Webcurrículo: internet e educação integradas

Já se passou mais de uma década depois do início da popularização da internet no Brasil e quase dois anos após as primeiras discussões sobre o projeto Um Computador por Aluno (UCA), que deveria disponibilizar laptops de baixo custo para os estudantes da rede pública brasileira. Mas as escolas continuam distantes de absorver as novas tecnologias. Para minimizar esse problema, especialistas ligados ao programa de pós-graduação em educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) colocam no centro do debate a importância de se aumentar a integração entre a internet e todo o fazer pedagógico, método conhecido como webcurrículo. “Ainda existe um deslocamento espacial até o laboratório de computação, que enfatiza a distância entre sala de aula e uso das novas tecnologias”, lamenta Maria Elizabeth Bianconcini, professora e pesquisadora da PUC.

Crédito: Enio Rodrigo
A pesquisadora enxerga uma falta generalizada de cultura digital dos professores envolvidos com projetos ligados ao uso do computador nas escolas e isso se mostra um grande empecilho ao uso efetivo das tecnologias como facilitadoras do aprendizado. Segundo ela, esse tipo de atitude acaba trazendo apenas resultados pontuais, mas não necessariamente efetivos e de longa duração. “É necessário integrar essas duas coisas, fazer com que ambas se transformem mutuamente numa perspectiva de integração que mude as práticas pedagógicas e a forma com que se usa a internet e as tecnologias de comunicação”, defende.
Essa discussão não é nova. Há pelo menos 18 anos a Escola do Futuro na Universidade de São Paulo (USP) desenvolve pesquisas colocando a educação em uma perspectiva integrada com novas tecnologias. Mas a idéia da total integração de internet e aprendizado é mais recente, segundo José Manuel Moran, professor da USP. “A escola ganharia com a flexibilização, pois os alunos atualmente se sentem perdidos em um ambiente arbitrário, moroso e castrador totalmente diferente da realidade fluida que corre fora dos muros da escola”, afirma. As atuais dificuldades e situações que causam violência contra professores, lembra o professor, evidenciam o choque de gerações dentro da sala de aula, fruto de uma escola obsoleta. O cenário atual é ainda composto pela falta de preparo dos professores, má remuneração dos profissionais e convivência em uma estrutura engessada e que não tem interesse em assimilar novidades, em contraposição ao que deveria ser um espaço vivo de aprendizagem. “O próprio vocabulário que descreve o funcionamento da escola como ‘grade’ curricular, ‘controle’ de presença ou ‘planos’ de aula já nos dá uma idéia do quanto esse espaço é refratário a novas atitudes”, acrescenta João Vilhete d’Abreu, coordenador do Núcleo de Informática Aplicada a Educação (Nied) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para Vilhete d’Abreu, não há como pensar em uma vivência sem internet fora da escola como se pensa o aprendizado sem a internet. “É um contra-senso sem tamanho”, diz. Segundo ele, o mercado já se apoderou dessas ferramentas e a morosidade do Estado em implantar políticas públicas que vislumbrem essa evolução tecnológica se refletirá em um futuro muito breve, principalmente nas classes mais baixas. “É claro que temos que lembrar que o poder público não lida muito bem com o ‘problema’ das pessoas terem mais acesso a meios de comunicação em escala global em um ambiente que é taxado de anárquico”, reflete o pesquisador, que aponta a ênfase dos críticos na palavra anarquia resultando em um excesso de zelo e de regulamentações, fruto de um Estado centralizador e controlador. Há pouco mais de um mês foi aprovada uma lei estadual que permite que até 20% das aulas no ensino médio podem ser à distância. “A posição da rede pública de ensino foi, imediatamente, contrária à lei. Há uma desconfiança de que o ensino online será pior, mas isso é preconceito”, acredita. O que precisa ser lembrado, diz Moran, é que os alunos têm que aprender a aprender, ou seja, o professor não deixa de ser o único vetor do conhecimento para ser um facilitador na construção de uma atitude pró-ativa na busca por respostas.

Experiências Maria Elizabeth exemplifica como a integração da internet com o dia-a-dia da sala de aula pode modificar positivamente os ambientes. Ela cita o exemplo de uma escola da rede pública em Palmas (TO) onde o uso do computador durante os 45 minutos de aula não condiziam com o tempo ideal para a realização das atividades propostas. A idéia foi aumentar a atividade para duas horas e, com isso, foi necessário repensar e modificar significativamente todo o planejamento de aula. Além dos laboratórios de computação houve modificou-se os espaços da escola, incluindo a biblioteca, de uma forma a ocupar, de uma forma mais fluida, os tempos de aprendizado. Os pesquisadores vêem o projeto Um Computador por Aluno do governo federal como sendo de vanguarda mundial e acreditam que o momento de sua implantação exigirá mudanças significativas no modo de pensar a educação, para o qual todos deverão estar preparados. “Projetos não faltam, mas a efetivação é falha por falta investimento para a infra-estrutura”, avalia Moran.

I Seminário WebCurrículo, evento promovido pela PUC-SP e organizado por Maria Elizabeth, realizado em setembro último, aproximou especialistas e pesquisadores da área de educação aos profissionais da área de tecnologia para responder a questões sobre como desenvolver um currículo escolar que se integre às ferramentas disponíveis na internet. Participaram do evento, ainda, fabricantes de computadores, escolas (a maioria particulares) com projetos implantados ou em fase de implantação e empresas que já estão desenvolvendo soluções nessa área.

Biblioteca pública ganha núcleo temático de ciência

A biblioteca Mário Schenbert se torna a primeira biblioteca pública da rede municipal no Brasil a assumir uma vocação na divulgação da ciência. A partir da idéia de aproximação dos espaços das bibliotecas públicas com a população do entorno urbano em que elas estão, foi desenvolvido o projeto de Núcleos Temáticos, que desde o começo do ano passado vem tomando corpo na cidade de São Paulo. O projeto prevê, além do aumento das obras referenciais no tema escolhido, a utilização do espaço das bibliotecas (incluindo sala multimídia, anfiteatros e outros espaços potenciais) para realizar eventos diversos. Originalmente idealizado pela Secretaria Municipal de Cultura, o projeto chegou à Lapa, onde o Sistema Municipal de Bibliotecas (SMB) da cidade de São Paulo inaugurou, no dia 9 de novembro, o núcleo temático da Biblioteca Temática de Ciências Mário Schenberg. Além do acervo temático, o hall principal ganhou uma exposição temporária e uma programação de eventos continuados, aproveitando o espaço do auditório, que também deverá abrigar peças teatrais. Essa é a sexta biblioteca, de um total de 52 unidades administrada pelo sistema municipal, que ganha um núcleo temático, cujas temáticas variam de poesia a ficção fantástica.

Hall de entrada é um convite ao espaço dedicado à ciência.
Foto: Divulgação

 

Mas as bibliotecas temáticas não perdem seu acervo, ao contrário, soma-se a ele um acervo temático, explica Marlon Florician, coordenador geral de programação dos núcleos temáticos do sistema municipal de bibliotecas. “Como são bibliotecas de bairro, a idéia é dar continuidade à vocação projetada pela comunidade que frequenta o espaço. No caso da Lapa, a proximidade com a Estação Ciência [museu de ciências] deu o tom”, continua. Marlon lembra que a Estação não tinha um acervo e o apoio institucional dos pesquisadores para a biblioteca é construtivo para ambos, pois os prédios são bastante próximos.

Olga Sato, que participa do grupo de três curadores contratados para o projeto e que são responsáveis pela escolha do acervo científico, além de serem responsáveis pela exposição no hall de entrada na biblioteca, explica que a idéia é transformar o espaço de entrada em um convite para um ambiente que instigue a curiosidade e a exploração. “Tentamos dar uma pincelada sobre vários temas, de física e música, passando por aquecimento global e também montamos um painel que dá aos visitantes noções de micro e macro”, diz a pesquisadora que é física formada pela Universidade de São Paulo e doutora em oceanografia pela Universidade de Rhode Island (EUA). Trabalham na equipe também Mariana Frederick, responsável pela área de ciências biológicas e de saúde, e Armando Oliveira, responsável pela curadoria na área de física. “A intenção”, afirma Sato, “é também formatar um espaço onde possamos incentivar para a ciência e talvez inspirar os usuários para carreiras de pesquisa, quem sabe até futuros cientistas”.

Patrono da biblioteca, Mário Schenberg foi cientista de destaque e crítico de arte, merecendo lugar de honra no espaço inaugurado.
Foto: Enio Rodrigo

 

site da biblioteca também foi pensado para facilitar a busca de obras no acervo além de ser um portal com diversos recursos multimídia. É possível ter acesso a textos atualizados sobre ciência e biografias de grandes cientistas. “Agora vamos nos concentrar em consolidar uma agenda de palestras e eventos, e trabalhar em idéias de divulgação da cultura científica em cooperação com museus de ciência, por exemplo”, finaliza a curadora.

Planejamento de safras pode se beneficiar do uso de imagens de satélite

De olho na crescente demanda por cana-de-açúcar, matéria-prima para fabricação de açúcar e álcool combustível – puro ou hidratado (a ser misturado com gasolina), uma pesquisa desenvolvida no Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) focalizou imagens de satélites e sua relação com a estimativa de safras. Recentemente defendida como mestrado na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas, esse estudo também buscou compreender melhor a relação entre o clima e a produção agrícola.

De olho na crescente demanda por cana-de-açúcar, matéria-prima para fabricação de açúcar e álcool combustível – puro ou hidratado (a ser misturado com gasolina), uma pesquisa desenvolvida no Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) focalizou imagens de satélites e sua relação com a estimativa de safras. Recentemente defendida como mestrado na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade Estadual de Campinas, esse estudo também buscou compreender melhor a relação entre o clima e a produção agrícola.

Segundo Jurandir Zullo, engenheiro agrônomo que orientou a pesquisa desenvolvida por Renata Gonçalves, a estimativa de safras com precisão, objetividade e antecedência é um dos grandes desafios do agronegócio nacional, principalmente no caso da cana, no qual há a necessidade de garantir o fornecimento adequado de seus produtos no mercado consumidor. “Um dos aspectos importantes do trabalho realizado por Gonçalves é a exploração das características das imagens de satélites úteis à estimativa de safras de cana-de-açúcar, tais como: longevidade da série, gratuidade dos dados, alta resolução temporal e resolução espacial adequada para a agricultura”, explica Zullo. “Além disso, – diz ele – a combinação dos dados provenientes das imagens com dados agroclimáticos, que visou aumentar o conhecimento sobre a relação existente entre o clima e a produção agrícola, é outro ponto que deve ser ressaltado, pois se trata de conhecimento de grande valor prático”. A pesquisa mostra a importância de usar séries temporais de imagens, e não dados referentes a safras individuais, na previsão de safras agrícolas, algo que segundo Zullo se tornará cada vez mais viável com a ampliação do acesso às imagens de sensoriamento remoto de baixo custo.

Gonçalves escolheu trabalhar com a cana por ser uma cultura que ocupa uma grande área no estado de São Paulo, a qual se expandirá sob o efeito do aquecimento global, conforme o estudo “Aquecimento global e cenários futuros da agricultura brasileira”, coordenado pelos pesquisadores Eduardo Assad (Embrapa Agropecuária) e Hilton Silveira Pinto (Cepagri-Unicamp). O método desenvolvido na pesquisa pode ser utilizado para estimar o comportamento de outras lavouras que, como a da cana, ocupam grandes áreas. No entanto, para áreas menores, seria necessário recorrer a outra fonte de dados.

Além disso, a pesquisadora levou em consideração o impulso recente à produção de biocombustíveis. De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a produção de etanol passou de 14,8 bilhões de litros em 2004 para 22,4 bilhões na safra de 2008, impulsionada pela difusão da tecnologia flex fuel, que permite que um veiculo utilize dois tipos de combustíveis, como álcool e gasolina. Outro ponto a ser ressaltado é que o Brasil é o único país que tem duas épocas de colheita anuais, uma no norte-nordeste, que se estende de setembro a abril, outra na região centro-sul, que se estende de junho a dezembro.

A pesquisadora analisou imagens referentes a 10 municípios do nordeste do estado de São Paulo no período que se estende de 2001 a 2007, constatando que o índice de vegetação (NDVI) depende do índice de satisfação das necessidades de água (ISNA). A resposta da vegetação, porém, tanto a condições favoráveis quanto desfavoráveis, não se manifesta senão depois de um ou dois meses. Como se trata de uma planta tropical, a cana se desenvolve melhor em condições de temperatura e umidade elevadas. No entanto, temperatura e precipitação sozinhas não mostram correlação com a resposta espectral apresentada pelos satélites. “Se eu medisse somente temperatura e precipitação não notaria correlação, então usei um índice que inclui o solo e características fenológicas da cana, ou seja as características de relações entre processos ou ciclos biológicos e o clima”, explica Gonçalves. Tampouco essa correlação emergiria da análise de safras individuais. Quanto maior o número de dados, mais consistente se faz o estudo. “Com uma série de dados referentes a 7 anos, foi possível obter um padrão”, completa.

As imagens de satélite utilizadas para monitorar a vegetação foram provenientes da família de satélites NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), administrada pelo National Environmental Satellite and Information Service (Nesdis). Esses equipamentos geram diariamente observações globais sobre padrões meteorológicos e sobre condições ambientais na forma de dados quantitativos. Esses satélites foram criados para auxiliar o trabalho meteorológico, mas passaram a ser usados no monitoramento de vegetação, em escala regional e global. Segundo Gonçalves, mais recentemente foram introduzidos no monitoramento agrícola. O AVHHR/NOAA, sigla em inglês para “radiômetro avançado de resolução muito alta”, foi o instrumento sensor utilizado para coletar dados sobre cada região duas vezes ao dia, uma no período matutino, outra à noite. Sua resolução espacial é de 1 a 4 km.

O AVHHR possui dois canais de captação de imagens, um deles é correspondente ao vermelho, outro ao infravermelho, o que o torna útil no estudo da resposta espectral (NDVI) da vegetação. A escala digital do sensor é transformada em valores físicos, para calcular o NDVI. Durante a colheita, o NDVI é baixo. Quanto maior forem a atividade biossintética e a incorporação de biomassa de uma lavoura, mais intensa é a resposta no infravermelho/vermelho, como se pode observar nas imagens abaixo.

Analisando as imagens na região nordeste de São Paulo, pode-se perceber a evolução do crescimento vegetativo da cana-de-açúcar. O plantio inicia-se em agosto apresentando imagens com tons de verde e azul na região nordeste. Essas cores representam o NDVI baixo que caracteriza regiões com solo exposto e pouca vegetação. Isso vale também para os meses de setembro a novembro.

Composição de valor máximo de NDVI mensal gerada pelo sensor AVHRR/NOAA na safra 2006/2007 (setembro de 2006) em São Paulo

A partir de dezembro, quando a cana-de-açúcar começa a se desenvolver e incorporar mais biomassa, essas regiões passam a se tingir de amarelo, laranja e vermelho. Os meses de fevereiro a maio apresentam um tom vermelho mais forte, período em que a cana-de-açúcar está no “pico” de desenvolvimento e o NDVI é máximo. As áreas escuras nas imagens representam pixels contaminados por nuvens. Nos meses chuvosos, como dezembro, janeiro e fevereiro, há maior chance de as imagens apresentarem grandes áreas escuras.

Composição de valor máximo de NDVI mensal gerada pelo sensor AVHRR/NOAA na safra 2006/2007 (fevereiro de 2007) em São Paulo