Aprendizagem: desafio à efetiva inclusão escolar

Não basta acesso e permanência na escola para garantir a tão aclamada inclusão educacional. Um projeto de recuperação, com enfoque na aprendizagem, desenvolvido por professoras de uma escola municipal de Campinas, traz propostas simples que querem garantir uma inclusão efetiva. Uma pesquisa sobre o projeto foi conduzida por pesquisadora do Nepp da Unicamp e a proposta foi selecionada, mês passado, como inovadora pela rede Innovemos da Unesco.

Durante muito tempo, dois problemas eram considerados o “calcanhar de Aquiles” da educação brasileira: o fracasso escolar, devido ao abandono precoce da escola pelos alunos e à repetência; e, em decorrência disso, a falta de vagas para todas as crianças em idade escolar. Segundo Cibele Yahn, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp, muito esforço foi feito nos últimos anos para “’empurrar o fluxo pra frente’, através, por exemplo, de medidas como o programa de ciclos e a progressão continuada”. Com isso, a universalização do ensino foi alcançada, mas esse avanço ainda é insuficiente, segundo Yahn, porque “antes a criança repetia e não aprendia, agora ela passa de ano e não está aprendendo”.

A discussão sobre educação no Brasil mudou depois de alcançada a universalização do acesso ao ensino fundamental. A meta de inclusão, que antes girava em torno do acesso das crianças à escola e da sua permanência no sistema passou a se voltar para o aprendizado. “Universalizou-se o acesso porque se trouxe as crianças pra dentro da escola. Mas e o que se faz dentro da escola?”, pergunta Yahn. Para a pesquisadora, “ter acesso é o primeiro passo da inclusão, mas está muito longe de ser uma inclusão efetiva. Uma inclusão efetiva requer oferecer condições de aprendizado para as crianças. O acesso e a permanência são passos para a inclusão, mas a partir daí ainda resta a pergunta: ‘elas estão aprendendo ou não estão aprendendo?”.

A pesquisadora comenta que, diante dos resultados mostrados pelas avaliações de desempenho, que têm sugerido uma deficiência no aprendizado geral dos alunos, algumas iniciativas municipais e estaduais (como em Campinas e no estado de São Paulo) têm sido tomadas para definir currículos e conteúdos mínimos que os alunos devam adquirir ao final de cada série. A adoção de políticas focadas na aprendizagem visa atender às novas exigências e às novas noções de qualidade e inclusão na educação.

O simples que funciona

Cibele Yahn coordenou uma pesquisa sobre projeto visando a recuperação de deficiência na aprendizagem de crianças do ensino fundamental. O projeto foi selecionado, em março deste ano, pela Rede de Inovações Educativas para América Latina e Caribe (Innovemos) da Organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Foi desenvolvido por três professoras, de segunda e terceira séries, da Escola Municipal de Ensino Fundamental “Professora Dulce Bento do Nascimento” de Campinas, a partir de uma avaliação diagnóstica solicitada pela prefeitura, que identificou os alunos que iniciariam o ano letivo com defasagem em leitura e escrita.

Com horas extras de acompanhamento focado na aprendizagem dos alunos, elas conseguiram reverter uma situação de defasagem em português e matemática que poderia se tornar bastante problemática no longo prazo. Este resultado não só atende à forte demanda por qualidade no ensino, principal discussão quando se fala em educação hoje, como enfatiza uma noção que vem ganhando força: a de que a inclusão educacional requer mais do que o acesso e a permanência das crianças na escola, mas o seu efetivo aprendizado.

Segundo o depoimento da mãe de uma das alunas que iniciou a recuperação, “ela estudava na escola do Campo Belo, fez a primeira e a segunda série lá. Mas ela não estava aprendendo nada, o caderno dela só tinha rabisco”. A própria aluna complementa: “Quando eu estava lá eu pensei: ‘desse jeito eu nunca mais vou aprender’, e pedi para minha mãe: ‘Mãe, muda eu de escola?”. Cibele Yahn comenta também que, ao entrevistar esta aluna, ela disse não se lembrar do nome das professoras, “ou seja a escola não estabeleceu com ela vínculo nenhum”, avalia a pesquisadora. A criança estava na escola havia dois anos, não faltava, não atrasava, mas não tinha uma aprendizagem dentro dos parâmetros estabelecidos como satisfatórios. Yahn define essa situação como “armadilha da inclusão”: “ela estava totalmente excluída, mesmo dentro do sistema”. Para a pesquisadora, há o risco de crianças com defasagem na aprendizagem, como esta, serem tratadas como portadoras de necessidades especiais, quando não é este o caso.

No período extra de dedicação aos alunos, as professoras utilizaram desde métodos tradicionais, como a cartilha, até outros mais modernos, com materiais diversificados. Eles foram acompanhados, observados e avaliados periodicamente, segundo um critério simples de classificação: pré-silábico, silábico e alfabetizado. Segundo Yahn, a iniciativa das professoras “não tem mistério: é uma hora a mais de estudo, com uma atenção mais direta, focada no aluno e no seu aprendizado, acreditando nas possibilidades daquele aluno e dando as condições básicas para que ele aprenda”. Devido a essas características, o projeto foi considerado uma experiência inovadora pela Unesco. Embora simples, e com resultados considerados efetivos, a adoção de tais medidas não é padrão no Brasil.

A pesquisa realizada por Yahn mostrou que, ao término do primeiro semestre, todos os alunos estavam alfabetizados. Ao fim do ano, alguns alunos da terceira série estavam prontos apenas para acompanhar plenamente a terceira novamente, mas tinham zerado o déficit anterior; outros estavam efetivamente prontos para freqüentarem a quarta, porém outros, nem tanto: precisariam ter mantido o acompanhamento da recuperação no ano seguinte. Este é um problema, aponta a pesquisadora, quando se tem uma iniciativa particular, e não uma política adotada pela escola ou pela rede municipal, estadual e/ou federal. A falta de continuidade compromete a sua eficácia. No caso, o sucesso desta experiência local pautou mudanças na política municipal da cidade de Campinas. O plano de cargos para os docentes da rede, que entrou em vigor este ano, criou a carga-horária-pedagógica (CHP): três a quatro horas semanais dedicadas exclusivamente aos alunos e à melhoria de sua aprendizagem. Além disso, o projeto foi apresentado na semana passada em um seminário organizado pela rede Innovemos no Chile, visando à troca de experiências inovadoras em educação.

Questão indígena na escola não desperta interesse da mídia

Resultado da mobilização social, a lei que recupera a questão indígena despertou pouco interesse da mídia. Especialistas acreditam que, com sua implantação, há possibilidade de ganhar visibilidade.

Sancionada em 10 de março de 2008, a Lei 11.645 inclui o ensino da história e da cultura indígenas no currículo oficial do ensino. Em 2003, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) já havia sido modificada pela lei 10.639, para incluir no currículo o ensino da história e cultura afro-brasileira, deixando de lado, no entanto, a questão indígena. Apesar de ser resultado de ampla mobilização social, a nova lei despertou pouco interesse da mídia.

Na opinião do secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC), André Lázaro, a repercussão na mídia ficou muito aquém do esperado, mas ele acredita que aos poucos sua implementação irá despertar o interesse. De acordo com ele, o trabalho desenvolvido pelo MEC junto às comunidades gerou materiais tanto para as comunidades, quanto para a formação de professores. Lázaro explica que a capacitação dos professores será feita, em um primeiro momento, utilizando o material que já está disponível no site Domínio Público.

A intenção da secretaria é convidar as comunidades indígenas e indigenistas para a produção de material novo, que mostre o passado e o presente. “É um modo da sociedade brasileira abraçar e valorizar a identidade indígena no Brasil”, explica o secretário. Essa é também a opinião do historiador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), John Manuel Monteiro. “Acredito que um elenco mínimo deveria incluir: as questões da diversidade, no passado e presente; as formas como os índios enfrentaram os desafios da conquista, recolocando o problema da ‘conquista’; e a participação de atores indígenas na história, seja como rebeldes, trabalhadores, soldados ou habitantes das aldeias, vilas e cidades”, argumenta Monteiro.

De acordo com a pesquisadora do Instituto Socioambiental (ISA) e do Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Unicamp, Marta Maria Azevedo, conhecer as culturas e a história desses povos é importante para conhecer a nossa própria história, a nossa formação atual. “Para entendermos como nós somos hoje precisamos entender o que herdamos dos povos indígenas e dos povos africanos, porque essa herança, embora seja desconhecida, está nas nossas relações sociais, na nossa cultura musical, literária, etc. Essa lei vem justamente corrigir um pouco essa distorção”.

Da mobilização à Lei

Monteiro explica que não foi a lei 11.645 que criou a idéia de inclusão da história indígena no currículo do ensino médio e fundamental. De acordo ele, “essa lei captou um movimento que já vinha se adensando ao longo dos últimos 25 anos, no qual pesquisadores, educadores e autores de livros didáticos e para-didáticos propuseram uma ampla revisão na maneira pela qual se costuma tratar a temática indígena na escola”.

Azevedo complementa que, na época em que saiu a lei 10.639, as organizações indígenas, a Coordenação de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação (MEC) e a Coordenação de Educação Indígena da Funai reclamaram e batalharam muito para que a lei 11.645 fosse criada. A expectativa, de acordo com a pesquisadora, é a de que ela possa contribuir para diminuir o preconceito. “O preconceito é fruto, entre outras coisas, da falta de conhecimento. Quando as pessoas conhecem um grupo social, fica mais fácil extinguir noções e comportamentos preconceituosos. A ignorância em relação aos índios é resultado daquilo que as escolas não ensinaram e até daquilo que ensinaram”, diz ela.

Wilmar D’Angelis, lingüista da Unicamp, chama a atenção para o fato de que, se por um lado a lei é resultado de mobilização, ela é também resultado de outra mudança, no Estado brasileiro. “O Estado – afirma D’Angelis – nunca foi monolítico, mas já foi mais elitista. Há técnicos que vêm atuando nos últimos anos em vários órgãos do governo e que têm essa compreensão, criando e abrindo novos espaços”.

A pluralidade no currículo

No Brasil há mais de 200 sociedades indígenas com línguas e organizações sociais diferentes. Para resolver essa questão no currículo escolar, D’Angelis espera que aconteça uma regionalização. “Por exemplo, na região sul, o professor pode buscar materiais sobre história e cultura de índios do sul, ainda que ele dê algumas informações mais gerais sobre a diversidade lingüística e cultural dos índios no Brasil”.

Azevedo explica que existem alguns autores, como Araci Lopes da Silva, Luis Donizete B. Grupioni, John M. Monteiro, Benedito Prézia, entre outros, que já publicaram livros que tratam da temática indígena e podem ser utilizados na sala de aula. Mas de acordo com ela, o material existente ainda é escasso e, muitas vezes, desconhecido. Por isso cabe ao MEC distribuir os livros às escolas e incentivar cursos de capacitação para professores.

Essa opinião é partilhada por D’Angelis. Ele acrescenta que, com a lei, existe mais uma oportunidade da intelectualidade indígena se expressar: “eu acredito que seria o momento dos próprios órgãos federais abrirem espaço para que haja formas de publicar trabalhos dessa intelectualidade indígena, já que os próprios índios podem se expressar e se apresentar à sociedade brasileira”.

Sabonete repelente pode ser coadjuvante no combate à dengue

Em meio à epidemia de dengue no Rio de Janeiro, pesquisadores desenvolvem produtos capazes de atuar como repelentes do mosquito Aedes aegypti. Enquanto a Uenf aposta em um sabonete repelente, a Fiocruz e a Embrapa pesquisam inseticidas naturais.

A epidemia de dengue no estado do Rio de Janeiro já contabilizou mais de 43 mil casos da doença este ano. Até esta segunda-feira (dia 31), 67 mortes eram atribuídas oficialmente à dengue no estado. Atentos a essa realidade, pesquisadores da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) estão desenvolvendo um sabonete repelente que pode atuar como coadjuvante no combate à doença.

A equipe do Laboratório de Ciências Químicas da universidade, capitaneada por Edmilson José Maria, realiza a pesquisa desde outubro de 2007. O objetivo é obter um sabonete que tenha ação repelente de seis horas e baixo custo para a população.

“A fêmea do mosquito Aedes aegypti atua no período diurno e nossa intenção é a utilização de um sabonete repelente nesse horário para diminuir o tempo de ataque da fêmea e reduzir gradativamente o número de casos”, explica José Maria.

O pesquisador afirma que, ao contrário do uso de repelentes corporais, o banho já é um hábito incorporado, o que facilitaria a aceitação do produto. “Além disso, repelentes corporais, elétricos e inseticidas têm uma relação custo benefício elevada para o padrão da população brasileira”, avalia.

Segundo ele, o sabonete deve ser passado preferencialmente nas áreas do corpo que ficam descobertas, evitando mucosas e feridas, bem como a utilização por crianças com menos de seis anos e mulheres grávidas. “O produto terá as mesmas propriedades dos sabonetes tradicionais e poderá substitui-los em algumas circunstâncias, podendo ser usado em partes do corpo ou em toda sua extensão, dependendo do local onde a pessoa esteja”, explica José Maria.

O sabonete tem em sua composição, além de glicerina, óleos essenciais com comprovada ação repelente contra mosquitos e pernilongos, extraídos de plantas como o capim-limão, a citronela e o cravo-da-índia. “Faremos testes para verificar a eficiência também contra carrapatos”, diz. A fórmula conta ainda com outras substâncias, mantidas em sigilo, que ajudam a aumentar o tempo de ação do produto.

A idéia de produção de um sabonete repelente surgiu quando Edmilson José Maria passou a integrar o grupo de pesquisas sobre biodiesel da UENF e sugeriu a coleta do óleo de fritura usado em estabelecimentos comerciais e associações de moradores para suprir tais pesquisas. “A partir dessa idéia, preconizamos a utilização de parte desse óleo usado e do subproduto do biodiesel, a glicerina, para fazermos sabão, e, posteriormente, pensamos em agregar ao nosso produto substâncias repelentes a mosquitos e pernilongos”, conta.

No momento, o sabonete está em fase de testes com concentrações variadas para delineação do maior poder repelente. Os testes estão sendo efetuados em parceria com as áreas de bioquímica e biologia da universidade. “Nossos esforços estão concentrados somente nessa pesquisa para disponibilizarmos o produto final o mais rápido possível, preferencialmente antes do final do primeiro semestre”, informa Maria. “Nosso intuito é disponibilizar o produto para aquisição preferencial por órgãos públicos ligados à saúde e, posteriormente, pelo público em geral”, completa.

Os pesquisadores, que pretendem patentear o produto, estão abertos a novas parcerias para realização da pesquisa e também para a colocação do produto no mercado. O desenvolvimento de outros produtos com os mesmos efeitos também estão sendo analisados, como uma versão para lavagem de roupas, com maior poder repelente, cremes e adesivos autocolantes.

Larvicida: outra arma

O biolarvicida Bt-horus, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), também promete contribuir na luta contra o mosquito da dengue. O inseticida biológico, atóxico e eficaz contra as larvas de Aedes aegypti, foi desenvolvido em parceria com a empresa Bthek e consiste na utilização de uma bactéria. Misturada em uma solução, ela serve de alimento para as larvas do mosquito que, ao ingeri-la, tem seu intestino destruído e morrem.

O produto, inofensivo para outros organismos e de fácil aplicação pelos próprios moradores, já foi usado nas cidades de Rio das Ostras (Rio de Janeiro), São Sebastião (Distrito Federal), Três Lagoas (Mato Grosso do Sul) e Sorriso (Mato Grosso). Em todas, o índice de infestação pelo mosquito diminuiu. O Ministério da Saúde ainda não tem previsão para a utilização do produto.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também desenvolveu um inseticida natural para combater as larvas do mosquito da dengue. O novo biocida é feito a partir de uma substância da Piper solmsianum, planta da família das pimentas. Nativa da Mata Atlântica, a planta é atóxica e não deixa resíduos químicos. Colocado em reservatórios de água, o biocida mata as larvas de insetos. O estudo está em fase de testes de campo e levantamento de custo e o produto deve chegar ao mercado em até quatro anos.

Para saber mais:

Um banho para vencer a batalha contra o mosquito da dengue