ainda existe dafasagem na qualidade do ensino”, avalia Montagner.

Oferecer melhores condições é a segunda parte do desafio brasileiro. Se a inserção da educação física na escola for além do “rola bola”, poderá ajudar os educadores na difícil tarefa de auxiliar os jovens e adolescentes a consolidarem seu senso crítico e avançarem na questão comportamental. “Se a transmissão de valores for papel elementar de nossas escolas, então teremos naturalmente inúmeros herois olímpicos. Eles aparecerão naturalmente”, completa Montagner.

O Brasil possui a oportunidade única de avançar na direção de solucionar seus problemas com infraestrutura básica e educação através dos investimentos nos megaeventos. No entanto, é necessário cobrarmos o planejamento mais crítico das melhorias que serão implantadas no país. Concomitantemente, os quesitos transparência dos gastos públicos e o esforço para aumentar a inserção dos jovens na escola somados à melhoria da qualidade do ensino, certamente são medidas que trarão legados maravilhosos para o Rio e o país.

Com mais biodiesel, sobra glicerina e crescem riscos de diarreia

Óleos vegetais de mamona e pinhão manso são bons para o biodiesel, mas a glicerina resultante do aumento da produção pode causar diarreia em humanos e animais. Preocupado com o problema, o Instituto de Tecnologia de Alimentos, de Campinas (SP), realizou um seminário em novembro, com o tema “Biodiesel e coprodutos”.

Óleos vegetais de mamona e pinhão manso são bons para o biodiesel, mas a glicerina resultante do aumento da produção pode causar diarreia em humanos e animais. A diarreia é a segunda doença que mais mata crianças no mundo. Preocupado com o problema, o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas (SP), realizou um seminário em novembro, com o tema “Biodiesel e coprodutos”. Das nove palestras programadas, três trataram diretamente da glicerina. Cinco pôsteres também revelaram preocupações e alternativas para o uso do subproduto. O evento reuniu representantes do governo federal, pesquisadores e profissionais da cadeia biodiesel.

A glicerina, mais lembrada por compor sabonetes e a dinamite de Alfred Nobel, é o principal subproduto da fabricação do biodiesel. Incolor, inodora, viscosa e adocicada, é também usada em alimentos, por isso apresenta riscos à saúde humana e animal caso não venha de uma oleaginosa adequada e não seja aplicada com cautela. Ela está presente como ingrediente declarado ou não até em uma inofensiva barra de cereais. Uma das consequências é a diarreia, que surge pelo efeito laxante semelhante ao do óleo de rícino. Carnes de animais que consumiram rações com glicerina impura, procedentes do óleo de mamona (rícino) ou de pinhão manso, também são problema.

Tradicionalmente extraído de óleos vegetais e gordura animal, o glicerol – nome técnico – está abundante no mercado com o aumento da produção, no Brasil, do biodiesel. A produção cresceu tanto que o governo antecipou a mistura do biocombustível ao diesel mineral de petróleo de 2% para 5% já em 2010. A previsão anterior era para 2013. De cada tonelada de óleo vegetal transformada em biodiesel, cerca de 10% resultam em glicerina com diferentes graus de pureza.

Para Roseli Ferrari, bióloga pesquisadora do Ital e organizadora do evento, “a glicerina é um substrato versátil, que pode ser convertido em numerosos bens de consumo, e novas aplicações com qualidade são necessárias, pois são fator importante de segurança alimentar e vigilância de riscos”. A pesquisadora ainda alerta: “Quando você lê a tabela de nutrientes de um alimento, leia também os ingredientes que o integram”. Ela cita como exemplo um rótulo de barra de cereais onde se encontra a palavra glicerina, “aditivo que adora água”, como umectante.

“Com quase uma centena de empresas hoje fabricando biodiesel e glicerina, com diferentes graus de pureza, a vigilância é importante, porque se a glicerina apresentar níveis altos de ácido ricinoleico, uma diarreia pode surgir. Alerto porque já são usadas diferentes matérias primas para o biodiesel. Se fosse glicerina só de soja, que é um alimento, não haveria grandes problemas, mas hoje temos a mamona e o pinhão manso, por exemplo, e o que sobrar de mono e triglicerídios do processo de transesterificação vai virar ácido ricinoleico, o conhecido óleo de rícino, com efeito laxativo. Se o animal se alimentar de um produto com essa glicerina, também vai sofrer o mesmo efeito”, diz Ferrari, lembrando que apenas revistas especializadas em biodiesel já trataram do assunto. Segundo relatório deste ano da Organização Mundial da Saúde (OMS), a diarreia é a segunda doença que mais mata crianças no mundo, só perdendo para a pneumonia (16% versus 17%).

No mercado, há glicerol com grau de pureza de 40% a 90%, segundo Ferrari. A diferença está principalmente para água ou etanol e metanol. Estes dois são os álcoois usados no processo de transesterificação a partir do óleo vegetal ou da gordura animal, como o sebo. “Felizmente, em minhas pesquisas, não achei metais pesados, como o chumbo e o mercúrio”, completa a pesquisadora.

Um quarto de toda glicerina purificada é hoje utilizada em alimentos e bebidas, principalmente como umectante e amaciante; 50% em cosméticos e medicamentos, e os restantes 25% em resinas e outras aplicações químicas, entre elas a dinamite.

As empresas de biodiesel dependem de uma autorização oficial e especial para fabricação, exigida desde 2007. Para comercialização, as autorizações começaram a ser dadas no fim de 2008. Das 60 empresas autorizadas a produzir, 54% são pequenas e, destas, metade ainda não tem autorização para comercializar, mostrou um quadro preparado para o seminário do Ital.

Em sua palestra, a química e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Márcia Martinelli, disse que a glicerina “não é encontrada livre na natureza e pode ser isolada também de modo sintético, na rota petroquímica”. No entanto, enfatizou que após o biodiesel, a glicerina tornou-se um problema, que também é econômico: “Fábricas dessa rota estão fechando no hemisfério Norte com a superoferta após o crescimento do biodiesel. No Brasil, em 2008, produziu-se 100 mil toneladas de glicerina; para 2010, espera-se 250 mil toneladas”. Ela explicou que os preços internacionais caíram 50% desde 1995, de US$ 1,55 o quilograma para os atuais US$ 0,75, em média.

Perguntada se a glicerina estaria se tornando um patinho-feio do biodiesel, chegando a causar problemas ao meio ambiente em casos de descarte inadequado, Martinelli responde que “todo descarte é um problema”, mas que o glicerol não seria descartado, pois tem um potencial muito alto para a indústria química, para inovações em produtos. “A solução para o excedente seria exportar mais, e não apenas como matériaprima, mas em bens manufaturados e ‘verdes’, como os polímeros”. Ela explicou também que ainda não é possível quimicamente reduzir a menos de 10% a glicerina procedente da fabricação do biodiesel.

Ante a mesma questão do descarte, o pesquisador da Embrapa e da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Décio Gazzoni, defendeu o valor da glicerina, apesar da queda de preços: “Ninguém vai jogar ovo fora”. Mas emendou: “Em dois anos o mercado se acomoda”.

Pedro Boscolo, da indústria química Quattor, reconheceu que o excesso de glicerina pode tornar-se um passivo ambiental excedente. Mas tem boas notícias vindas da empresa que representa e onde busca novas aplicações. “Por muito tempo, se sintetizou glicerina de propeno (um derivado de petróleo muito usado nos plásticos), mas encontramos a rota inversa, o propeno de glicerina, que já tem nome comercial: PP-Verde”. PP é a sigla do polipropileno dos copos descartáveis. O próximo passo é fazer com que o PP-Verde tenha um preço mais competitivo.

Os riscos na economia com as mudanças no clima

O Brasil corre o risco de ter uma perda na economia de um a três bilhões de reais em 2050, caso nada seja feito para reverter os impactos das mudanças climáticas, diz o estudo Economia das mudanças do clima no Brasil, uma iniciativa pioneira de uma grande equipe formada por cientistas de 11 instituições de pesquisa.

O Brasil corre o risco de ter uma perda na economia de um a três bilhões de reais em 2050, caso nada seja feito para reverter os impactos das mudanças climáticas. As regiões mais vulneráveis à mudança do clima no Brasil seriam a Amazônia e o Nordeste, com perdas expressivas para a agricultura em quase todos os estados. Além disso, a previsão é de uma menor a confiabilidade no sistema de geração de energia hidrelétrica, com redução em torno de 30% da energia e uma perda do patrimônio das zonas costeiras brasileiras, avaliado em mais de R$ 130 bilhões. Esses são alguns dos resultados do estudo Economia das mudanças do clima no Brasil, uma iniciativa pioneira de uma grande equipe formada por cientistas de 11 instituições de pesquisa.

“As mudanças climáticas, de fato, terão um impacto no PIB (Produto Interno Bruto), e esse impacto será maior em algumas regiões do que em outras, aumentando a desigualdade no país, já que as regiões mais impactadas serão a Norte e a Nordeste, que já são menos ricas”, diz Carolina Dubeux, coordenadora técnica do estudo e pesquisadora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O estudo analisa e quantifica o impacto da mudança do clima na agenda de desenvolvimento do país e aponta que a redução do PIB poderá ser de 0,5% a 2,3% em cenários de altas emissões de CO2 (cenário sujo) e baixas emissões (cenário limpo), tendo como parâmetro o ano de 2050. Segundo o estudo, embora o cenário mais limpo gere perdas de até 2,3% no PIB, ainda assim gera mais riqueza do que o cenário mais sujo. As estimativas foram feitas baseadas em valores climáticos médios e não consideraram eventos extremos.

Para minimizar os problemas destacados, o estudo aponta algumas prioridades de ação, entre elas: o fortalecimento de políticas de proteção social, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, as mais afetadas; o esforço para manter a matriz energética do país limpa; a redução do desmatamento da Amazônia; e o incentivo ao aumento do conhecimento sobre modelos climáticos e seus impactos nos diversos setores da economia.

O estudo foi inspirado no relatório Stern, o primeiro grande cálculo do impacto da mudança climática na economia global, feito em 2006. “A diferença é que o relatório Stern fez um cálculo custo-benefício entre os custos dos impactos e os custos em mitigação (prevenção). No caso do nosso estudo, como o clima depende da economia global e não da local, fizemos uma análise do impacto local de duas possíveis trajetórias de crescimento global; uma mais limpa e uma mais suja. Concluímos que se crescermos mais limpos, cresceremos mais”, comenta Dubeux.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que colaborou com o estudo, contribuiu com os modelos climáticos regionais desenvolvidos pelo Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC). Com base nos dados fornecidos pelo Inpe de temperatura, pluviosidade e outros parâmetros ambientais futuros para o Brasil até 2100, foram gerados os modelos setoriais de disponibilidade hídrica que implica em oferta de hidroeletricidade, energia eólica, aptidão agrícola, entre outros. Os modelos climáticos regionais possuem incertezas e, por isso, optou-se pela escolha de dois cenários de emissões de CO2.

“Os modelos climáticos globais e regionais têm incertezas, e os modelos usados pelos outros grupos (de economia, saúde, agricultura, energia, etc) também têm incertezas, e as incertezas podem ir crescendo, como uma cascata. Isso limita os resultados, mas não invalida os mesmos”, diz José Marengo, pesquisador do Inpe.

O estudo aborda perspectivas regionais e setoriais de vários setores cruciais para o Brasil, como agricultura, energia, uso da terra e desmatamento, biodiversidade, recursos hídricos, zona costeira, migração e saúde. Aponta, ainda, que haverá um aumento das desigualdades regionais brasileiras com o aumento da temperatura global. O setor da agricultura, por exemplo, não sofreria impactos negativos no Sul e no Sudeste, que passariam a ter temperaturas mais amenas, mas em todas as outras regiões existiriam perdas expressivas das safras.

No Nordeste em especial, as chuvas tenderiam a diminuir cerca de 2 a 2,5 mm/dia até 2100, causando grandes perdas agrícolas em todos os estados da região. O declínio de precipitação causaria também uma redução dos recursos hídricos no Nordeste. Os resultados projetados seriam alarmantes para algumas bacias, com uma diminuição das vazões de mais 50% até 2050. Com isso, a geração de energia seria bastante prejudicada. O déficit hídrico reduziria ainda a capacidade de pastoreio de bovinos de corte, favorecendo, assim, um retrocesso à pecuária de baixo rendimento.

Na Amazônia, o aquecimento pode chegar a 7 ou 8°C em 2100, o que pode levar a uma alteração radical da floresta amazônica – a chamada “savanização”. Estima-se que as mudanças climáticas resultariam em redução de 40% da cobertura florestal em boa parte da Amazônia, que será substituída pelo bioma savana.

As outras instituições que participaram do consórcio para elaboração do estudo, além da UFRJ e do Inpe, são a Universidade do Estado de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).