Público de museu deve ser tocado pela mesma emoção que move cientista

Em visita ao Brasil, o diretor do Museu de Ciências de Barcelona, Jorge Wagensberg falou sobre os aspectos que contribuem para que o público de sua instituição saltasse para 2 milhões anulamente.

Com colaboração de Márcio Derbli

Quem trabalha com museus de ciência sabe que o setor ainda está longe de viver uma situação ideal. Faltam visitantes, os recursos para montar e manter boas exposições são escassos, o conteúdo das mostras muitas vezes não passa de uma reprodução de livros didáticos. Entretanto, algumas exceções mostram que alterar essa realidade é possível. Uma delas é o Museu da Ciência de Barcelona dirigido por Jorge Wagensberg. De férias no Brasil e em visita ao Museu Exploratório de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Wagensberg falou nesta semana sobre algumas das ações responsáveis pelo salto de 700 mil visitantes, em 2004, para os 2 milhões esperados neste ano.

O diretor afirma que a própria maneira como o projeto arquitetônico de um museu é desenvolvido pode influenciar no seu sucesso posterior. Museólogo e arquiteto precisam dialogar na tentativa de casar forma e conteúdo. “O que acontecesse muito é chamarem um arquiteto famoso que constrói um edifício autoral e estiloso, mas no qual não se consegue colocar lá dentro nada que fique bom”, afirma o também consultor de museus de ciência no Brasil.

Museu da Ciência de Barcelona: arquitetura modernista e 2 milhões de visitantes por ano. Crédito – Olga Planas

Pensando nisso, o Museu de Barcelona foi projetado com uma série de características que o diferem de seus concorrentes. Em primeiro lugar, uma ampla praça foi construída sob o museu subterrâneo de modo a permitir que visitantes e estudantes de universidades que a rodeiam utilizem o espaço. Somado a isso, o uso de vidro no topo do museu e, consequentemente, no piso da praça possibilita que as pessoas na praça consigam enxergar o conteúdo exposto no interior do edifício. Wagensberg comenta que “quando um menino passa em frente ao museu e vê o brilho no olho de outro que está em contato com os conteúdos científicos, ele também quer fazer parte daquilo”.

A entrada do museu, segundo o físico e museólogo espanhol, também merece cuidados especiais. No caso do Museu de Barcelona, o visitante chega às mostras por meio de uma longa rampa em espiral, que circunda uma árvore amazônica (Acariquara) de 30 metros de altura. Essa rampa foi projetada com uma função psicológica específica. Wagensberg conta que, como o público do museu é composto principalmente por alunos do ensino básico, a rampa ajuda a dissipar a empolgação inicial dos estudantes. Até chegarem aos locais de exposição, os visitantes já estão mais calmos e, com isso, focam melhor a atenção ao conteúdo exposto.

Árvore amazônica decora rampa de acesso às salas de exposições. Crédito – Olga Planas

O diretor do museu catalão acredita que o mais importante para um museu de ciência não é trazer visitantes, mas sim fazer com que este visitante deseje voltar. Para isso, Wagensberg aposta na emoção ao invés de tentar fazer com que as pessoas compreendam a ciência ali exposta. “O importante é que o visitante saia com mais questionamentos do que quando entrou. O que faz o valor de um museu, mais do que o número de visitantes, é a quantidade de conversa que ele provoca em quem o visita”, afirma.

Com este modelo, Wagensberg critica algumas exposições de ciência que, na sua visão, simplesmente colam livros de ciência na parede. Ele explica que a língua do museu não é a escrita nem a fala, mas sim, pedaços de realidade. Se o assunto de uma exposição é um peixe, o melhor a fazer não é mostrar um texto ou uma fotografia do animal, mas sim o próprio peixe em um habitat próximo do seu natural, ou algo que se aproxime à situação real.

Outro importante elemento, diz o museólogo, é que um pouco de criatividade, não apenas objetos, contribui para reproduzir fenômenos científicos através de metáforas. Em Barcelona, com luzes e materiais apropriados, eles conseguiram montar um experimento que mostrasse ao público visitante algo abstrato como a ação da terceira lei de Newton (lei da ação e reação).

Entre os museólogos, muito se discute sobre qual ciência é mais interessante de ser divulgada nos museus e qual a imagem da ciência que deve ser divulgar para o público. Wagensberg opta sempre por transmitir a ciência que chama de “verdadeira”, aquela que emociona o próprio cientista. “Ao expor um fóssil de dinossauro perguntamos a um paleontólogo o que de mais importante existe naquela peça. Se ele disser que é a bacia daquele animal que é completamente diferente do que se conhecia até então, será isso que daremos destaque na mostra”.

Imprimindo órgãos, tecidos e ossos

O primeiro encontro da Rede Iberoamericana de Biofabricação reuniu em Campinas pesquisadores de diversos centros de pesquisa de sete países para discutir e agregar idéias sobre engenharia de tecidos e medicina regenerativa.

O tema parece de ficção científica: aconteceu durante os dias 30 e 31 de julho e 1 de agosto o primeiro encontro da Rede Iberoamericana de Biofabricação (Rede Biofab). A biofabricação, ou engenharia de tecidos, é um campo de pesquisa novo, voltado para área de medicina regenerativa, que visa criar materiais substitutivos biológicos – como tecidos, órgãos e ossos – para serem usados em procedimentos médicos, tornando possível a substituição de tecidos defeituosos ou faltantes. No evento, realizado no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), foram apresentados estudos sobre culturas de células in vitro, materiais biocompatíveis e biodegradáveis, como cerâmica, polímeros e metais, bem como softwares para reconstrução e manipulação de imagens médicas e prototipagem rápida, ou impressão tridimensional, aplicada na medicina.

Caracterizando-se por sua multidisciplinaridade, a biofabricação é sustentada por três pilares: a cultura de células, a engenharia de materiais e a prototipagem rápida para medicina. A primeira, dentro das ciências biológicas, pesquisa métodos de reprodução de células fora de seres vivos (in vitro). Já a segunda, no caso da biofabricação, estuda e elege materiais biocompatíveis, que não oferecem risco à saúde do homem, e podem ser biodegradáveis, ou seja, que gradativamente são absorvidos pelo corpo. Por fim, a prototipagem rápida para medicina, que no seu ciclo completo, atua com softwares que convertem imagens de exames clínicos, como ressonância magnética e tomografias, em modelos virtuais 3D. Esses modelos podem ser impressos em máquinas de prototipagem rápida, que depositam milhares de camadas sucessivas em vários tipos de materiais de polímeros e formam um modelo real a partir do virtual.

 

Jorge Vicente da Silva, pesquisador do CTI Renato Archer e coordenador da primeira reunião da Rede Biofab no Brasil, afirma que apesar da biofabricação ainda estar engatinhando, é plausível imaginar um desenvolvimento rápido para essa área. “Tem grupos que conhecem o comportamento da célula e sabem quais as condições necessárias para que elas se reproduzam; existem outros que pesquisam dentre milhares de materiais cerâmicos e polímeros, quais aqueles que são biocompatíveis. E para dar forma a tudo isto, aqui no CTI nós temos a prototipagem rápida aplicada na medicina e o software InVesalius, que constrói modelos virtuais e os produz. É possível pensar em juntar tudo isto, certo?”, indaga.

Financiada pelo Programa Iberoamericano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento (Cyted, na sigla em espanhol), a Rede Biofab surgiu no final de 2007, fruto de um projeto idealizado por Paulo Bartolo, do CDRsp de Portugal. O objetivo desta primeira reunião foi o de equalizar os conhecimentos dos grupos de pesquisa dos 7 países da rede (Brasil, Argentina, Portugal, Espanha, México, Cuba e Venezuela), colocando todos eles a par dos resultados obtidos por cada um. Silva conta que este primeiro encontro foi bastante importante para que cada um dos membros da rede conhecesse detalhes das atividades realizadas pelos outros. As palestras abrageram estudos de materiais, cultura de células e prototipagem rápida das diversas instituições da rede.

Um dos temas do encontro foram os scaffolds, que o idealizador da rede, Paulo Bartolo, define como um suporte estrutural para acomodar e estimular o crescimento de um novo tecido. Essa técnica é a vanguarda da tecnologia da biofabricação. Essas estruturas funcionam como moldes, sobre os quais as células se reproduzem e formam tecidos. Os scaffolds podem ser de diversos materiais, como cerâmicas, polímeros, metais, papéis e géis. O importante é que eles atendam a uma série de requisitos biológicos, como a biocompatibilidade, biodegradabilidade e a capacidade de transportar sinalizadores biomoleculares. Além disso, existem outros requisitos, como a resistência mecânica, que para um tecido duro deve ser alta e para um tecido mole deve ser elástica.

Jorge Silva exemplifica os porquês destas características. “Imagine que estivéssemos projetando um órgão, por exemplo, um fígado, ou um osso. Precisamos projetá-lo no computador e imprimir o modelo com a ajuda da prototipagem rápida. O scaffold é um molde, ou material de suporte sobre qual as células devem se reproduzir, por isto ele tem uma série de requisitos. Sobre ele, as células irão ser depositadas, se reproduzir até ocupar toda a estrutura. Mas esta estrutura tem que ser biodegradável, ou seja, ela deve desaparecer para que este fígado, ou osso, exerça sua função. A imagem que usamos é a de uma impressora: para imprimir um órgão, precisamos de uma ’bioimpressora’, que utiliza uma ’biotinta’, as células vivas, num ’biopapel’, os scaffolds”, explica.

A tecnologia ainda não atingiu esse estágio imaginado pelos pesquisadores da área. Atualmente, é possível cultivar células in vitro e até mesmo in vivo em materiais que atendem aos requisitos acima. Mas, ainda não se consegue moldar um tecido complexo ou a função como a que um órgão possui. Entretanto, Silva se diz satisfeito com os resultados do encontro. “Este é apenas o início. É extremamente positivo promover o encontro e compartilhamento de pesquisas entre essas diferentes áreas do conhecimento. Só assim a biofabricação avançará e quem sabe se tornará realidade”, sentencia.

Planos futuros da rede

Durante o evento, foram discutidos os próximos passos da Rede Biofab. A segunda reunião será em novembro, em Portugal. Até lá, cada membro da rede irá se organizar para escrever papers relatando as suas pesquisas. A idéia é organizar o material em três livros: um na área de biomateriais, outro em biofabricação e prototipagem rápida para medicina e outro na área de cultura de células. A idéia do livro, que será publicado no início de 2009, é articular as pesquisas da rede. O grupo também tem planos para lançar uma revista eletrônica e pensa em criar um mestrado iberoamericano em biofabricação.

Teste de DNA: democratização de informação e tecnologia?

No Brasil, a popularização das técnicas genéticas é considerada uma forma de garantir o direito à informação. Essa aposta tem impulsionado o “mercado de paternidade” no país e levantado questões sobre os limites e impactos sociais das tecnologias relacionadas ao DNA.

O Brasil faz parte do grupo de países que considera a popularização das técnicas genéticas uma forma de garantir o direito à informação. Essa aposta tem impulsionado o “mercado de paternidade” no país, gerando uma ampliação da oferta e procura dos testes de DNA, um maior investimento em pesquisas que visam reduzir custos dessa tecnologia, bem como orientado a criação de políticas públicas que permitam seu acesso e uso.

Contudo, em outros lugares do mundo, o uso de tecnologias da medicina são mais restritas e regulamentadas. Na França, por exemplo, é proibido realizar exames de DNA sem autorização judicial, sendo os infratores sujeitos a um multa de 15 mil euros ou à pena de um ano de reclusão. O uso dos testes de DNA coloca em jogo as noções modernas de democracia, informação e tecnologia e, para os pesquisadores, expõe problemas que ora recaem sobre os limites e impactos da própria tecnologia, ora sobre as pessoas e o Estado, que deveriam aprender a lidar com as ciências e suas criações.

A antropóloga Claudia Lee Williams Fonseca, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que tem se dedicado a pesquisar o impacto dos exames de DNA nas relações familiares, acredita que o Brasil deveria aproveitar o momento de amplas discussões sobre bioética para debater, também, o aumento do número de testes de paternidade. “Sem dúvida, os cinco princípios consensuais do projeto Genoma – autonomia, privacidade, justiça, eqüidade e qualidade – teriam muito a ver com os exames de DNA. Com o teste de paternidade, estamos enfrentando situações que correm o risco de atropelar a dignidade humana básica ou de violar a privacidade de informações, especialmente de crianças”, explica, ressaltando que o uso do exame de DNA para negar uma paternidade já estabelecida socialmente, pode ter resultados devastadores.

Fonseca critica o que considera um uso abusivo dos testes de paternidade e avalia que a interferência de elementos da esfera jurídica e médica nas relações familiares tem levado a biologização dos laços de parentesco que, durante toda a história, teriam sido construídos de forma social.

Para atender ao crescimento da demanda popular pelos testes de paternidade, o poder público tem investido em várias iniciativas. Desde 1999, o estado de São Paulo paga os exames de DNA para pessoas que não têm condições de arcar com os custos. O governo do Rio Grande do Sul faz o mesmo. Na segunda metade de 2002, ingressaram no sistema jurídico gaúcho mais de mil pedidos de investigação paterna por mês. No mesmo período, aproximadamente 500 testes eram agendados mensalmente pelo Serviço Medico Jurídico, enquanto cerca de oito mil pedidos aguardavam numa fila de espera que poderia durar até um ano. O mesmo fenômeno estaria se repetindo em quase todos os estados brasileiros, conforme relata a Fonseca.

Os pesquisadores também têm buscado tornar mais acessível, simples e barata essa tecnologia. Karina Fraige, química e doutoranda na USP desenvolveu, em seu mestrado, um novo método de análise de paternidade, ainda em fase de experimentação, que utiliza tecnologia nacional, o que permite a desvinculação dos kits de reagentes – importados e muito caros – usados no testes feitos atualmente. A montagem do equipamento alternativo fica de dez a quinze vezes mais barato que o comercial. Para Fraige, o método simplificado tornaria os testes de verificação de paternidade por análise de DNA mais acessíveis à população, sobretudo à de baixa renda.

Outro fator de popularização do DNA é a multiplicação de laboratórios que trabalham com genética. De acordo com Betânia Maria Pena, diretora administrativa do Laboratório Gene, nos anos 90, vários laboratórios brasileiros, interessados no “mercado da paternidade”, começaram a adquirir kits de exames de DNA desenvolvidos pelo FBI para identificação de criminosos e a utilizá-los para um fim diferente: investigação de paternidade. “Comprando o kit e o equipamento e fazendo um curso de 2 dias, profissionais se aventuram a realizar um teste que vai influenciar a vida de várias pessoas”.

Além disso, os preços dos exames de DNA baixaram muito nos últimos anos e os procedimentos se tornaram mais simples. Hoje, é possível se fazer um teste de paternidade sem sair de casa. Por R$ 185,00 você recebe em casa um kit fornecido pelo laboratório, faz a coleta e envia o material para a análise por correio. Entretanto, segundo Pena, custos tão baixos merecem atenção. “Há como diminuir o preço dos exames com equipamentos modernos e novas técnicas. Mas isto é diferente de ter um preço baixo devido à simplificação do exame, testando uma porção pequena do DNA e obtendo dados incompletos para preparar o laudo”.

Genética, lei e relação social

Para a antropóloga Claudia Fonseca, o mais preocupante em relação às tecnologias envolvendo o DNA é a tendência em incorporá-las em políticas públicas. Exemplo disso é o uso de testes de paternidade no combate à pobreza das famílias chefiadas por mulheres e alerta: “a afirmação de um fato genético, o cumprimento de uma lei e o desenvolvimento de uma relação social são processos distintos”.

Para Dayse Silva, bióloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) especializada em genética forense, as tecnologias envolvendo o DNA não devem ser concisderadas soluções simples para tudo, como é corrente no imaginário popular. “As publicações mais sérias caracterizam a metodologia de análise por DNA como uma análise complementar não só em relação ao diagnóstico de doenças, mas também na investigação forense. Nos dois casos, a análise por DNA é apenas um elemento de prova”, afirma. Da mesma forma, Fonseca destaca que juízes responsáveis por processos de investigação de paternidade têm deixado de ouvir testemunhas e de levar em consideração aspectos sociais, “indo, em geral, direto à prova contundente do DNA”.

Já a geneticista Gilka Gatttás avalia que a popularização do DNA é boa, mas os leigos precisariam ser melhor informados sobre os alcances e limites das tecnologias genéticas. “É um processo lento que, no futuro, deverá resultar em uma sociedade que sabe decidir melhor sobre si mesma: que exames fazer, como, para que, quando, ou mesmo quando não se deve fazer determinado procedimento”.

Gilka é coordenadora do projeto “Caminho de volta: busca de crianças e adolescentes no estado de São Paulo” – desenvolvido pela Faculdade de Medicina da USP – que visa criar um banco de DNA para localizar e identificar crianças desaparecidas no estado.

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