Grupo de pesquisas da Amazônia sequencia o genoma do guaraná

Após 4 anos de trabalho, pesquisadores da Rede Amazônia Legal de Pesquisas Genômicas sequenciaram o genoma do guaraná e relataram vias metabólicas secundárias antes nunca descritas para este fruto.

Observar os frutos do guaraná, com seus “olhos saltados” envoltos por cápsulas que oscilam entre tons de amarelo e vermelho, encanta e ilustra uma das inúmeras peculiaridades da natureza. Este fruto, um dos símbolos da Amazônia, teve seu genoma seqüenciado por pesquisadores da Realgene – Rede da Amazônia Legal de Pesquisas Genômicas. Os resultados foram publicados na edição de janeiro do periódico científico Plant Cell Reports.

Foto: Murilo Rodrigues de Arruda – Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus-AM

 

“Nós descobrimos vias metabólicas secundárias que nem suspeitávamos estarem ativas no fruto do guaraná. Suspeitamos que algumas dessas vias são responsáveis pela síntese de princípios ativos importantes para os efeitos do guaraná”, explica Spartaco Astolfi-Filho, coordenador da Realgene e líder do trabalho. Dentre as vias metabólicas secundárias descritas no artigo, assim chamadas para se diferenciar do metabolismo de substâncias primárias como carboidratos e proteínas, estão as vias dos flavonóides, da cafeína e dos carotenóides.

Conhecido como energético e pelos efeitos de aumento da capacidade cognitiva e perda de peso, entre outros, o guaraná é bastante rico em cafeína: cerca de 3-6% do peso seco do fruto é de cafeína, comparado com 1-2,5% desta substância encontrada nos grãos de café, relatam os autores.

O grande desafio para a realização do trabalho, de acordo com Astolif-Filho, “foi construir e equipar laboratórios de biologia molecular em todos os estados da Amazônia, assim como treinar e educar bolsistas e estudantes de todos estados”. Os equipamentos necessários para revelar o genoma do guaraná, os chamados seqüenciadores, já haviam sido adquiridos pelo projeto genoma nacional, e ficaram alocados nas Universidades Federal do Amazonas (UFAM) e Federal do Pará (UFPA), e também no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônica (INPA).

Com a participação de pesquisadores de Manaus, Brasília, Belém, São Luís, Boa Vista, Macapá, Palmas, Porto Velho, Ribeirão Preto e Rio Branco, o trabalho levou quatro anos para ser concluído. A metodologia empregada foi a extração de RNA das sementes de guaraná, seguida da síntese da cadeia complementar de DNA e clonagem destes fragmentos de DNA em vetores bacterianos, os chamados plasmídeos. Cerca de 15 mil seqüências foram obtidas e, com o auxílio de ferramentas de bioinformática, comparadas com seqüências depositadas em banco de dados internacionais. Por meio desta metodologia foi possível “garimpar” seqüências de interesse.

“Dar início ao estudo de alguns genes visando futuras aplicações biotecnológicas é um dos próximos passos do trabalho”, destaca Astoli-Filho, ex-professor da Universidade de Brasília e atual Professor Titular de Biotecnologia da UFAM. “Pretendemos também demonstrar a expressão diretamente em diversos tecidos dos genes que consideramos relevantes”, conclui o pesquisador. Conhecido por muitos como criador de processos biotecnológicos, Spartaco desenvolveu, juntamente com a BIOBRÁS (Bioquímica do Brasil S/A) a tecnologia de produção de insulina humana por engenharia genética.

Sobre o guaraná

O nome científico do guaraná, Paullinia cupana var. sorbilis, foi uma homenagem a C.F. Paullini, um botânico alemão que viveu no século dezoito. “A espécie foi descrita por Karl Sigismund Kunth em 1821, baseada em um material coletado por Humboldt e Bonpland às margens do Orinoco, próximo a San Fernando de Atabapo, Venezuela. O nome ‘cupana’ é o nome popular da planta na Venezuela. O nome guaraná já é de origem tupi – ‘uaraná’, e foi dado pelos Sateré-Maué, que forneceram as plantas para o uso medicinal e industrial no Brasil”, explica Eduardo Gomes Gonçalves, professor da Universidade Católica de Brasília e especialista em taxonomia vegetal.

O guaraná é cultivado nos estados do Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Acre, e tem grande potencial econômico. Segundo relatório da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), estima-se que a produção atual de ramas de guaraná no país seja em torno de 4.300 toneladas/ano. Dessa produção, estima-se que 70% seja absorvido pelas indústrias de refrigerantes gaseificados, sob a forma de xarope, enquanto que os 30% restantes são comercializados sob a forma de xarope, pó, bastão, extrato para consumo interno e para a exportação.

Xyllela x Guaraná

Mesmo com o referido potencial econômico, além das demais propriedades biológicas do guaraná que poderão ser melhor compreendidas após a conclusão dessa primeira parte do projeto, pouco se ouve falar sobre a publicação do genoma deste fruto. E por que a cobertura da mídia é tão discrepante quando comparada a do genoma da bactéria Xyllela fastidiosa? “A Xylella causa a doença do amarelinho da laranja, muito importante para a indústria de citros no Brasil; não creio que o guaraná tenha a mesma importância. Além disso, foi “o” projeto pioneiro de seqüenciamento no Brasil e se beneficiou em termos de publicidade por ter sido publicado na mesma época (julho de 2000) do primeiro anúncio do Projeto Genoma Humano (junho de 2000)”, destacou o jornalista Marcelo Leite, colunista do Jornal Folha de São Paulo e autor do livro “Promessas do genoma”.

Pesquisa em Diadema detecta álcool em mais de um quinto dos motoristas

De 908 condutores submetidos ao bafômetro em Diadema, SP, 23,7% apresentaram algum traço de álcool no ar expirado. Em 19,4% deles, os níveis eram iguais ou superiores aos permitidos por lei, segundo pesquisa da Unidade de Pesquisa em Álcool e outras Drogas (UNIAD) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

O teste foi simples: 908 motoristas foram parados e convidados a assoprar no aparelho que indica o teor de álcool no organismo, o famoso bafômetro. Os resultados foram alarmantes: 23,7% dos analisados apresentou algum traço de álcool, destes, 19,4% estavam com níveis iguais ou acima aos permitidos por lei (0,06 gramas por decilitro de sangue). Para se ter uma idéia, o número de motoristas alcoolizados nessa pesquisa é seis vezes maior do que as médias encontradas em outros países. O trabalho foi realizado pela Unidade de Pesquisa em Álcool e outras Drogas (UNIAD) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e o local escolhido foi a cidade de Diadema na Grande São Paulo onde foram coletados dados de fevereiro de 2005 a março de 2006, sempre em noites de fins-de-semana.

O trabalho foi publicado em dezembro na Revista de Saúde Pública, cerca de um mês antes de o presidente Lula assinar a medida provisória 415/08, que desde 1 de fevereiro proíbe a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais. Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 17,5 mil mortes anuais por acidentes de trânsito estão associadas ao consumo de bebidas alcoólicas.

De acordo com o estudo, mesmo pequenas quantidades de álcool, abaixo dos limites legais, aumentam as chances de ocorrerem acidentes. O documento menciona estudos que atribuíram 24% dos acidentes automobilísticos aos motoristas com níveis sangüíneos de álcool entre 0,01 a 0,07 g/dl. Esta proporção eleva-se para 43,5% em motoristas com níveis entre 0,08 a 0,09 g/dl e 91% naqueles com níveis iguais ou superiores a 0,10 g/dl.

O Código Brasileiro de Trânsito só considera infração gravíssima dirigir com níveis sangüíneos de álcool superiores a 0,06 g/dl de sangue. Mas um dos autores do estudo, o clínico especialista em dependência química Sérgio Duailibi, diz que não há níveis seguros para o consumo de álcool ou qualquer droga e condução de veículos. “É certo que, quanto menor a idade (e a capacidade de tolerar o álcool), menores deveriam ser os níveis permitidos – tanto é que para alguns países adotam diferentes limites para os adultos jovens”, acrescenta.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere a redução do limite de alcoolemia (teor de álcool no organismo) permitida para dirigir como uma das ações para reduzir o número de acidentes provocados pelo consumo de bebidas. Mas Duailibi explica que essa recomendação só se aplica aos países que já adotam as medidas legais de fiscalização. “Não é o nosso caso. Teríamos de fazer a lição de casa antes”.Porém o limite de 0,06 não está muito aquém dos outros países”, diz Duailibi. Para ele, o melhor seria adotar a fiscalização com bafômetros e as punições administrativas já estabelecidas no Código Brasileiro de Trânsito.

A pesquisa também mostrou que o bafômetro parece ser a única forma de constatar a embriaguez. Segundo o artigo, 92% dos motoristas com positividade de álcool no bafômetro não apresentavam qualquer sinal visível de intoxicação alcoólica.

Substâncias químicas revelam a relação entre plantas e abelhas

Análises químicas ajudam a descobrir quais espécies de abelhas participam da polinização e quais apenas extraem o óleo floral. A coleta desse líquido é uma importante atividade para vários desses insetos que o utilizam na composição do ninho e como alimento para as larvas. O óleo floral chega a ser oito vezes mais energético do que o pólen.

Ao passar pelas flores em busca de alimento (néctar ou óleo floral), as abelhas ficam com os pêlos de seu corpo impregnados de polén e acabam transportando-o de uma flor para outra. Porém, nem todas as espécies de abelhas que visitam as plantas participam desse importante processo que é a polinização. Foi o que mostrou uma pesquisa realizada no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas. O trabalho estudou as interações de duas espécies de abelhas, solitária e jataí, com o óleo floral da árvore conhecida como lanterneira da Amazônia (Lophanthera lactescens).

Em sua pesquisa em campo, a química Adriana Pianaro observou que os cachos amarelos da lanterneira eram visitados entre as 11 horas da manhã e às três da tarde por abelhas solitárias (Centris trigonoides). A pesquisadora explica que essa espécie, que não vive em colméias, poliniza a planta ao pousar sobre elas. “Elas se prendem, ou abraçam as pétalas por trás, com auxílio das mandíbulas ficando o ventre em contato com as anteras e os estigmas das flores”, diz Pianaro. O pólen que gruda na barriga do inseto é levado a outras flores realizando a polinização.

No entanto, Pianaro averiguou também que as mesmas flores eram visitadas por um outro tipo de abelha, a jataí. Diferentemente das solitárias, que só aparecem no pico do dia, essa outra espécie vem às plantas durante todo o dia coletando apenas o óleo que escorre pelos cabos das flores. Desse modo, elas não polinizam as flores, segundo Pianaro. “Elas simplesmente coletam os óleos florais sem tocar os estames,” explica a pesquisadora. Essas abelhas oportunistas foram identificadas como abelhas indígenas sociais sem ferrão, que os entomologistas chamam de meliponíneos (Tetragonisca angustula) e são popularmente conhecidas como jataís.

O trabalho de Pianaro consiste em comprovar, através das análises químicas, qual é a composição química do óleo floral e que as abelhas estão visitando as flores para fazer a sua coleta. Para isso ela captura algumas abelhas nas flores e as sacrifica por congelamento. Depois faz uma extração do conteúdo dos seus abdomens com um solvente orgânico apropriado e analisa os extratos das flores e das abelhas em um equipamento chamado cromatógrafo a gás acoplado a espectrômetro de massas, que identifica moléculas através de suas massas e da forma como essas moléculas se fragmentam.

A pesquisadora explica que para fazer a análise ela compara as substâncias químicas identificadas no óleo que é produzido pelas flores da lanterneira com as substâncias do abdômen das abelhas. “Os óleos florais são armazenados em bolsas chamadas de elaióforos epiteliais localizadas na parte de trás das flores e para conseguir uma quantidade de amostra suficiente para a elaboração dos experimentos foi necessária a coleta de 1200 flores”,conta a pesquisadora. A análise dos resultados mostra que a substância majoritária do óleo floral, um hidrocarboneto, aparece nos extratos das abelhas, comprovando as interações abelha-planta e mostrando como é importante relacionar as análises químicas com as observações biológicas. “Existe uma carência muito grande de profissionais com uma visão mais interdisciplinar”, acredita Pianaro.

Pianaro é integrante do grupo de Ecologia Química coordenado pela química Anita Marsaioli. O grupo ainda conta com a parceria da especialista em comportamento de abelhas solitárias, Isabel Alves dos Santos do Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP). Segundo Santos, 80% das espécies de abelhas são solitárias, isto é, não vivem em colméias. “Essas abelhas coletoras de óleos florais são muito especializadas. Os óleos florais são utilizados por elas como alimento larval e na construção de parte de seus ninhos”, diz a pesquisadora. O projeto também recebe contribuições de outros pesquisadores como os botânicos Volker Bittrich e Maria do Carmo Amaral, do Instituto de Biologia da Unicamp, e Rodrigo Singer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.