Inovação tecnológica aumenta eficiência em células a combustível

O químico Marcelo Carmo, do IPT, desenvolveu em seu doutorado um estudo de materiais poliméricos que auxiliam a troca de prótons dentro da célula a combustível, aumentando a eficiência do processo eletroquímico em aproximadamente 60%.

O químico Marcelo Carmo, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo, desenvolveu em seu doutorado um estudo de materiais poliméricos que auxiliam a troca de prótons dentro da célula a combustível, aumentando a eficiência do processo eletroquímico em aproximadamente 60%. Os polímeros são macromoléculas formadas pela união de substâncias simples, que formam diferentes materiais – no caso desta pesquisa, diversos tipos de plástico. E a célula a combustível é uma tecnologia que utiliza o hidrogênio e o oxigênio para gerar eletricidade, ou seja, uma espécie de bateria elétrica. Ela é vista como um possível futuro das baterias de celulares, notebooks, mp3 players, entre outras aplicações.

Por serem alimentadas com um combustível externo, as células a combustível, ao contrário das pilhas e baterias convencionais, têm autonomia e potência muito maiores. Além disto, esta é uma tecnologia mais limpa, pois não descarta metais pesados, mas simplesmente água, se o combustível for hidrogênio e oxigênio; ou água e CO2, se alimentada com metanol e oxigênio. Por isso, atualmente existe muita pesquisa em torno desta nova opção tecnológica. Em parceria do IPT e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), a partir do estudo de Carmo, pesquisadores inseriram cadeias poliméricas condutoras de prótons em uma superfície de carbono que contém nanopartículas de um metal nobre (platina e/ou rutênio), o catalisador (ou facilitador) da reação.

“As pesquisas procuram focar em pontos distintos do sistema e entender como alterações em cada um deles alteram a eficiência do mesmo. No nosso caso, procuramos facilitar a troca protônica [ou seja, de prótons], uma das variáveis do sistema”, conta Carmo, autor da tese de doutorado que resultou nas inovações. A célula a combustível do tipo PEM (do inglês Próton Exchange Membrane) utiliza uma membrana polimérica condutora de prótons. Em cada lado, é acoplado um eletrodo, condutor através do qual se fornece ou se retira corrente elétrica de um sistema, onde ocorrem as reações. O sistema é fechado com as placas de grafite (carbono) que atuam como distribuidores dos combustíveis reagentes e como coletores da corrente elétrica produzida pelas reações eletroquímicas. Por fim, o sistema é ligado eletricamente a um dispositivo externo, fechando o circuito elétrico.

“Numa bateria ou pilha comum, o eletrólito [condutor elétrico] é uma solução líquida, enquanto na célula a combustível do tipo PEM, ele é um polímero, uma ‘folha de plástico’, que quando hidratado, só conduz os prótons. A membrana é um isolante, para que os eletrodos não se encostem e o sistema entre em curto, por isso ela só deve permitir a troca de prótons. A ativação da superfície do carbono, suporte do catalisador, com as cadeias poliméricas, facilita exatamente esse deslocamento dos prótons, devido às suas propriedades condutoras de prótons”, explica o pesquisador.

A troca protônica é um dos pontos chave do sistema. Os prótons produzidos na superfície do catalisador precisam ser eficientemente conduzidos até a membrana. Quanto mais rápido eles completarem esse trajeto, mais espaço livre haverá para que novas reações aconteçam no catalisador, resultando em maior rendimento. Os prótons, que ficam ligados à platina, precisam se deslocar ou serem conduzidos para o outro lado da célula, a fim de participar de uma segunda reação, com o oxigênio, para dar continuidade ao processo de funcionamento da célula. Como produto final, obtém-se água e calor (no caso da utilização de hidrogênio e oxigênio) e água, dióxido de carbono e calor (no caso de metanol e oxigênio).

Marcelo Carmo acredita que o primeiro nicho de mercado que as células a combustível irão atingir serão o de dispositivos portáteis, como laptops, mp3 players e celulares, pois o custo de uma bateria convencional e o de uma célula são semelhantes. E esta última tem outras vantagens, como a potência e a durabilidade da carga que são muito maiores. Os grandes fabricantes já pesquisam a tecnologia, especialmente pelo fato de os aparelhos terem cada vez mais aplicativos, memória, displays coloridos, e o consumo de bateria ser muito maior. Existe, portanto, a demanda por sistemas mais eficientes.

Samsung, Toshiba, HP, entre outros, já possuem vários protótipos de aparelhos que funcionam usando células de combustível. O maior desafio para os fabricantes é a segurança, já que laptops, por exemplo, esquentam bastante e a célula a combustível contém metanol, o que gera risco de incêndio. Há também, uma busca por uma solução para o vapor de água, o produto final da reação eletroquímica. As empresas acreditam que em 2009 já existam no mercado aparelhos com a tecnologia. A Samsung tem um modelo de computador portátil em estudo funcionando com células a combustível que pode funcionar por um mês sem ser recarregado.

O estudo brasileiro com polímeros gerou duas patentes nacionais e uma internacional recentemente depositada no Patent Cooperation Treaty (Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes). Participaram desse trabalho o IPT (por meio do programa Novos Talentos), e o Ipen, em colaboração com o professor Marcelo Linardi, da Universidade de São Paulo, além da parceria com a Universidade Técnica de Darmstadt e o Instituto do Hidrogênio para Tecnologia Aplicada (ambos da Alemanha). O estudo integra o Programa de Investigação Tecnológica (PIT) da Fapesp e o “Pró-H2”, Programa Brasileiro de Células a Combustível, do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Para saber mais: Célula Combustível (em AmbienteBrasil)

Células-tronco de outras origens não substituem as embrionárias, diz cientista

Centros de pesquisa brasileiros avaliam os benefícios da terapia com células-tronco da medula óssea em portadores de doenças cardíacas. Hematologista do Incor diz que pesquisas com as células embrionárias também são necessárias e que a discussão que mantém a proibição do uso está deixando de lado as questões técnicas.

Enquanto o uso de células-tronco embrionárias aqui no Brasil continua proibido, nossos cientistas fazem o que podem com células-tronco de outras origens. Em um artigo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, o médico hematologista e doutor em cardiologia Isolmar Schettert, do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto Nacional do Câncer (Incor), fala do Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias – EMRTCC. O objetivo do EMRTCC é avaliar clinicamente os benefícios da terapia com células-tronco da medula óssea em portadores de doenças cardíacas.

Iniciado pelos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia, o EMRTCC é mantido através de uma parceria entre o Incor, em São Paulo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na Bahia, e a Universidade Federal e o Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras, ambos do Rio de Janeiro. Para cada uma das quatro doenças cardíacas estudadas – miocardiopatia dilatada, doença isquêmica crônica, infarto agudo do miocárdio e cardiopatia chagásica (da doença de Chagas) – o EMRTCC pretende avaliar possíveis progressos obtidos em 300 pacientes. O foco da análise é a melhora da função cardíaca e da área isquêmica (na qual o suprimento sangüíneo se encontra comprometido). O estudo ainda está em andamento, mas seu término está previsto para este ano.

Porém, ainda que as perspectivas desse estudo sejam promissoras, as células-tronco da medula óssea não substituem as embrionárias humanas. Segundo Schrettert, as células da medula óssea podem melhorar o quadro clínico ao reduzir a inflamação e formar novos vasos sangüíneos, por exemplo. Entretanto, não há evidências de que elas sejam capazes de se transformar em células cardíacas, como fazem as células-tronco embrionárias.

Schrettert lembra ainda que somente estudos feitos com células-tronco embrionárias podem desvendar diversos fenômenos biológicos cuja compreensão é de suma importância para o progresso das pesquisas – como o mecanismo pelo qual uma célula se multiplica e dá origem a diferentes tecidos. “Para esse tipo de análise, não adianta se basear em modelos animais, uma vez que eles não representam de forma fidedigna o que acontece com as células humanas”, diz ele.

O hematologista acrescenta que, há cerca de um século, o perfil de doenças era totalmente distinto do que é hoje. Para ele, com o aumento da expectativa de vida e talvez até por evolução da espécie humana, esse perfil mudou tanto que não houve tempo para que a indústria farmacêutica se preparasse para as doenças degenerativas. Por isso, existem bem poucos tratamentos eficazes para essas doenças, que podem ocorrer em diversos tecidos, como o cardíaco, o hepático e o neural. “Tanto é que o tratamento que nós temos é o transplante: de coração, de fígado, etc”, diz Schrettert.

Por isso, o pesquisador critica a proibição do uso das células embrionárias. Em suas palavras, essa discussão “está sendo essencialmente dogmática e está fugindo do âmbito técnico”. “Nossa espécie está vivendo mais, aumentando muito sua expectativa de vida e em total despreparo para lidar com a situação”, diz ele. “Tornar a discussão das células-tronco embrionárias uma questão essencialmente dogmática é ver de uma forma muito parcial tudo que está se passando”, critica.

Modificação genética de bactéria aumenta produção de hidrogênio

Cientistas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, conseguiram manipular geneticamente a bactéria Escherichia coli, conhecida por contaminar alimentos e causar doenças, e transformá-la numa fonte de hidrogênio, apontado atualmente como o combustível do futuro.

Um microorganismo há bastante tempo conhecido como transmissor de doenças pode vir a ser um importante aliado na geração de energia. Cientistas da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, conseguiram manipular geneticamente a bactéria Escherichia coli, conhecida por contaminar alimentos e causar doenças, e transformá-la numa fonte de hidrogênio, apontado atualmente como o combustível do futuro.

A equipe de cientistas apagou seis genes específicos do DNA da bactéria e a alimentou com açúcar. Desta forma, os pesquisadores aumentaram em mais de cem vezes seu processo natural de conversão de glicose em hidrogênio por meio de fermentação. O resultado foi a produção de uma linhagem da bactéria capaz de produzir 140 vezes mais hidrogênio do que acontece no processo biológico normal. “Nós já sabíamos que a E. coli produzia hidrogênio, mas a quantidade que poderíamos fazê-la fabricar foi uma surpresa”, diz Gönül Vardar-Schara, integrante da equipe, em entrevista à ComCiência.

Os pesquisadores do Texas vinham há algum tempo realizando pesquisas com manipulação genética de microorganismos para a fabricação de hidrogênio. Este é o mais abundante e mais leve elemento conhecido, e tem um grande potencial para ser a fonte de energia do futuro: ele não polui, e as pesquisas para aumentar o seu rendimento estão evoluindo cada vez mais. A bactéria E. coli foi escolhida para a pesquisa por ser um microorganismo fermentativo – ou seja, ela produz hidrogênio através do processo de fermentação, e não pelo processo de fotossíntese.

Isso foi uma vantagem para o trabalho: o processo de fermentação produz mais hidrogênio do que o de fotossíntese; não depende da disponibilidade de luz; utiliza fontes de carbono variadas, como compostos orgânicos (dejetos); requer menos energia e é tecnicamente mais simples e estável se comparado com a fotossíntese. “Escolhemos trabalhar com a E. coli, pois possui muitas vantagens, como crescimento rápido e requerimentos nutricionais simples. Também porque são microorganismos fáceis de se manipular geneticamente”, aponta Thomas K. Wood, chefe da equipe de pesquisadores.

Trabalhar com microorganismos – especialmente bactérias, que são automaticamente associadas a doenças pela população – pode causar preocupações a respeito dos riscos para saúde que eventualmente poderiam trazer. Porém, a equipe afirma que a manipulação genética não produziu nenhuma espécie de super-bactéria – muito pelo contrário. De acordo com os pesquisadores, ao se apagar os genes do DNA da bactéria, ela se tornou menos competitiva e, conseqüentemente, menos perigosa.

“Trabalhamos com bactérias E. Coli geneticamente modificadas há anos, e é muito improvável que a transformemos num organismo perigoso à saúde através dessa modificação: ao contrário, elas são ainda mais seguras devido a isso, pois praticamente diminuímos seu risco à saúde”, tranqüiliza Wood.

Futuro

O processo de produção biológica de hidrogênio é promissor, mas os pesquisadores afirmam que ainda serão necessários muitos estudos antes de haver uma aplicação prática para a pesquisa. Existem muitos desafios a serem superados, como o de aumentar o rendimento das bactérias. Atualmente, são necessários 80 kg diários de açúcar para alimentar os microorganismos e conseguir que produzam hidrogênio suficiente para fornecer energia para uma residência média.

“O grande desafio agora é diminuir esse consumo de açúcar de 80 kg para 8 kg, e também fazer com que essa produção seja mais rápida”, aponta Toshinari Maeda, que também integra a equipe. “Os próximos desafios são criar modos de obter glicose de massas de plantas baratas e de dejetos de indústria”, completa Vardar-Schara.

O estudo avança em uma época que se aposta cada vez mais no hidrogênio como fonte de energia do futuro. “Nós realmente precisamos fazer essa transição de combustível para o hidrogênio, já que os tradicionais – petróleo e gás – estão acabando”, diz Wood. Usar esse elemento como combustível não só ajudaria a resolver a crise energética atual, como também seria a resposta para muitas questões ambientais. Afinal, sua utilização é totalmente limpa, não havendo emissões de partículas como monóxido de carbono, dióxido de carbono e óxidos de enxofre, que são responsáveis por problemas ambientais, como o aquecimento global, e por problemas de saúde, como alergias respiratórias.

A manipulação genética da bactéria E. coli vai ao encontro dessa tendência mundial, pois pode aumentar e baratear a produção de hidrogênio e ainda resolver uma das questões mais debatidas – e caras – sobre seu uso: o transporte e o armazenamento do elemento. Com a produção biológica do combustível, é possível controlar a quantidade de produção de hidrogênio.

Todos esses fatores contribuem para que a equipe de pesquisadores fique muito animada, apesar do longo caminho que ainda tem no futuro próximo. “Ainda temos de 5 a 10 anos de pesquisa pela frente, mas tudo bem. Afinal, a melhor parte do estudo é que não será preciso gastar bilhões de dólares para estocar hidrogênio, já que o mesmo será fabricado de acordo com a necessidade de cada um”, conclui Wood.