Acelerador de partículas ajuda a desvendar as origens do universo

Para o leigo, é difícil entender como é possível o estudo dos átomos, tão pequenos que não podem ser vistos nem com o auxílio de microscópios, ser associado a algo tão grandioso quanto a origem do universo. É o que fazem pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP.

Quando estudamos física ou química no colégio, com uma porção de fórmulas e teorias, é difícil imaginar como se chegou a esse conhecimento e quais as aplicações práticas ele pode originar. Difícil também é entender como é possível o estudo dos átomos, tão pequenos que não podem ser vistos nem com o auxílio de microscópios, ser associado a algo tão grandioso quanto a origem do universo. Entender melhor as reações químicas ligadas à evolução do universo é uma entre várias finalidades de pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP no estudo dos átomos.

Para estudá-los, é necessário o uso de um equipamento chamado “acelerador de partículas”, que permite acelerar os núcleos atômicos a energias suficientemente elevadas para que essas partículas possam colidir com outros núcleos e fazer reações nucleares, através das quais são estudadas as suas propriedades. Velocidades da ordem de um décimo da velocidade da luz são obtidas no acelerador de partículas do IF, chamado Pelletron, uma máquina eletrostática que armazena aproximadamente oito milhões de volts.

Em conjunto com o acelerador de partículas, também é possível usar um equipamento para produzir núcleos radioativos que não existem na natureza (e por isso, são chamados de exóticos), mas cujas reações nucleares induzidas por eles foram fundamentais na evolução do universo. Para isso, utiliza-se o sistema Ribras (feixes de íons radioativos no Brasil, na sigla em inglês), um seletor ou separador que serve para produzir feixes ou conjuntos de núcleos exóticos. Trata-se do único equipamento deste tipo em operação atualmente no hemisfério sul. “Os núcleos exóticos são núcleos instáveis, que podem durar alguns segundos ou menos, mas que têm importância muito grande na física nuclear e também em outras áreas”, explica Rubens Lichtenthaler, do Departamento de Física Nuclear do IF.

Apesar de ter um tempo de vida curto, os núcleos exóticos são muito importantes no universo, pois funcionam como uma espécie de catalisadores (facilitadores) de determinadas reações que produzem outros elementos estáveis. “A possibilidade de se estudar núcleos exóticos no laboratório mostrou a existência de uma série de fenômenos até então desconhecidos. Um exemplo é o fenômeno do halo de nêutrons”, diz Lichtenthaler. Esse fenômeno a que ele se refere é uma nuvem de grande extensão formada por nêutrons que giram ao redor do centro (ver matéria sobre o assunto na revista Pesquisa Fapesp).

“Outro exemplo é o da astrofísica nuclear, que estuda os processos nucleares que ocorrem nas estrelas e no Big Bang (a grande explosão que teria originado o universo). A descoberta dos núcleos exóticos teve um impacto muito grande nessa teoria, com conseqüências inclusive nos modelos cosmológicos que estudam a evolução do universo”, afirma o pesquisador. “Além disso, estudos na área de produção de energia e principalmente no re-processamento do lixo atômico estão sendo feitos em outros laboratórios pelo mundo e poderão ter futuramente um grande impacto na área de produção de energia”, complementa.

Linac é um outro acelerador de concepção diferente. “É uma máquina supercondutora que trabalha com altos campos magnéticos, e a variação controlada desses campos gera forças elétricas grandes que, como o Pelletron, aceleram as partículas”, explica Dirceu Pereira, pesquisador do Laboratório Aberto de Física Nuclear (LAFN) do IF.

O acelerador Linac já está montado, mas ainda há uma série de detalhes, principalmente referentes à montagem de equipamentos periféricos, que ainda necessitam ser finalizados antes do início das operações. “É necessário que em médio prazo tenhamos um acelerador de maior porte (mais energia nas partículas aceleradas), para termos uma abrangência maior para estudos de sistemas nucleares e, consequentemente, em nossos planos de pesquisa. O acelerador Linac, em fase de conclusão, é que viria a suprir esta expansão natural de nossas pesquisas”, acredita Pereira.

A física nuclear é importante no entendimento de vários fenômenos naturais, como, por exemplo, a produção de energia pelo Sol através do processo de fusão nuclear; a evolução do universo, onde as reações nucleares desempenham um papel fundamental; a produção de energia em reatores nucleares, através do processo de fissão nuclear, etc. Vários grupos de pesquisa do IF utilizam o acelerador para realizar experiências em física nuclear, parte delas voltadas para física básica e parte em física aplicada. O objetivo da física básica é compreender as leis da natureza. “As pesquisas em física básica, que geralmente não envolvem aplicações práticas imediatas, contribuem para o avanço do conhecimento científico e, em longo prazo, sempre resultam em importantes avanços científicos e tecnológicos”, diz Luiz Carlos Chamon, também do Departamento de Física Nuclear do IF.

Já na física aplicada, utilizam-se técnicas nucleares (detectores, métodos experimentais, métodos de análise de dados, fontes geradoras de íons e o uso de reações conhecidas) para aplicações em áreas como medicina, odontologia, datação arqueológica, metalurgia, etc. De acordo com Chamon, o Departamento de Física Nuclear do IF/USP tem realizado uma série de atividades importantes no contexto da física aplicada, tão diversos como a modificação de implantes dentários a fim de permitir uma melhor eficiência na sua instalação; estudos de objetos de arte e arqueológicos, auxiliando na restauração e minimizando custos de conservação; desenvolvimento de novas tecnologias na linha de nanotecnologia; datações arqueológicas e geológicas e estudos que visam descobrir a época da chegada dos primeiros homens no Brasil; e monitoração dos trabalhadores ocupacionalmente expostos à radiação ionizante, através do uso de monitores individuais de radiações X e gama.

Além do apoio institucional da universidade e de agências financiadoras como Fapesp, CNPq e Finep, o laboratório e seus pesquisadores têm colaborações com outros centros de pesquisa do Brasil e do exterior.

Problemas e desafios para o ensino de português

Apesar de termos uma única língua oficial, a variação lingüística no país é tão grande, que o ensino do português torna-se um verdadeiro desafio para os professores. Esse é um dos problemas analisados por uma tese de doutorado recém-defendida na Unicamp.

O Brasil é um país de dimensões continentais, unido pela mesma língua oficial, de norte a sul. Pelo menos é isso que a escola ensina. Mas basta entrar em qualquer sala de aula, de qualquer série em qualquer estado, para constatar que essa “língua única” não passa de um mito. De fato, a variação lingüística no país é tão grande, que o ensino do português torna-se um verdadeiro desafio para os professores. Esse é um dos problemas analisados pela tese de doutorado “A gente não quer ser tradicional, mas… como é que faz, daí?” – A inovação curricular e o debate popularizado sobre língua portuguesa e ensino, defendida no final de fevereiro no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.

A autora, a lingüista Clara Dornelles, examina as relações entre o debate popularizado nacionalmente pela mídia sobre língua e ensino – que muitas vezes enfatiza esse “português único” – e o que o professor encontra realmente dentro de uma sala de aula: uma língua viva, variada e que não está nos livros. Ela também avalia como essa questão é tratada nos cursos de letras, que formam professores de português.

A tese coloca em pauta uma questão perturbadora. Afinal, cerca de metade dos alunos que chega ao final do ensino fundamental possui sérios problemas de leitura e escrita, ou mesmo não sabe ler ou escrever, segundo dados do Ministério da Educação. A situação é muito mais complicada do que apenas discutir “onde mora o problema: no aluno ou no professor”, e extrapola os muros das instituições de ensino. “A cultura da aula de português como aula de gramática (decoreba de nomenclatura e análise mecânica de frases descontextualizadas) está muito impregnada na mentalidade das pessoas. Até mesmo aquelas que sofreram na juventude com aulas de português, que detestavam esse tipo de aula, quando adultas, acham que é assim mesmo que se faz e querem que essa tradição pedagógica seja preservada junto a seus filhos”, explica Marcos Bagno, lingüista e professor da Universidade de Brasília (UnB).

O que ocorre, muitas vezes, é a repressão da variedade lingüística dos alunos, criando-se uma barreira entre a língua que falam e aquela imposta pela escola. “É no ambiente escolar que o aprendiz descobre que a língua que ele fala pode se manifestar através de formas diferentes daquelas que já conhece, que traz de seu convívio social. Ele descobre que além de ‘as menina veio tudo’ também existe ‘as meninas todas vieram’. Para muitos alunos, essa descoberta é um choque, é quase tentar entender uma língua estrangeira”, diz Bagno.

“Na escola, o que se tem mostrado é que quanto mais se criam fronteiras rígidas entre oral e escrito, padrão e não padrão, mais difícil se torna para o aprendiz falante de variantes de menor prestígio transitar das formas e modos de raciocinar/agir/avaliar no uso da língua que lhe são mais familiares para as formas e os modos de raciocinar/agir/avaliar que está conhecendo na escola”, aponta Inês Signorini, do IEL, orientadora da pesquisa.

Mas não é apenas o aluno que sofre com o ensino tradicional de português: o professor também enfrenta uma situação delicada ao tentar lidar com tantas variedades lingüísticas dentro da sala de aula, com a pressão das escolas e dos pais que cobram o ensino tradicional, e com uma formação lingüística muitas vezes deficitária. A pesquisa de Dornelles aponta que o tratamento que se dá à questão da variedade lingüística nos cursos de letras é, na maioria das vezes, conservador, não preparando o professor para a realidade da profissão. “Tenho observado um esvaziamento cada vez mais visível do papel do professor enquanto agente institucional responsável pelo trabalho no ‘aqui e agora’ da sala de aula, ou seja, enquanto instância de produção (e não só de reprodução) e transformação do conhecimento em função de contextos específicos”, afirma Signorini.

Para preencher esse vazio, criam-se inúmeros mecanismos pedagógicos, como documentos oficiais de parametrização de currículos e programas, materiais didáticos em forma de roteiro de aula, computadores e outros aparelhos tecnológicos nas escolas, em vez de se investir na formação dos professores. “As condições de trabalho catastróficas dos professores impedem que eles se dediquem a preparar aulas, forçando-os a se limitar aos exercícios de análise sintática e decoreba gramatical que já vêm prontos nos livros didáticos”, diz Bagno. Apesar disso, muitos professores se esforçam para inovar, mas não possuem preparo adequado nem apoio da escola. Os que conseguem fazer algo diferente, incentivando o debate e propondo outras formas de se trabalhar com a língua, muitas vezes encontram forte resistência das instituições de ensino e dos próprios pais dos alunos, e acabam desistindo de seus projetos.

Reforma curricular

Frente a essa complicada situação, a proposta mais freqüente para se tentar resolver o problema é a reforma curricular. Mas, segundo Bagno, não é preciso mudar o currículo: basta seguir as diretrizes definidas nos documentos que vêm sendo produzidos pelo MEC desde 1997. “Nestes documentos, fica claro que o objetivo principal da aula de português é levar o aprendiz a se tornar um eficiente leitor e produtor de textos. E, por incrível que pareça, a pessoa só aprende a ler e a escrever… lendo e escrevendo! Com isso, sobretudo nos primeiros anos de escolarização, a escola deveria se concentrar ‘apenas’ em fazer isso: ler e escrever”, afirma. “Além disso, o ensino, em vez de reprimir a fala autêntica dos alunos, deve partir dessa fala, desse conhecimento lingüístico poderoso que eles já têm, para ampliar seu repertório lingüístico”, completa.

“Talvez a questão imediata não seja a de introduzir ou retirar itens do currículo. Talvez o mais urgente seja se tentar estabelecer localmente etapas de um plano de educação lingüística para os alunos daquela escola, daquela série ou turma. O que significa dizer, encarar de fato a questão da heterogeneidade sociocultural e lingüística do país”, explica Signorini.

De qualquer forma, para uma mudança efetiva e eficaz, é preciso investir no professor, desde sua formação. “O primeiro passo é garantir aos professores uma boa formação, para que saiba reconhecer esses problemas socioculturais e para que tenha instrumental teórico e pedagógico para enfrentá-los”, aponta Bagno. “Para isso, é preciso urgentemente criticar e reformular de modo radical os cursos de letras de todo o Brasil. Do modo como estão estruturados, eles não servem para nada. Os estudantes são bombardeados com teorias e teorias, que aprendem mal e superficialmente, e não recebem aquilo que de fato interessa para a formação docente”, conclui.

Imagens de satélite estão mais acessíveis para cientistas e cidadãos

Preço mais baixo e acessibilidade tornam as imagens produzidas por satélites ferramentas de trabalho e de lazer. As imagens são usadas em estudos de planejamento urbano, saúde, educação, meio ambiente e agricultura,. O cidadão comum, por necessidade, curiosidade ou lazer, usa as imagens ou os mapas de qualquer lugar da Terra para localizar endereços, informar-se sobre o clima e fazer roteiros de viagens.

Disseminação da tecnologia e preços mais acessíveis tornaram as imagens de satélites ferramentas usuais para cientistas de diversas áreas e até para o cidadão comum que pode localizar pela internet endereços de ruas com as imagens captadas do espaço. Os pesquisadores também estão utilizando as ferramentas públicas da rede mundial em seus trabalhos. É o caso da antropóloga Denise Schaan, da Universidade Federal do Pará e presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Ela usa a ferramenta Google Earth na busca de novas ocorrências de sítios arqueológicos conhecidos como geoglifos e que estão espalhados por uma área de 270 quilômetros entre Xapuri e Boca do Acre, no Acre. O Google Earth combina os recursos de pesquisa do Google com imagens de satélite, mapas, terrenos para fornecer informações geográficas do mundo todo.

O biólogo e especialista em gestão ambiental, Leandro Luiz Giatti, da Fiocruz-Amazonas, usou imagens de satélites para mapear as fontes de água em Iauaretê, uma área indígena em São Gabriel da Cachoeira (AM) no intuito de descrever as condições sanitárias e socioambientais de seus habitantes. “Iauaretê é uma área indígena na Amazônia brasileira que se destaca pela concentração populacional”, diz Giatti. Foram construídos mapas-falantes; realizadas entrevistas; estudos da disposição de resíduos sólidos; localização, amostragem e análise da água de consumo humano; e aplicação de técnica de georeferenciamento (correção das imagens coletadas). A pesquisa mostrou que 89,2% das 65 amostras de água analisadas, estavam contaminadas.

Graças aos investimentos do Brasil na construção de dois satélites em parceria com a China, as imagens geradas por esses equipamentos podem ser fornecidas gratuitamente ao cidadão comum, segundo explica o geógrafo Heleno Bezerra da Silva da Embrapa Cerrados, do Distrito Federal,. Os Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres, (CBERS, sigla em inglês) 1 e 2 custaram 150 mil dólares e o Brasil participou com 30% desse valor. Esses satélites, lançados em 1999 e 2003, respectivamente, orbitam a 778 km da Terra e geram imagens utilizadas nos setores de agricultura, meio ambiente, recursos hidrológicos e oceânicos, florestas, geologia entre outros.

Segundo Silva, uma imagem de satélite pode ser usada para comparar duas situações diferentes no tempo e espaço. Uma antes do acontecimento e outra depois. Um programa de computador compara imagens obtidas, por exemplo, com 16 dias de diferença e permite apontar em quais localidades os pontos verdes (matas) são substituídos por outras colorações, que indicam a ocorrência de queimadas, retirada de madeira, plantações de soja, pecuária extensiva, etc.

O uso de imagens de satélite também pode ajudar a salvar vidas em casos de catástrofes, no planejamento da ocupação do território ou na formulação de planos de emergência e monitoramento. Segundo, Leonardo Rios, doutor em Ciências Ambientais pela USP de São Carlos, em casos de enchentes, o que pode ser feito é um estudo prévio de áreas que podem ser afetadas por enchentes através da sobreposição de imagens de satélites. Dados históricos de enchentes podem ser levantados para fazer modelos de previsão em SIGs (sistemas de informações geográficas). Um exemplo de utilização desse recurso pode ser encontrado no site do programa de SIG Idrisi: http://www.idrisi.com.br/.

Entretanto, dependendo da aplicação, as imagens do espaço podem não ser tão acessíveis.. Para se obter fotografias de objetos de cerca 30 metros em áreas urbanas, por exemplo, o interessado terá de desembolsar mil reais por quilômetro quadrado, (preço pelos serviços do satélite japonês Ikonos) e, segundo explica Silva, as imagens podem demorar até um mês para ficarem prontas. Para se ter uma idéia de quanto custa utilizar essa tecnologia do espaço o site da Engesat divulga os valores de serviços de satélites.

Leonardo Rios, da USP, aponta ainda outros obstáculos mais prosaicos para o uso desses equipamentos. Um simples céu encoberto, por exemplo, bloqueia as imagens fotográficas, e os sensores tipo radar, que não dependem do clima, ainda não apresentam boa qualidade em imagens de áreas reduzidas. Além dos problemas de ordem técnica, Rios aponta duas outras limitações importantes, o baixo investimento feito no Brasil para a implantação de sistemas de informações geográficas e a falta de pessoal qualificado no setor público. “Esses profissionais poderiam auxiliar nas tomadas de decisões do governo utilizando bases técnicas e não somente políticas”, critica Rios.