Pesquisas de opinião apontam dimensões do conservadorismo no Brasil

Pesquisas de opinião pública, voltadas a captar características da cultura política, reafirmam o predomínio de um certo conservadorismo entre os brasileiros. Dois livros publicados recentemente apresentam dimensões deste conservadorismo, associando-o à expressão das desigualdades de renda, gênero e raça presentes no país.

Pesquisas de opinião pública, voltadas a captar características da cultura política, reafirmam o predomínio de um certo conservadorismo entre os brasileiros. Dois livros publicados recentemente apresentam análises baseadas em pesquisas de opinião e revelam dimensões deste conservadorismo, expressão das desigualdades de renda, gênero e raça presentes no país. Embora as próprias pesquisas não respondam porque as pessoas demonstram opiniões mais democráticas e igualitárias, ou mais conservadoras, os analistas propõem explicações diferentes para entender a preponderância de certos aspectos conservadores entre os brasileiros.

Para Alberto Carlos Almeida, cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do polêmico livro A Cabeça do Brasileiro, o problema está na educação. Em sua opinião, o desafio a ser vencido para disseminar uma “mentalidade democrática e moderna” no país consiste em ampliar a educação formal dos brasileiros. “Como a maior parte da população brasileira tem escolaridade baixa, pode-se afirmar que o Brasil é arcaico”, afirma em seu livro. Segundo ele, porém, o país não é um bloco monolítico. Convivem hoje dois Brasis: um dominante – o das classes baixas -, considerado “arcaico”, atrasado, conservador, mas que tenderia a desaparecer; e outro “moderno” e liberal, atualmente minoritário, mas que deve prevalecer conforme o ensino superior for massificado.

O trabalho de Almeida analisa dados da Pesquisa Social Brasileira (Pesb), que foi realizada entre julho e outubro de 2002, e procurou apreender quais são os valores, crenças, práticas e atitudes que permeiam o cotidiano dos brasileiros em suas relações sociais. A amostra considerada na pesquisa, representativa da população brasileira, contou com 2.363 pessoas.

Mando e Subserviência

O posicionamento dos brasileiros em relação a valores considerados “hierárquicos” ou “igualitários” é um dos aspectos tratados por Almeida que atestariam a relação entre conservadorismo e déficit educacional entre os brasileiros.

“Qual a atitude que os empregados de um edifício deveriam ter se os moradores dizem que eles podem usar o elevador social?” e “qual a atitude que o empregado deveria ter se o patrão diz que pode ser tratado por ‘você?”. A estas perguntas, os dados da Pesb revelaram que, dentre os analfabetos, 76% disseram que os empregados do prédio “deveriam continuar usando o elevador de serviço” e 68% que o empregado “deveria continuar chamando o patrão de ‘senhor”. Já dentre os entrevistados com nível superior ou mais, ao contrário, a maioria disse que os empregados deveriam usar o elevador social (72%) e chamar o patrão por “você” (59%). Na análise de Almeida, “quanto mais elevada for a escolaridade, mais igualitárias as pessoas são”, e quanto menor a escolaridade, menos igualitárias.

Já Kátia Mika Nishimura, cientista política e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp – que inclusive dispõe do banco de dados da Pesb -, faz análise que vai além da constatação quantitativa: “o dado mais perverso deste ordenamento social é que mesmo as maiores vítimas dos mais freqüentes tipos de preconceitos e discriminações – pobres, negros e mestiços – são também favoráveis à existência do ‘elevador de serviço’ e de outros ‘lugares sociais’ estabelecidos pelo autoritarismo social”, comenta ela em artigo publicado em 2004 na revista Opinião Pública (vol X, n.º 02), para explicar porque, muitas vezes, pessoas que estão na parte inferior da hierarquia social dizem concordar com atitudes que as oprimem. O artigo analisa dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), também realizado em 2002, com amostra de 2.513 entrevistados, e que se aproximam das informações da Pesb trazidas por Almeida.

O fato da maioria da população brasileira dizer que prefere continuar usando o elevador de serviço e chamando o patrão de “senhor” pode ser sintomático da sua subserviência. Seria uma atitude compreensível de quem já experimentou amargamente “ousar sair do seu lugar social” e foi julgado abusado. Para Nishimura, a visão de mundo hierárquica compartilhada pelos brasileiros de renda baixa e com pouca escolaridade “pode revelar, sim, uma estratégia de sobrevivência”. Mas, acrescenta ela, “ainda assim seria uma estratégia conservadora, pois contribui para a manutenção de uma estrutura social hierárquica”.

“Machismo” feminino

Outro livro lançado recentemente e baseado em um survey (do International Social Survey Programme – ISSP) aponta o conservadorismo dos brasileiros quanto à divisão do trabalho doméstico e ao papel da maternidade. Novas conciliações e antigas tensões? Gênero, família e trabalho em perspectiva comparada indica que as mulheres brasileiras apresentam posturas mais machistas que os homens dos Estados Unidos e Suécia. Segundo Clara Araújo, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e uma das autoras do livro, os homens americanos e suecos teriam a “cabeça mais aberta” que as mulheres brasileiras. Em comparação com as suecas e americanas, as brasileiras dedicam o dobro de tempo ao trabalho doméstico. E um grande número concorda que esta seja de fato uma obrigação mais das mulheres do que dos homens.

Uma informação chama especial atenção no livro de Araújo, cuja autoria é compartilhada com Felícia Picanço (da Uerj) e Celi Scalon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): o conservadorismo dos japoneses quando se trata de relações de gênero, apesar do elevado desenvolvimento sócio-econômico do Japão. O comentário de Araújo diante desta constatação contrapõe-se à crença de Almeida nas virtudes democráticas da escolarização: “Antes tínhamos uma visão muito linear da idéia de desigualdade de gênero: quanto mais desenvolvimento, maior a igualdade, e quanto maior a educação de um país, maior a consciência”. O exemplo do Japão mostra que as coisas não são bem assim. “No Japão todo mundo é altamente escolarizado e o nível de desenvolvimento é extremamente elevado. No entanto, existe por lá uma grande desigualdade no envolvimento masculino e feminino com o trabalho doméstico. Os homens trabalham, as mulheres ficam em casa e eles não se envolvem de forma alguma no trabalho doméstico”, explicou ela em entrevista para o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam).

Liberalismo ou democracia?

Para José Álvaro Moisés, professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), que também trabalhou com pesquisas de opinião pública sobre cultura política, liberalismo não é sinônimo de democracia, mas uma de suas variantes. No livro Os Brasileiros e a Democracia, Moisés argumenta que a democracia perdeu sua raiz igualitária diante do triunfo da democracia liberal, que enfatiza apenas a defesa da liberdade, da igualdade perante a lei, dos direitos individuais e da legalidade institucional. Em contraste com o que diz Almeida, alguns intelectuais que se dedicam a discutir o que é justiça social, como o vencedor do prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, também criticam a idéia liberal de que a educação baste como “porta de oportunidades” para eliminar as desigualdades.

Falta debate sobre mudanças climáticas e agricultura brasileira

Artigo publicado na Science alerta que a agricultura em regiões como o sul da Ásia e África meridional serão as mais vulneráveis às possíveis mudanças climáticas previstas para os próximos 20 anos. Pesquisadores brasileiros comentam o artigo e apontam os impactos das mudanças climáticas para a agricultura no Brasil.

Um artigo publicado na revista Science no início do mês ressalta que as regiões mais pobres do planeta sofrerão um impacto maior em suas agriculturas caso a previsão de mudanças climáticas para os próximos anos realmente ocorra. Prioritizing climate change adaptation needs for food security in 2030 – escrito pelo pesquisador da Universidade de Stanford, David Lobell, e sua equipe – não inclui o Brasil dentre esses países, mas pesquisadores brasileiros acreditam que os alertas do artigo sirvam para fomentar uma reflexão sobre a questão no país.

Carlos Cerri, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, explica que no Brasil 30% do Produto Interno Bruto (PIB) vem do agronegócio. “São esses 30% que estão dando certa estabilidade à nossa economia”, diz ele. No entanto, apesar de a agricultura depender em grande medida do clima, ainda não se sabe quais possíveis reflexos das mudanças climáticas no agronegócio. “Não há previsão sobre o nosso futuro em termos econômicos”, alerta Cerri. De acordo com o agrônomo, como no Brasil quase não há sistema irrigado, é fundamental saber teoricamente como seriam nossos cenários de cultivo da soja, da cana-de-açúcar, do café, das pastagens e outras culturas se o clima mudar: “nós precisamos conhecer nossas vulnerabilidades caso aconteçam as mudanças climáticas, e para isso ainda precisamos fazer muitas pesquisas”.

Ricardo Ojima, do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, ressalta que grande parte da capacidade de resposta que um país ou região terá é algo que depende das políticas públicas e da capacidade de gerenciar a gradual mudança nas condições climáticas. “Por isso – destaca Ojima – é importante que desde já as regiões apontadas na pesquisas como mais vulneráveis invistam em desenvolvimento e tecnologia”.

De acordo com o pesquisador da Unicamp, no caso do Brasil já existe uma tradição de desenvolvimento e tecnologia na área da agroindústria e por isso o país teria uma capacidade de resposta mais adequada frente às mudanças climáticas. “No artigo – acrescenta ele – os autores parecem concordar com a idéia de que o Brasil e a América Latina de uma maneira geral não serão as principais regiões de vulnerabilidade em termos de suas capacidades de resposta. Não que o Brasil deva ficar tranquilo com sua situação, mas o país está alguns passos a frente das regiões que foram destacadas no artigo”.

Para Cerri, o Brasil não está em boas condições. O agrônomo ressalta o grande vazio de informações em relação à vulnerabilidade dos sistemas brasileiros no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) de 2007. “Os países da Europa e os Estados Unidos – diz ele – têm mais informações. Evidentemente que temos algum dinheiro investido em pesquisa e por isso estamos melhor que os países apontados na pesquisa de Lobell, mas isso não é suficiente para encararmos uma possível mudança climática com as informações que nós temos hoje.”

Eduardo Assad, da Embrapa Informática Agropecuária, também alerta para o risco das mudanças climáticas atingirem algumas regiões brasileiras, sobretudo o Nordeste e o Sul. Para o pesquisador, duas ações importantes de mitigação podem ser feitas: uma delas, a curto prazo, é a adaptabilidade, isto é, trabalhar com o melhoramento genético das culturas que estão mais ameaçadas e que se adaptem a essas temperaturas mais elevadas. “No entanto, essa é uma linha importante de pesquisa até um determinado ponto – explica Assad – porque se a temperatura subir muito não há melhoramento genético que resista”. Por isso, por outro lado, ao longo prazo, é possível trabalhar com ações de mitigação, que permitam a redução da emissão de gases de efeito estufa, buscando na agricultura práticas que diminuam a quantidade de carbono, como, por exemplo, a integração entre pecuária e lavoura, a utilização de sistemas agroflorestais, a redução de erosão, a produção de água com manejo adequado de bacias hidrográficas, ou o incentivo ao plantio direto. “Trabalhar nessa linha da adaptação e da mitigação não significa que vamos reverter o problema, mas nós poderemos reduzir seus efeitos. No entanto, já estamos atrasados nisso”.

A questão humana

Ojima ressalta a importância de se discutir e colocar em evidência as dimensões sociais e institucionais das mudanças climáticas. De acordo com o sociólogo, do ponto de vista das ciências humanas, o papel da sociedade e das instituições políticas é tão importante quanto o desenvolvimento de novas tecnologias.

“No cenário internacional, o International Human Dimensions Programme on Global Environmental Change (IHDP) tem realizado diversas conferências e reunido cientistas do mundo inteiro em torno das dimensões humanas das mudanças climáticas, dando enfoque às mudanças globais”, explica Ojima. O pesquisador ainda completa afirmando que no caso do Brasil e de outros países em desenvolvimento, essa é uma área que está ainda em fase inicial. Esse ano a Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Ambiente e Sociedade vai realizar seu encontro bienal em Brasília, em junho, focalizando justamente a contribuição da pesquisa na área de ambiente e sociedade para a problemática das mudanças ambientais globais”.

Dinâmica populacional e ambiente

O Núcleo de Estudos de População (NEPO), que também tem uma tradição de estudos na área de população e meio ambiente, está lançando o livro Dinâmica populacional e mudança ambiental: cenários para o desenvolvimento brasileiro, organizado por Daniel Hogan. “O livro – apresenta Ojima – é uma compilação de trabalhos que envolvem a discussão sobre população e meio ambiente, dando um panorama do que se tem produzido em termos dessa relação e a contribuição que isso pode ter para a análise das mudanças ambientais globais”.

Entrevista – Aruntho Savastano Neto

O que os olhos não vêem, o coração não sente. Essa é ainda a relação mais comum do homem com o lixo que ele próprio produz e que, em geral, é disposto bem longe do campo de visão da maioria, em aterros e lixões. Para a sociedade, fazer a sua parte é colocar o lixo num saquinho na porta de casa a fim de que ele desapareça “como num passe de mágica”, na analogia de Aruntho Savastano Neto, assessor executivo da Diretoria de Controle de Poluição Ambiental e gerente de Normatização de Ações de Controle da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). A companhia controla, fiscaliza, monitora e licencia as atividades geradoras de poluição dos municípios do estado de São Paulo. A tarefa é gerenciar nada menos do que 30 mil toneladas de lixo por dia. E diante da escassez de aterros e dos problemas ocasionados pelo acúmulo de lixo, como proliferação de doenças e contaminação do solo e das águas subterrâneas, o engenheiro fala da importância da preocupação da sociedade com o lixo gerado por ela mesma e prega o conceito dos três “erres”: reduzir, reutilizar e reciclar. É essa a proposta do Lixo Mínimo, programa do governo que visa, através do reaproveitamento, minimizar a geração de lixo.

Labjor – A Cetesb estima que o Estado de São Paulo produza cerca de 28 mil toneladas de lixo urbano por dia. Como é feita essa estimativa?

Aruntho – De fato, estimamos que o Estado gere essa quantidade, da ordem de 28 a 30 mil toneladas de lixo por dia. Nem todo município pesa seu lixo; então há município que pesa e sabe exatamente qual é o seu volume gerado e há aquele que não sabe. Para realizar essa avaliação, faz-se uma estimativa do lixo gerado em função da população obtida pelo senso do IBGE e se aplica uma taxa de produção diária por habitante sobre a população daquele município, e assim chegamos nesse valor estimado de 28 a 30 mil toneladas. O valor real pode ser um pouquinho maior, um pouquinho menor, mas o que interessa não é exatamente o número matematicamente preciso do volume gerado e sim como esse lixo é disposto.

Labjor – A Cetesb alerta que tanto a falta de tratamento desse lixo quanto a sua disposição final inadequada podem gerar problemas como a disseminação de doenças, a contaminação do solo e das águas subterrâneas e superficiais e a poluição do ar pelo gás metano. De que forma esses problemas podem ser evitados?

Aruntho – Esses problemas são evitados com a disposição adequada do lixo. Cabe à Cetesb o controle da poluição ambiental e a orientação aos municípios, mas a responsabilidade pela coleta e disposição final é municipal. E, dos 645 municípios do estado, nós ainda temos 143, segundo o Inventário Anual de Resíduos Sólidos Domiciliares de 2006, que dispõem de forma inadequada o seu lixo. E o que é inadequado e adequado? O Inventário, elaborado e publicado anualmente pela Cetesb, é construído a partir de um formulário com mais de 100 itens. Nós vamos ao local de disposição final do lixo – um aterro sanitário, uma usina de compostagem ou mesmo um lixão -, fazemos uma inspeção e preenchemos na hora esse formulário, atribuindo uma nota para cada um desses cento e poucos itens. Com base nessa verificação, através de uma fórmula muito simples de cálculo, nós atribuímos uma nota de zero a dez para aquele local. E dentro dessa faixa, nós os dividimos em três grupos: o grupo com nota de 0 a 6 é classificado como inadequado; o de 6,1 a 8,0 é classificado como controlado; e o com nota de 8,1 a 10 é classificado como adequado. Apesar de todos os esforços do Estado, incluindo recursos despendidos, 143 municípios paulistas ainda dispõem seu lixo de forma inadequada.

Labjor – O que são aterros adequados? E o que caracteriza um lixão?

Aruntho – Aterro adequado é um aterro sanitário que observa a boa prática de um projeto de engenharia associada à boa prática de operação desse projeto. Um projeto de engenharia pressupõe uma primeira fase que é a da sua implantação, da sua execução, sendo que tem que ser observada a boa prática, a técnica, legislação e o regramento existente para aquele tipo de empreendimento. Implantado esse aterro, vem uma parte muito importante que é o da operação. Não adianta ter somente um trabalho bem executado; na hora de operar, é preciso observar as boas práticas. O aterro adequado, que é esse classificado com nota maior que 8,1, reúne essas características. Ele é bem executado, de acordo com a lei, e é bem operado também. Toda a operação é acompanhada de cuidados e de práticas que preservam o meio ambiente e preservam a saúde, tanto do pessoal que trabalha lá quanto do pessoal do entorno. Já os lixões são locais de disposição sem qualquer controle. Ou então é algum aterro que por falta de cuidado na operação vai se deteriorando até atingir uma situação de descontrole e descuido.

Labjor – E os aterros têm um tempo limitado de vida útil?

Aruntho – Os aterros têm uma vida útil, isso é evidente. Podemos fazer um paralelo com uma caixa. Um aterro sanitário nada mais é do que uma caixa onde você está jogando lixo. Por maior que seja essa caixa, uma hora ela vai estar cheia e não vai caber mais nada dentro dela. O aterro é a mesma coisa, tem seu limite que corresponde à vida útil. E ele tem um agravante: é um local onde se concentram poluentes, que podem gerar um foco de uma contaminação, em que pesem todos os cuidados com impermeabilização, com compactação do leito do aterro, com implantação de manta e de material impermeável de alta resistência, etc. Não é por outro motivo que em alguns países do primeiro mundo já se estabeleceram limites de tempo muito próximos para banir a utilização de aterros. Aqui, nós sabemos que a nossa realidade cultural, social, econômica é outra. Nós ainda vamos conviver com aterros por algum tempo. E, para alguns locais, o aterro ainda é uma solução avançada porque não há, sequer, um aterro sanitário. Então não podemos perder de vista esses horizontes e temos que procurar avançar para alcançar essas situações de mais segurança, de menor risco, que já estão sendo praticadas em alguns locais do mundo.

Labjor – Os aterros continuam poluindo e contaminando após o fim da sua vida útil?

Aruntho – Eles continuam com a possibilidade de contaminar, eles são um foco com um risco de contaminação inerente a eles. O aterro vai continuar emitindo gás metano enquanto tiver matéria orgânica se decompondo. Mas existem outras questões, como o líquido percolado [chorume, produzido pela decomposição química e microbiológica do lixo] do aterro que pode atingir o solo. É preciso pensar em quanto tempo todo aquele lixo que foi segregado no solo vai demorar para se decompor a ponto de não oferecer mais risco ao ambiente.

Labjor – Existe um controle para evitar essa contaminação?

Aruntho – Sim. Existem mecanismos de controle. O projeto de implantação de um aterro prevê mecanismos de monitoramento para que se possa acompanhar a vida útil desse aterro mesmo depois de encerrada a operação, para que se possa acompanhar o comportamento daquele local com relação às águas subterrâneas, ao solo, e tudo mais. Se indicar qualquer tipo de problema, é preciso intervir para remediar ou intervir para evitar o agravamento de alguma situação.

Labjor – De maneira geral, qual é a situação atual dos aterros no Estado de São Paulo, considerando suas condições e vida útil?

Aruntho – Estamos alcançando melhoras significativas. A Cetesb faz o Inventário de Resíduos há 11 anos. De 1997 até 2006, a situação dos municípios melhorou 12 vezes. Tínhamos uma situação muito pior no começo e fomos alcançando bons resultados.

Labjor – Quais as causas desse progresso?

Aruntho – São ações que o governo empreendeu nesse período para alcançar resultados mais favoráveis, para reverter aquele quadro existente em 1997. Nós temos atribuições específicas de controle, de fiscalização, etc, mas multas e interdições não são suficientes, porque muitas vezes você se depara com municípios que têm a boa vontade de resolver o problema, mas não conseguem, seja por falta de recursos financeiros e/ou falta de recursos humanos. Então, nós desenvolvemos uma série de trabalhos no sentido de orientar as prefeituras e estabelecemos também alguns programas específicos, como a alocação de recursos para alcançar esse avanço. Eu destacaria entre esses programas, o Programa do FEHIDRO, que é o Fundo Estadual de Recursos Hídricos, no qual que a Cetesb atua como agente técnico dos Comitês de Bacia. Os municípios vão aos Comitês de Bacia, pleiteiam recursos para implantação de aterros e essas propostas vêm aqui para Cetesb que faz uma análise técnica e emite o seu voto. Tem um outro programa que é da própria Secretaria de Meio Ambiente (SMA) do Estado de São Paulo e da Cetesb, para a implantação de aterros em vala, específico para pequenos municípios com até 25 mil habitantes. É um tipo de aterro mais simples, de mais fácil execução, de fácil operação, que o município opera isoladamente. Com pouco recurso e pouca mão de obra se implanta e opera esse tipo de aterro. Não é um modelo ideal de aterro, porém é uma situação bem melhor do que um lixão. Há um outro programa, também da SMA e da Cetesb, que é o Fundo Estadual de Controle de Poluição, em que nós alocamos recursos para os municípios para o desenvolvimento de projetos de aterros e para compra de equipamento de coleta de lixo e de operação de aterros. Então, tem uma série de ferramentas que foram utilizadas no contexto da administração pública para incentivar a melhoria das condições dos municípios.

Labjor – E quais os planos para reverter a situação dos 143 municípios que ainda dispõem seu lixo de forma inadequada? Que outras políticas e investimentos estão previstos ou em execução?

Aruntho – Foi desenvolvido um programa, que é mais recente na SMA, que é o do Lixo Mínimo, que estabelece critérios para diminuir essa inadequabilidade verificada nesses 143 municípios. Estamos nos empenhando, prestando apoio e orientação às prefeituras e, ao mesmo tempo, adotando medidas mais enérgicas, como interdição, multas diárias, etc, para forçar a reversão desse quadro. Recentemente, em novembro, foi editada a Resolução SMA 50/2007, que estabelece regras, prazos e condições para os municípios apresentarem soluções para essa situação, perante a Cetesb e a SMA. Também estamos desenvolvendo estudos para fomentar a adoção de soluções regionais para a disposição de lixo em aterros sanitários que possam receber lixo de dois ou mais municípios, porque em algumas regiões não há condição técnica nem financeira de o município operar um aterro sanitário isolado, do próprio município. É mais fácil, mais conveniente e muitas vezes até mais barato operar um aterro em consórcio ou em associação com outros municípios que atenda uma determinada região. No contexto do programa Lixo Mínimo, estamos desenvolvendo também alguns programas específicos de educação ambiental que são muito importantes no sentido de educar a população. De um lado, disponibilizamos recursos, orientação, apoio técnico, e tudo mais, mas também estamos cobrando de forma mais enfática ações dos municípios para reverter essa situação que é inaceitável do ponto de vista sanitário. No século XXI, há disposição aleatória de lixo, com pessoas e animais convivendo com esta situação.

Labjor – Segundo a SMA, o Projeto Lixo Mínimo visa reduzir a geração de lixo e estimular a reutilização e a reciclagem, oferecendo apoio técnico e financeiro aos municípios para diminuir a demanda por novos aterros sanitários, que são, nos dias de hoje, uma solução ambientalmente inadequada. A implantação desse projeto é viável?

Aruntho – Eu acredito que sim, que esses projetos ambientais estratégicos são todos viáveis. Há condição de alcançar uma situação adequada do ponto de vista de disposição de lixo. E essa prática não é difícil. É desejável que os municípios e a sociedade se preocupem cada vez mais com isso. Todos têm a ganhar. Se não diretamente, indiretamente, nós ganhamos em saúde, em qualidade de vida e tudo mais. E alguns projetos ambientais estratégicos têm pontos de tangência, são entrelaçados. Por exemplo, o Projeto do Município Verde, que estabelece e controla a liberação de recursos para municípios, está vinculado à observância de boas práticas ambientais, no que diz respeito a lixo, área verde, esgoto sanitário. Então, há um ponto de tangência muito grande com o Programa do Lixo Mínimo. Uma coisa ajuda a outra a alcançar uma situação melhor. O projeto ambiental do Esgoto Tratado também tem um ponto de tangência grande com o do Lixo Mínimo. Na verdade, são esforços do governo para alcançar uma condição melhor, que se reverta em benefício para a sociedade. Mas o principal dessa história toda é que é necessário divulgar um conceito muito simples a respeito do lixo: o lixo é gerado por todos nós, as pessoas, a sociedade tem que ter isso incorporado, introjetado. Não é mágico colocar o lixo dentro de um saquinho de plástico lá na porta da minha casa para que o lixeiro promova a remoção, como num passe de mágica. O problema é da sociedade, é gerado pela sociedade. A prefeitura, o gari, o operador o caminhão de lixo, só recolhem o lixo. Quem gera o lixo é a população. Então, nós temos que ter essa consciência a respeito dessa questão. Nós temos que ter consciência para praticar um conceito muito simples, que é o chamado conceito dos três “erres”, que é reduzir, reutilizar e reciclar. Você tem que estar preocupado dentro da sua casa, na sua mesa de trabalho, no seu escritório, enfim, no local onde você trabalha e convive em reduzir a geração de resíduo e reutilizar tudo aquilo que tiver condição de reuso. Você tem que estar preocupado em separar o lixo que você está gerando, para permitir que pelo menos uma parte dele seja reciclável, evitando, por exemplo, contaminar papel com resto de comida ou com outro tipo de sujeira que inviabilize essa reciclagem. Acho que deveríamos ter como meta procurar divulgar isso cada vez mais para introjetar esses conceitos na consciência da sociedade, para reduzir a geração de lixo e aumentar a reutilização e a reciclagem.

Labjor – Reutilização e reciclagem são coisas diferentes?

Aruntho – Tudo que vira resíduo é um recurso que se joga fora, de maior ou menor valor, mas é dinheiro jogado fora, é recurso que a sociedade perde. Tudo que você consegue de alguma forma reutilizar ou reciclar é dinheiro, é recurso economizado, é benefício que se alcança e reverte. Se você usar uma folha de papel dos dois lados, você deixou de utilizar duas folhas de papel e você economizou uma folha de papel e vai por aí afora. Então, esses conceitos têm que estar introjetados; a coleta do lixo ou a disposição final não é mágica. É um trabalho, é uma prestação de serviço que advém de um problema que nós mesmos geramos. O lixo é gerado por nós. Esse é um conceito de educação ambiental que nós também tentamos abordar no projeto Lixo Mínimo. Uma das facetas desse trabalho é despertar essa consciência, porque por mais que nós consigamos locais para a implantação de aterros sanitários adequados ou mesmo locais para a instalação de usinas de tratamento de lixo com tecnologia mais avançada até do que os aterros, você vai ter cada vez mais, se ninguém se preocupar com a redução, você vai ter sempre que pensar em locais maiores, em maiores volumes de lixo, em maiores problemas para serem resolvidos.

Labjor – Sem a participação da sociedade, a execução do projeto Lixo Mínimo é possível?

Aruntho – É possível. Quanto mais você tiver a sociedade engajada e consciente da necessidade desse tipo de programa, mais fácil executar e conseguir êxito. E mesmo que a própria sociedade não faça a reciclagem e a redução na medida em que deveria fazer, o simples fato de ela estar consciente dessa necessidade ou dos problemas que podem advir da disposição inadequada do lixo já faz com que ela pressione o poder público local a tomar uma decisão, a obter uma solução mais adequada. Isso já seria um avanço. Então a participação da sociedade é fundamental para que a alcancemos uma situação mais desejável do ponto de vista sanitário.

Labjor – O que se pode fazer para mobilizar a sociedade?

Aruntho – Uma série de medidas de caráter de educação ambiental. Nós temos uma equipe específica de educação ambiental, que é especializada nessa área, trabalhando na propositura de projetos e de ações nesse sentido. A gente vê em outros países medidas que são eficazes no sentido de promover ações efetivas da sociedade. Por exemplo, em alguns lugares você compra uma garrafa de refrigerante embalada em pet, em plástico, e, quando você devolve a garrafa no ponto de venda, recebe uma parte do valor dela de volta. Quanto mais desvinculado de alguma infra-estrutura estiver o ponto de venda, maior a devolução. Isso motiva o consumidor que compra uma água em um quiosque isolado num parque a devolver aquela embalagem no quiosque ao invés de descartá-la de forma inadequada no ambiente. São exemplos que a gente pode copiar aqui, pois são coisas que dão bom resultado.