Brasil precisa de mais cursos tecnológicos, diz antropóloga

A antropóloga Eunice Durham, ligada ao Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, defende um maior aporte de verbas para os cursos de caráter tecnológico. A cientista acredita que eles podem melhorar a qualidade do ensino.

O Brasil tem carência de cursos tecnológicos. Essa é a opinião da antropóloga Eunice Durham, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) que proferiu a palestra “Seminário Internacional Ensino Superior numa Era de Globalização”, no mês passado na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos últimos dez anos, menos de 1% dos profissionais do país se formou em cursos superiores tecnológicos. No ensino de nível médio, conforme apurou Durhan, muitos cursos técnicos não cumprem o papel de formar profissionais para o mercado, mas se tornam “trampolins” para os alunos entrarem em universidades. Por sua qualidade, esses cursos se tornam elitizados, segundo ela, pois servem à classe média que procura um curso gratuito e de boa qualidade. Esse fato agravaria ainda mais a carência por cursos.

Já para o sociólogo Paulo Roberto Martins, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a questão é um pouco mais complexa. “A priori, só por serem tecnológicos não significa, necessariamente, [que seja] ensino de qualidade”, comenta. “De maneira geral, [esses cursos] não formam seus alunos para questionar sobre qual tecnologia queremos para a nossa sociedade. Será só aquela que o mercado solicita?”, questiona.

O problema está em como expandir a oferta pública de qualidade, acredita Romualdo Portela de Oliveira, matemático especializado em Política Educacional e professor da USP. Segundo ele, as opções para que isso ocorra são difíceis por serem pouco viáveis política e economicamente. Uma das alternativas seria expandir as universidades públicas nos padrões existentes, o que implicaria em aumentar muito a dotação de verbas para o ensino superior público. Isso, apesar de defensável, implicaria em reorientar a lógica do gasto público no país, o que é pouco viável. A outra opção é diferenciar o sistema, buscando oferta de qualidade a custo mais baixo. Existiriam, para Oliveira, duas ações possíveis nesse caso: “de um lado, criam-se universidades muito precárias, que do modelo tradicional herdam apenas o nome, mas não são sequer escolas e obviamente não realizam de pesquisa”; de outro, a oferta de cursos que não se encaixa no modelo de universidade (indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão), como os tecnológicos, que podem ter boa qualidade e ser mais baratos. “Pessoalmente, acho que temos que, ao mesmo tempo, expandir o ensino superior, e diferenciar o sistema universitário”, opina o especialista.

Oliveira aponta ainda o problema do mau uso de verbas. De acordo com ele, há desperdício dos recursos, isso vale para áreas e para instituições, cursos e grupos, ao mesmo tempo que se asfixiam centros que teriam potencial de dar contribuições significativas à pesquisa. Para o especialista, teríamos que aprofundar a discussão acerca da pesquisa que precisamos e exigi-la do sistema. “Os [centros de pesquisa] que não atingissem os patamares definidos, deveriam, gradativamente, se transformar em instituições de ensino, o que equivale dizer, abrir mais vagas gratuitas,” projeta Oliveira. Isso não é contraditório com a ampliação do gasto, segundo ele, pois nossos índices de atendimento no ensino superior em relação à população são baixos (15% da população na faixa etária, quando o razoável seria pelo menos 30%). Além disso, esse atendimento é majoritariamente realizado pelo setor privado.

De acordo com o plano de expansão idealizado pelo governo do Estado de São Paulo, estavam previstas dez novas Faculdades de Tecnologia (Fatecs) em São Paulo para 2007. Destas, só sete foram criadas: Guarulhos, Itaquaquecetuba, Jales, Mogi Mirim, Presidente Prudente, Santo André e São Caetano. Este ano, de acordo com decreto assinado pelo governo do estado no último dia 21, seis novas unidades deverão ser implantadas: Araçatuba, Capão Bonito, Itu, Jaboticabal, Piracicaba e Sertãozinho. Segundo o governo, a criação de cursos tecnológicos em bioenergia, silvicultura, informática aplicada à gestão financeira e de produção e soldagem, projetada para os novos cursos, levou em conta o perfil econômico das cidades em que as escolas serão instaladas.

Já os novos cursos criados pelo governo federal através do Ministério da Educação (MEC), no ensino superior estão focados na formação de professores para lecionar em áreas carentes desses profissionais como física, química, matemática, biologia, mecânica, eletricidade e informática.

Consumo de maconha pode afetar o raciocínio

Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul sugere que a maconha compromete a capacidade de solucionar problemas em adolescentes usuários

De inofensiva, a maconha não tem nada. Associada à repetência e à evasão escolar, a droga pode comprometer a capacidade de solucionar problemas em adolescentes usuários. É o que concluiu uma pesquisa realizada por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, segundo artigo publicado na revista científica Psicologia em Estudo. [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722007000200007&lng=pt&nrm=isso]

Os pesquisadores utilizaram instrumentos para avaliar o desempenho de 60 adolescentes do sexo masculino, com idades entre 14 e 17 anos e níveis socioeconômicos equiparados, cuja escolaridade mínima era a 5a. série do Ensino Fundamental. Metade desses jovens era usuária de maconha. Conforme o artigo, os usuários da droga tiveram um desempenho inferior em testes que avaliaram a percepção visual e sobretudo nos que analisaram a capacidade de solucionar problemas, sugerindo que a maconha pode afetar o funcionamento neuropsicológico.

O estudo constatou também que a maior parte dos usuários da droga possuía o Ensino Fundamental incompleto, seja por evasão escolar ou por diversas repetências, enquanto a maioria dos não usuários possuía o Ensino Fundamental completo e estava cursando o Ensino Médio. Os usuários analisados na pesquisa iniciaram o consumo por volta dos 13 anos e meio de idade.

A maconha é a droga ilícita mais experimentada no Brasil e seu uso é freqüente entre os jovens, como confirmou o último Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil. Realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) em 2005, o documento estimou que o uso ocorre já em idades de 12 e 17 anos e atinge um pico para os dois sexos entre 18 a 24 anos.

E por que tantos jovens fazem uso da maconha? Para uma das autoras do estudo, a psicóloga clínica e psicanalista Maisa Rigoni, razões não faltam. Ela explica que o uso de maconha e de outras drogas está associado à busca do prazer que elas provocam ao ativar circuitos neurológicos. “Também há a identificação com os pares, na busca pela integração e aceitação social”, diz Maisa.

A psicóloga diz ainda que alguns jovens se sentem onipotentes, isto é, “pensam que com eles nada acontecerá e que podem ter total domínio da situação”, revela a pesquisadora. Por outro lado, ela considera que existe uma desinformação geral por parte da sociedade quanto aos efeitos da maconha e seus prejuízos, principalmente no que se refere às funções cognitivas – atenção, memória, concentração, percepção visual, etc.

Precisamos fazer a informação circular, diz Maisa. “Esta circulação precisa ser feita em massa, como por exemplo, as campanhas em relação ao HIV. É preciso que se mostrem os malefícios de maneira clara para a população em geral”.

Segundo a psicóloga, pais ou responsáveis devem encaminhar os adolescentes usuários para tratamento e se mostrar dispostos a conversar sobre o problema. “Também podem procurar algum profissional para auxiliá-los a conversar com seus filhos”, diz Maisa. “Os pais ou responsáveis precisam estar atentos aos jovens, saberem onde estão, com quem, o que pensam a respeito das coisas, precisam estar abertos para escutar e não somente criticar”.

A psicóloga se diz contrária à legalização da maconha. “Não é legalizando que se evitarão novos dependentes de maconha ou mesmo se fará com que os jovens parem de consumi-la”, acredita ela. “O álcool está aí para comprovar que, mesmo sendo uma substância lícita, segue gerando dependentes, com conseqüentes prejuízos sociais, afetivos e funcionais, quadro este semelhante ao vivenciado por dependentes de maconha”.

Morcegos ajudam a reflorestar áreas degradadas

Os morcegos, que por muitos anos foram vilões de histórias de terror, podem se tornar heróis da conservação ambiental nos dias de hoje. Isso é o que aponta um estudo iniciado em 2000 e realizado por um grupo de pesquisadores da Unesp e da Embrapa, que estão usando estes mamíferos para auxiliar no reflorestamento de áreas degradadas.

Os morcegos, que por muitos anos foram vilões de histórias de terror, podem se tornar heróis da conservação ambiental nos dias de hoje. Isso é o que aponta um estudo iniciado em 2000 e realizado por um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que estão usando estes mamíferos para auxiliar no reflorestamento de áreas degradadas. Os animais utilizados no estudo se alimentam de frutos e espalham sementes de várias espécies vegetais ao defecar durante o vôo, o que ajuda a manter as características da vegetação original da região que percorrem.

Segundo a pesquisa, estes animais mantém estreitas relações com alguns grupos de plantas e têm no olfato um dos principais sentidos para localizar seu alimento, que são frutos maduros. A partir daí, o grupo de pesquisadores imaginou que poderia aproveitar esses conhecimentos para atrair esses importantes dispersores para as áreas degradadas.

“Os morcegos frugívoros – que se alimentam de frutos e dispersam sementes – são reconhecidamente um dos grupos mais importantes de dispersores de espécies florestais, defecando sementes em amplas áreas, já que realizam amplos deslocamentos, inclusive sobre áreas desprovidas de vegetação”, explica Sandra Bos Mikich, pesquisadora da Embrapa Florestas, instituição coordenadora e financiadora do estudo. Mikich, junto com Gledson Vigiano Bianconi, doutorando em Zoologia no Instituto de Biociências da Unesp, e Maria Lucia Ferreira Simeone, química também da Embrapa Florestas, formam a equipe principal do projeto, que planejou a técnica de dispersão de sementes.

A técnica simples e inusitada pode acelerar e direcionar a recuperação de áreas desflorestadas. O resultado pretendido é um replantio mais completo, que mantém as características do ambiente a ser reconstituído, com espécies variadas encontradas na região a ser recuperada. Isso não ocorre no plantio tradicional, pois as mudas das espécies típicas dessas regiões são limitadas, e muitas vezes acabam ficando de fora do reflorestamento.

Os locais escolhidos para o estudo são as regiões sul da Mata Atlântica e central da Floresta Amazônica, especialmente áreas ocupadas por atividades agrícolas e pastagens que precisam ser convertidas em florestas novamente para atender à legislação ambiental. O desempenho desses novos “agentes ambientais” é monitorado e analisado por botânicos da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Para atrair os morcegos nas áreas desejadas e, deste modo, fazer com que cumpram a função pretendida, o grupo de pesquisa utilizou óleos essenciais – compostos que conferem odor – extraídos dos frutos que os morcegos consomem. A pesquisa já provou que o método é eficiente: “Os óleos essenciais podem atrair os morcegos dispersores de sementes tanto no interior de remanescentes florestais, onde há alimento para eles, quanto em áreas totalmente desprovidas de vegetação”, declara Mikich. “Nesse último caso, eles ficam ’procurando’ o suposto alimento (enganados pelo odor) e, com isso, aumenta a probabilidade de defecarem sementes no local a ser recuperado, já que a passagem das sementes pelo tubo digestivo dos morcegos costuma ser rápida (de 20 a 30 minutos)”, conclui.

Impacto

Apesar da técnica ainda não estar totalmente desenvolvida, é possível fazer uma previsão de seu impacto. Economicamente, haverá uma grande redução dos gastos na recuperação de florestas degradadas, já que hoje normalmente essas áreas são recuperadas com o plantio de mudas, que apresentam um custo considerável, seja para o produtor rural, seja para o governo, que subsidia muitos dos viveiros de mudas utilizadas no reflorestamento.

No entanto, o maior impacto será ambiental, pois as sementes dispersas pelos morcegos são exatamente aquelas que ocorrem na região a ser reconstituída, permitindo a recuperação dessas áreas não apenas na sua função – cobertura de solo, proteção de rios e mananciais -, mas também na sua forma, ou seja, na composição e relação entre as espécies semelhantes à original.

Os resultados obtidos até o momento mostram que os pesquisadores estão no caminho certo, mas ainda há uma longa estrada a percorrer, e muitos desafios a enfrentar. “Um dos maiores desafios é, como sempre, a falta de recursos. Somente em dezembro último conseguimos adquirir um equipamento indispensável para realizar a análise dos óleos essenciais extraídos dos frutos. Essas análises são fundamentais para seguir aprimorando a técnica, já que hoje ela não é viável em larga escala”, diz Mikich. Além disso, existem outros problemas a serem resolvidos. Algumas áreas recebem uma quantidade grande de sementes, mas problemas no solo, ou ainda outras causas, impedem a germinação e o estabelecimentos da vegetação. Nesse caso, é preciso corrigir essa situação para que a técnica possa ser empregada.

O próximo passo da pesquisa é tornar a técnica viável em larga escala. Para isso, é preciso que sejam feitos estudos adicionais sobre os óleos essenciais. Para não ter que coletar frutos na floresta e então extrair o óleo – o que dificulta e atrasa o estudo – o grupo pretende identificar os componentes responsáveis pela atração dos morcegos, realizando inclusive testes em cativeiro, e sintetizá-los em laboratório, para assim utilizá-los em mais localidades e ampliar o alcance da pesquisa.