Nova técnica de imagem detecta variações em cérebro de autista

Nova técnica de neuroimagem, procedimento que permite visualizar o cérebro em funcionamento, foi aplicada por pesquisadores do Hospital Infantil da Filadélfia (EUA) em pacientes com autismo. O estudo indicou uma quantidade elevada de massa cinzenta em regiões do lobo parietal, região envolvida nos processos de aprendizagem por observação e interação com outras pessoas.

Uma nova técnica de neuroimagem, procedimento que permite visualizar o cérebro em funcionamento, foi aplicada por pesquisadores do Hospital Infantil da Filadélfia (EUA) em pacientes com autismo. O objetivo do estudo era identificar possíveis alterações morfológicas cerebrais que pudessem elucidar as origens da doença. Os resultados dessa análise mostraram variações no volume de neurônios em certas áreas do lobo parietal envolvidas nos processos de aprendizagem por observação e interação com outras pessoas.

Chefiados por Manzor Ashtari, os pesquisadores notaram que 13 crianças com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger (dois subgrupos da doença) possuem uma quantidade elevada de massa cinzenta em regiões do lobo parietal quando comparados a 12 indivíduos saudáveis. Para chegar aos resultados divulgados no último encontro anual da Sociedade Norte-americana de Radiologia foi utilizada uma técnica ainda inexistente no Brasil, chamada Diffusion Tensor Imaging (DTI, na sigla em inglês), que rastreia o movimento de moléculas de água no cérebro.

Graças a DTI os cientistas descobriram também que crianças autistas possuem um menor volume de massa cinzenta na amígdala, região do cérebro envolvida em processos emotivos, como por exemplo, uma situação de perigo. Segundo a pesquisa, essa diferença é responsável pela menor capacidade de interação social e reciprocidade desses indivíduos, comportamentos característicos do portador de autismo.

Lobo parietal e amígdala: regiões com alteração no volume de neurônios em autistas.
Fonte: Cnn e Wikipedia

Apesar dos achados do estudo norte-americano, o coordenador do Projeto Autismo do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), Estevão Vadasz, atenta que a baixa quantidade de pacientes estudados, 13 no total, prejudica a confiabilidade das conclusões da pesquisa. “O autismo não é uma única doença, mas sim um conjunto de síndromes e patologias com múltiplas etiologias. Pode até ser que certos pacientes sofram de alterações morfológicas no lobo parietal conforme mostra o estudo. Mas, por sua vez, outros têm problemas no lobo frontal ou desenvolvem macrocefalia [aumento no tamanho do cérebro e crânio] nos primeiros anos de vida. Na maioria dos casos, acredita-se que o autismo provenha do mau funcionamento de vários circuitos cerebrais correlacionados ao processamento de informações”.

Neurônios-espelho e as origens do autismo

Outro ponto levantado pela pesquisa com autistas diz respeito ao sistema de neurônios-espelho. Segundo Ashtari, a inabilidade da criança autista em se relacionar com outras pessoas e situações pode ser resultado do mau funcionamento dos neurônios-espelho em regiões do lobo parietal esquerdo.

Por neurônios-espelho compreendem-se múltiplos circuitos neuronais especializados em executar e compreender ações e intenções de outras pessoas, o significado social do comportamento delas e suas emoções. Diferentes sistemas de neurônios-espelho espalhados pelo cérebro são ativados, por exemplo, quando estendemos o braço para alcançar um objeto, quando o largamos sobre uma mesa, ou quando observamos uma pessoa executando essa mesma ação. Nesse último caso nosso cérebro simula mentalmente a ação visualizada e interpreta a intenção de quem a realizou.

Estudos indicam que os neurônios-espelho estão envolvidos na maneira como as crianças aprendem, no porque uma pessoa prefere certo tipo de pintura ou dança; ou na razão pela qual a violência em games pode contribuir para o desenvolvimento de jovens violentos.

Enquanto alguns cientistas buscam uma resposta para as origens do autismo no sistema de neurônios-espelho, o pesquisador brasileiro Estevão Vadasz fala de outras frentes de pesquisa. Atualmente, os principais estudos tratam a doença como um transtorno de origem genética. “Mais de 100 genes estão sendo pesquisados no momento. Os maiores centros de pesquisa do mundo acreditam que o autismo seja desencadeado pela ação simultânea de seis a oito desses genes”, afirma.

Há inclusive quem diga que as causas do autismo podem estar para além do cérebro. Uma das hipóteses trabalhada pela comunidade médica estuda o autismo como fruto da má absorção de nutrientes pelo sistema digestivo. Até não muito tempo atrás, em 1960, a maioria dos médicos creditava o surgimento do autismo na criança à falta de afetividade dos pais. Segundo Vadasz, nos dias atuais, principalmente na Argentina e na França, ainda há profissionais de saúde que trabalham com esta hipótese. Técnicas como a DTI poderão trazer novos elementos para se compreender essa síndrome que atinge, segundo as taxas de prevalência epidemiológicas aponta uma variação de 4 a 15 casos em cada 10 mil pessoas. O Brasil, lamentavelmente, não dispõe de estatísticas oficiais sobre o autismo.

Consumismo excessivo pode ser sinal de transtorno psiquiátrico

Compras excessivas podem ser sintoma de transtorno do comprar compulsivo (TCC), diz pesquisa do Instituto de Psiquiatria da USP, do Centro de Adição e Saúde Mental da Universidade de Toronto, no Canadá, e do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Iowa, nos EUA. Mulheres representam mais de 80% das amostras clínicas.

O problema do consumismo excessivo não é só o risco de endividamento. O ato de comprar repetitivo e fora de controle pode ser na verdade um sinal de doença. Esse é o tema de um trabalho realizado por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), do Centro de Adição e Saúde Mental da Universidade de Toronto, no Canadá, e do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. O foco da pesquisa é o Transtorno do Comprar Compulsivo (TCC), também chamado de oniomania, uma síndrome psiquiátrica persistente e universalmente predominante, que tem muito em comum com transtornos do controle do impulso.

O estudo foi feito com base nos artigos científicos sobre o TCC publicados nos últimos 40 anos. O trabalho, que será publicado na próxima edição da Revista Brasileira de Psiquiatria, menciona que o elemento chave da oniomania é a impulsividade. Suas vítimas, chamadas oniomaníacos, de maneira geral não conseguem evitá-la e em sua maioria (mais de 80%) são mulheres. Mesmo os que têm uma boa formação acadêmica apresentam dificuldades para perceber as conseqüências de sua compulsão. As preocupações e os impulsos da pessoa se voltam ao ato de comprar. De acordo com o artigo isso causa sofrimento, consome muito tempo, interfere no comportamento social ou ocupacional ou resulta em problemas financeiros como o endividamento ou falência.

Um dos autores do estudo, o psiquiatra Hermano Tavares, do Instituto de Psiquiatria da USP, conta que a vítima do TCC pensa tanto em como conseguir dinheiro para comprar que não se concentra no trabalho, passa muito tempo comprando, buscando crédito, pagando dívidas, sonhando com itens que quer comprar, ou culpando-se por ter comprado itens desnecessários, e negligencia família, profissão e tudo mais.

Esses sintomas são usados para diferenciar o TCC do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), no qual, segundo Tavares, o paciente fica tomado por excitação e euforia patológicas, fala muito, faz tudo muito rápido, faz tudo em excesso, inclusive comprar. “No TCC os excessos são concentrados nas compras e a perda de controle ocorre em períodos de humor normal, embora ‘porres’ de compras possam ser precipitados por ambos momentos de depressão ou euforia”, diz Tavares.

O que também dificulta o reconhecimento da doença é o fato de o TCC não fazer parte do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais nem da Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde. Segundo Tavares, essas omissões nos documentos também prejudicam o tratamento da enfermidade. Para ele, isso ocorre porque o diagnóstico ainda necessita de critérios objetivos que atinjam consenso entre os profissionais de saúde mental. “Por isso, é mais importante ainda apurar as formas de reconhecimento e aprofundar as pesquisas em tratamento”, diz ele. O pesquisador afirma que existem dados que sugerem melhora nos casos tratados da forma adequada.

Entre os medicamentos promissores, segundo o especialista, estão os antidepressivos fluvoxamina e citalopram, o anti-epiléptico topiramato e ainda o naltrexone, já utilizado no tratamento do alcoolismo. O efeito de certos agentes está associado às possíveis causas neurobiológicas do TCC apontadas no artigo, como alterações na transmissão neuronal (comunicação entres as células do cérebro) mediada por substâncias químicas.

De acordo com o psiquiatra, quem suspeita sofrer do transtorno do comprar compulsivo deve procurar um profissional de saúde mental treinado para diagnosticar e tratar compras compulsivas e outros transtornos do impulso como comer e jogar, por exemplo. “A associação entre esses transtornos é muito comum”, diz o pesquisador.

Segurança pública: entre avanços e recuos resta esperança

Coincidindo com a premiação com o Urso de Ouro do filme Tropa de Elite, o último número da revista Estudos Avançados da USP apresenta um dossiê sobre “crime organizado”. Nele, especialistas em violência e segurança pública apontam diversas contradições e avaliam que, entre avanços e recuos, resta esperança para a segurança pública no Brasil.

As cenas de violência exibidas em Tropa de Elite, filme brasileiro premiado com o Urso de Ouro no dia 16 de fevereiro, em Berlim, ilustram o pavor, a insegurança e a desconfiança que povoam o imaginário dos brasileiros em se tratando de segurança pública. Mas a esperança é a última que morre. Pelo menos o diretor, José Padilha, comentou na cerimônia de premiação que a boa recepção que o filme está tendo perante o público é sinal de que as pessoas “estão mandando uma mensagem: querem o fim da corrupção policial e da violência”.

Este desejo unânime movimentou também o dossiê sobre “crime organizado” lançado no último número da revista Estudos Avançados da USP. Especialistas em violência e segurança pública apontam contradições entre: a institucionalização da segurança pública como matéria de Estado e seu travamento político; a reconfiguração espacial da violência e as quedas nas taxas de homicídio; as políticas conservadoras de encarceramento e a humanização dos presídios; o avanço do crime organizado e o desafio da adoção de políticas democráticas. Os pesquisadores avaliam que, entre avanços e recuos, resta esperança para a segurança pública no Brasil.

No dossiê, quem apresenta uma postura mais otimista é Luiz Eduardo Soares, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing e secretário de Valorização da Vida e Prevenção da Violência de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Numa recapitulação da história recente da Política Nacional de Segurança Pública, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Soares vê um avanço contínuo, porém atravancado pelas condições políticas. Segundo ele, o mérito do governo FHC teria sido o de conferir à questão da segurança um status político superior, tendo firmado compromisso com a agenda dos direitos humanos.

Já o governo Lula teria apresentado uma proposta mais audaciosa, presente no Plano Nacional de Segurança Pública, que previa: a normatização do Sistema Único da Segurança Pública (Susp); a instalação de Gabinetes de Ação Integrada nos estados; e a desconstitucionalização das polícias, para que cada estado pudesse ter autonomia para definir o modelo de polícia que deseja, precisa e/ou pode ter. “Soluções uniformes não são necessariamente as melhores”, explica Soares. O plano firmava o compromisso de que segurança pública é matéria de Estado, não podendo ficar à mercê de querelas político-partidárias. O plano visava a reforma das polícias, do sistema penitenciário e a implantação de políticas preventivas e intersetoriais.

Ousado nas intenções, entretanto, o plano não teve continuidade. Como o calendário eleitoral anda mais rápido que o tempo exigido para que as políticas públicas comecem a dar resultados, a adoção do plano foi substituída por ações da Polícia Federal. Na avaliação de Soares, “por mais virtuosas que tenham sido, ações policiais não podem substituir uma Política de Segurança Pública”.

Membros da Força Nacional de Segurança Pública tomam posição durante operação para apreensão de drogas na favela da Grota, Complexo do Alemão, subúrbio do Rio de Janeiro. Foto: Sérgio Moraes/Agência Reuters. Revista “Estudos Avançados” da USP.

Apesar disso, um passo foi dado em agosto do ano passado, com a criação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). O programa, porém, passa ao largo da regulamentação do Susp. Ainda assim, Soares acredita que o Pronasci tem potencial para produzir bons resultados, mesmo que parciais e insuficientes.

Queda nas taxas de homicídio

Outra informação de certa maneira reconfortante é trazida por Sérgio Adorno, professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), e por Fernando Salla, pesquisador do mesmo núcleo: as taxas de homicídio no Brasil foram crescentes ao longo da década de 90, principalmente entre jovens com idade entre 15 e 24 anos. Entretanto, a partir de 2002, coincidindo com o início do governo Lula, “as taxas de homicídio vêm apontando declínio, nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo, cujas razões ainda não são bem conhecidas”.

Gráfico exibe evolução de homicídios no Brasil de 1994 a 2004.
Fonte: Revista “Estudos Avançados” da USP.

Uma possibilidade de explicação é a reconfiguração espacial da violência homicida no país, com a emergência de municípios com taxas de violência extremamente elevadas, maiores que as das capitais e regiões metropolitanas. Segundo Júlio Weiselfisz, diretor de pesquisa do Instituto Sangari, a violência acompanharia o processo de descentralização e desconcentração do desenvolvimento econômico do país. Mesmo assim, os dados de sua pesquisa – o mapa das mortes por violência – trazem certo alívio: enquanto o número de homicídios no país crescia de forma assustadora até 2003, com taxas em torno de 5,1% ao ano, “em 2004, a tendência histórica reverteu-se de forma significativa. O número de homicídios caiu 5,2% em relação a 2003, fato diretamente imputável às políticas de desarmamento desenvolvidas nesse ano”.

Desafios

Combater as condições sociais, políticas e institucionais que favorecem a existência e o crescimento do crime organizado e da violência a ele associada é o grande desafio para a melhoria da segurança pública. Em Tropa de Elite, o capitão Nascimento, personagem principal do filme, afirma que, para sobreviver, um policial tem que ser omisso, corrupto, ou “ir para a guerra”, o que justificaria ações de tortura praticadas por ele. Por isso, derrotar a corrupção no interior das corporações policiais faz parte deste desafio, já que as organizações criminosas reagem às atitudes do poder público.

Faixas com a sigla PCC (Primeiro Comando da Capital) estendidas pelos presos rebelados no Complexo Penitenciário do Carandiru.
Foto: Maurício Lima/Agência France Presse, Revista “Estudos Avançados” da USP.

Adorno e Salla comentam, por exemplo, que há indícios de que a formação e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, estejam relacionadas à política de encarceramento maciço, que aprofundou a superlotação nos presídios paulistas, e às medidas de isolamento, como a criação das unidades especiais e do Regime Disciplinar Diferenciado, praticadas pelos governos Covas e Alckmin. “O crime se modernizou; porém, a aplicação da lei e ordem persistiu enclausurada no velho modelo policial de correr atrás de bandidos conhecidos ou apoiar-se em redes de informantes. E tudo isso, a despeito dos enormes investimentos em segurança pública”, acrescentam eles.

Por um horizonte democrático

Por outro lado, Adorno e Salla lembram que essas medidas conviveram com a consolidação do Estado de Direito e a adoção de diretrizes democráticas, como as políticas de humanização dos presídios e a criação de Secretarias de Administração Penitenciária separadas das Secretarias Estaduais de Segurança Pública.

Para os pesquisadores, o crescimento do crime organizado está relacionado a fenômenos sociais novos, como o neoliberalismo, a globalização, o avanço tecnológico, a desregulamentação dos mercados, a flexibilização das relações e garantias de trabalho. Mas também com características históricas da sociedade brasileira, como a enorme pobreza e a ausência ou fragilidade dos direitos e da legalidade. Vera da Silva Telles, professora de Sociologia da USP e pesquisadora do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) e Daniel Hirata, do mesmo centro, pontuam que o crime organizado no Brasil é marcado por relações de identidade baseadas na pobreza e na vida nas fronteiras incertas da informalidade, da ilegalidade e do ilícito. Combatê-lo, neste sentido, depende muito da consolidação democrática do Estado de direito e da cultura dos direitos na vida cotidiana, e não só da política de segurança pública.