Mesmo sem os alardes midiáticos característicos, que costumam enfatizar apenas os avanços nas pesquisas em biomedicina, os estudos sobre ética e saúde ganham intensidade e trazem à tona implicações sobre as novas tecnologias. Estes estudos fortalecem a idéia de que o avanço técnico que estamos vivendo necessita ser controlado e adequado aos princípios éticos. Medidas considerados imprescindíveis para o próprio avanço das ciências e maior participação pública nas decisões. A edição de março/abril, a revista Ciência & Saúde Coletiva, um periódico da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), dá destaque, entre outros aspectos, às diretrizes brasileiras e relações com documentos internacionais.
Outros dois artigos, publicados em revistas científicas internacionais no mesmo período, também abordaram essa temática. Na Science o artigo “Moving Toward Transparency of Clinical Trials”, assinado por dois pesquisadores do National Institutes of Health dos Estados Unidos, traz os progressos na legislação americana, referente ao incremento da transparência nos testes de triagens clínicas.
Já a revista The Scientist expôs os problemas éticos referente ao pagamento feito a pessoas que servem de cobaias em testes clínicos de novos medicamentos. “Paying for Patients”, assinado por Alla Katsnelson, ressalta que “2.5 milhões de pessoas no mundo, recebem pagamentos para servirem de cobaias em testes de pesquisas biomédicas”. A maior parte destes estudos é realizada em populações de países pobres da América, África e Ásia. Embora ofertas de 5.000 a 6.000 dólares sejam também oferecidas em países ricos, a participantes destes estudos.
Diretrizes brasileiras
Em 1996, o Conselho Nacional de Saúde, aprovou a Resolução 196/96, que trata das diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Entretanto, apesar do grande avanço social, esta resolução cria limitações dentro das pesquisas qualitativas em saúde, principalmente nas pesquisas de ciências sociais e humanas.
Iara Coelho Zito Guerreiro, psicóloga e coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), e Fabio Zicker, coordenador e superintendente de dois importantes setores de pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS), assinam o editorial da revista Ciência & Saúde Coletiva e destacam que “a diversidade de métodos, técnicas, paradigmas, referenciais, enfim, de diferentes olhares e saberes é essencial à produção de conhecimento sobre um objeto tão complexo como a “saúde”. É fundamental que os comitês de ética estejam capacitados para revisar e apoiar a realização de pesquisas que atendam aos interesses sociais e respeitem seus pesquisados”.
Ainda segundo estes editores, as diretrizes brasileiras para análise dos aspectos éticos das pesquisas com seres humanos estão apresentadas na Resolução 196/96 e suas complementares aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Estas resoluções tomaram como referência documentos internacionais sobre o tema, incluindo o Código de Nuremberg, Declaração de Helsinki e as diretrizes propostas pelo Council for International Organizations of Medical Sciences (Cioms), órgão da OMS que estabelece as diretrizes éticas internacionais para pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos.
Os problemas surgem, pois a Resolução 196/96 acabou ampliando a abrangência do documento do CIOMS para pesquisas qualitativas em todas as áreas do conhecimento. Um dos problemas práticos é que, quando as pesquisas versam sobre temas polêmicos como vida sexual ou que envolvam atos ilegais tais como uso de drogas ou aborto, o pesquisado deverá assinar um termo de consentimento com a pesquisa a ser realizada. Entretanto, ele pode estar assinando um termo de auto-incriminação.
Estas e outras situações acabam destoando com os objetivos iniciais das pesquisas em saúde, levando a produção de resultados incompletos e exposição de pesquisados e pesquisadores. No estado em que se encontra, a Resolução 196/96 necessita de diversas adequações, principalmente quanto à proteção dos pesquisados.
No artigo “A necessidade de diretrizes éticas adequadas às pesquisas qualitativas em saúde”, as autoras Iara Coelho Zito Guerriero e Sueli Gandolfi Dallari, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP/FSP), fazem uma exposição de algumas características das pesquisas qualitativas, as implicações éticas da maneira como a pesquisa qualitativa é concebida nos paradigmas não positivistas e um breve histórico dos documentos sobre ética em pesquisa.