Em Pequim, respirar fundo será problema para atletas

Pequim – sede dos Jogos Olímpicos 2008 – é considerada uma das cidades mais poluídas do Mundo. Os níveis de poluentes da capital chinesa podem comprometer a saúde e o rendimento dos atletas que vão participar das Olimpíadas.

Os atletas vão enfrentar um adversário inusitado nas Olimpíadas de Pequim: a poluição. A capital chinesa apresenta níveis de poluentes no ar superiores aos considerados seguros pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A poluição, proveniente de indústrias, queima do carvão e grande número de veículos em circulação, pode causar problemas respiratórios e comprometer o desempenho dos competidores nas provas.

Segundo o coordenador técnico da equipe de atletismo do Laboratório de Bioquímica do Exercício / Grupo Gestor de Benefício Sociais (GBS) da Unicamp, Lucas Tessutti, a absorção dos poluentes pelo pulmão é determinada por vários fatores, como morfologia dos tecidos, da mucosa e do sangue, padrão de respiração, capacidade total pulmonar, inflamação das vias aéreas e propriedades físico-químicas dos gases. Por isso, a resposta à poluição difere de indivíduo para indivíduo e de local para local. Tessutti diz, ainda, que a inalação de poluentes pode modificar o débito cardíaco (volume de sangue bombeado pelo coração por minuto), a ventilação (a respiração fica mais curta devido à diminuição da superfície de troca gasosa) e o espessamento da mucosa das vias aéreas.

O professor de medicina esportiva da Unifesp, Paulo Zogaib, explica que grandes quantidades de poluentes no ar reduzem a capacidade de proteção do organismo contra inflamações respiratórias e comprometem, sobretudo, a ventilação. “A poluição pode levar a um quadro de broncoespasmo – contração da musculatura do brônquio – que prejudica a ventilação, isto é, a entrada e saída de ar nos pulmões”.

Como a quantidade de energia que o corpo produz é proporcional ao consumo de oxigênio, a diminuição do fluxo respiratório reduz a capacidade de praticar exercícios, uma vez que, se uma pessoa não capta oxigênio do ar atmosférico em volumes adequados, ela não consegue produzir energia suficiente e, conseqüentemente, seu rendimento cai.

Risco maior para atletas

Respirar um ar com partículas poluentes oferece, portanto, riscos à saúde de qualquer pessoa. Mas, no caso dos atletas, os efeitos são potencializados. Isso acontece porque que, em repouso, um indivíduo ventila cerca de 10 litros de ar por minuto. Entretanto, durante a atividade física, essa ventilação aumenta muito – sobre para 100, 120 litros de ar, dependendo do tamanho do tórax da pessoa – pois é preciso mais oxigênio para produzir mais energia. “Se um atleta ventila 100 litros de ar por minuto – 10 vezes mais que quando está parado – ele inala uma dose de poluentes também 10 vezes maior. Por isso, o risco de broncoespasmo é muito mais elevado no exercício”, destaca Zogaib.

Nos jogos de Pequim, a situação é pior para os atletas que disputarão provas aeróbias (de resistência), como triatlo, ciclismo e maratona – competições de longa duração, que acontecem em ambientes externos. Alguns atletas já anunciaram que não vão participar dessas provas. É o caso do etíope Haile Gebrselassie, atual recordista mundial da maratona. O corredor sofre de asma e teme que os efeitos do ar poluído na corrida de mais de 42 Km, que dura em média duas horas, cause danos à sua saúde.

Minimizando impacto

A partir de 20 de julho, a China adotará uma série de medidas para conter a emissão de poluentes em Pequim. O plano – que ficará em vigor até 24 de agosto, quando os jogos serão encerrados – prevê o corte do número de carros em circulação pela metade; a proibição de caminhões-tanque e postos de gasolina que não possuam tecnologia de redução de poluentes; diminuição da emissão de gases por parte das 19 fábricas mais poluidoras de Pequim, em pelo menos 30%; e interrupção de grandes obras de construção civil.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) se diz confiante em relação às medidas tomadas pelos organizadores dos Jogos, mas admite que a poluição oferece riscos para os atletas que competirão em provas de resistência ao ar livre. Por isso, anunciou que adiará essas disputas por algumas horas, caso a qualidade do ar não esteja favorável.

Os comitês olímpicos nacionais também estão se preparando. A assessoria do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) informou que, apesar de não ter recebido nenhum tipo de orientação ou recomendação do COI sobre o assunto, está realizando uma série de exames físicos e de avaliações em todos os atletas brasileiros que vão participar das Olimpíadas, para descobrir quais deles estão mais suscetíveis aos possíveis impactos causados pelo ar poluído.

Segundo Zogaib, a melhor estratégia para minimizar o problema da poluição é hospedar e treinar os atletas em outros locais – como Japão, Coréia do Sul ou regiões menos poluídas da própria China – e só levá-los para a capital chinesa um ou dois dias antes da prova. A equipe paraolímpica, por exemplo, ficará em Macau, China, para treinamentos e adaptação ao fuso, e será levada para Pequim apenas na véspera dos Jogos.

Outra possível alternativa que tem sido cogitada é o uso de máscaras. O chefe do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da UPS, João Vicente de Assunção, adverte que essa medida só funcionaria se as máscaras fossem de um tipo especial para conter partículas e gases. Além disso, diz ele, o equipamento interferiria na capacidade respiratória dos atletas, por ser um elemento de resistência à passagem do ar.

Escolha estratégica

Assunção ressalta que as medidas propostas para atenuar a poluição em Pequim deveriam ser efetivas – e não paliativas – para que perdurassem após as Olimpíadas. Para ele, teria que estar entre as obrigações de qualquer país sede implementar melhorias definitivas para a população local.

Enquanto políticos, ativistas, esportistas e a sociedade em geral recriminam a escolha de Pequim para sediar os Jogos, Assunção vê no evento uma oportunidade de provocar mudanças benéficas na China. “A preocupação dos atletas, técnicos e dirigentes de entidades participantes e organizadoras tem o lado positivo de mostrar para os chineses que algo precisa ser feito”. O professor chama atenção para o fato de que a população chinesa respira o ar poluído diariamente, condição muito mais grave que a exposição temporária e curta de atletas. “Fico em dúvida se a desqualificação da China por causa da poluição do ar teria um efeito pedagógico maior que a divulgação do problema em termos mundiais”, avalia.

Novo tipo de dengue pode chegar em breve ao Brasil

Novo tipo de dengue que já existe nos países vizinhos pode se difundir pelo Brasil como já aconteceu com os outros três tipos de vírus presentes por todas as regiões do país.

Um novo tipo de dengue ameaça entrar no Brasil a partir de países vizinhos, o vírus sorotipo 4, ou DENV 4, como foi relatado pela pesquisadora como Regina Maria Pinto de Figueiredo, da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, em Manaus. Pesquisadores da área das doenças transmitidas por mosquitos dizem que a porta de entrada do novo vírus é a região Norte do país.

Para o médico especializado em doenças infecciosas e parasitárias, da USP, Vicente Amato Neto, o vírus de sorotipologia 4 está vindo da Venezuela e da Guiana Francesa e certamente chegará às outras regiões como já aconteceu com os outros tipos que já estão no Brasil. Segundo ele, o novo vírus preocupa porque irá encontrar, especialmente no Sudeste, um grande número de pessoas que já tiveram a dengue, chamadas “suscetíveis”.

Segundo o médico Eduardo Severiano Ponce Maranhão, especialista em epidemiologia da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, as amostras estudadas por Figueiredo, foram re-testadas e não se comprovou nos doentes a dengue de sorotipo DENV 4.

O tipo de dengue mais temida é a que evolui para a febre hemorrágica. Ela está mais associada aos sorotipos DENV 2 e 3 e, se não for tratada, pode levar à morte em cerca de 20% dos casos. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a febre hemorrágica da dengue não tem um tratamento específico, mas com cuidados médicos intensivos, especialmente de hidratação, os casos fatais podem ser reduzidos para 1%. A OMS explica que o desenvolvimento de vacinas ainda é um problema justamente porque o produto precisa ser eficaz contra os quatro tipos de vírus da doença.

Segundo o médico Fernando Portela Câmara da UFRJ, autor do texto “Estudo retrospectivo (histórico) da dengue no Brasil: características regionais e dinâmicas”, publicado em abril de 2007, 86% das notificações de dengue no Brasil estão nas regiões Nordeste e Sudeste.

No primeiro trimestre de 2008, dos 110.783 casos notificados de dengue no estado do Rio de Janeiro, 31.288 estavam na capital, localizada no litoral. Já no estado de São Paulo, dos mais de mil casos notificados até maio, a imensa maioria foi registrada na região de Araraquara e de Ribeirão Preto, cidades localizadas no interior do estado.

No Nordeste, do total de 57.164 notificações, entre janeiro e abril deste ano, 5.929 notificações são do estado de Sergipe, com 23 mortes nesse período, a maioria na chamada “zona da mata”, que é litorânea e também a mais povoada, urbanizada e industrializada da região Nordeste.

Amato afirma que a mortalidade não depende da região geográfica. Ela é decorrente das diferenças nas condições de assistência médica, nos casos mais graves. Já a proliferação da doença está associada às carências econômica, social e educativa da população de algumas regiões. Essas dificuldades representam um obstáculo para que essas pessoas obedeçam as instruções de vigilância e controle.

Segundo o Instituto Oswaldo Cruz, a prevenção deve priorizar a eliminação de focos do Aedes aegypti, o mosquito vetor da dengue. O Ministério da Saúde estabelece que o grau de infestação deve ser menor que 1,0 de acordo com um índice que é chamado “de Breteau”. Esse índice avalia a intensidade da infestação larvária em criadouros por área de 10 mil a 12 mil m2.

Para Roberto Andrade Medronho, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da UFRJ, fatores como as condições sócio-ambientais e a ineficiência no combate ao mosquito vetor, em muitas cidades, podem contribuir muito para que o processo endêmico-epidêmico seja controlado pelo esgotamento das pessoas à doença. Ou seja, se não for controlado o vetor, a enfermidade só vai ser controlada pela resistência física da parte população que não sucumbir à doença. Se isso acontecer, muitos sofrerão e até morrerão.

Leia mais: texto “Dengue no Brasil: desafios para o seu controle”, de Roberto Andrade Medronho, maio de 2008. A maior parte dos casos de dengue nas Américas está no chamado cone sul, a imensa maioria no Brasil, segundo dados da Organização Pan Americana de Saúde, ligada à OMS, de maio de 2008.

Estudo do IPEA retoma o debate da desigualdade de renda no país

Estudo do IPEA mostra que as políticas públicas universais de promoção de igualdade no Brasil não são suficientes para a eliminação e/ou diminuição das desigualdades entre brancos e negros.

No dia 13 de maio de 2008, 120 anos após a abolição da escravatura, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou os resultados parciais da pesquisa “Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição”. A perspectiva, de acordo com Mário Lisboa Theodoro, diretor de cooperação e desenvolvimento do IPEA, é que daqui 3 meses seja divulgada a pesquisa completa que trará um conjunto maior de informações, incluindo análises regionais.

A partir dos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), o IPEA fez uma projeção de que em 2008 os negros serão maioria no país, mas só conseguirão igualdade de renda em 2040. “Nós fizemos uma projeção a partir do crescimento da renda dos mais pobres nos últimos anos, que foi acelerado principalmente pelo aumento do Bolsa Família, estendido a quase 12 milhões de famílias”, explica Theodoro. “Se nós tivéssemos um crescimento dessa magnitude, poderíamos chegar a uma equalização em 2040”.

Theodoro ressalta que a pesquisa trata da igualdade de renda familiar, incluindo tanto rendimento do trabalho como outros rendimentos, entre eles o Bolsa Família. “Hoje a renda média da população negra é 53% da renda média da população branca, praticamente metade. Pela projeção isso iria diminuindo até igualar”. No entanto, Theodoro afirma que essa é uma visão otimista: “dificilmente o crescimento que nós tivemos nos últimos meses vai continuar, porque o Bolsa Família já está chegando ao seu limite”.

“O resultado dessa pesquisa não é surpreendente para ninguém que trabalha com essa temática de relações raciais no Brasil. Nós sabemos que isso é resultado do nosso processo histórico, que remonta ao período da escravidão, como também do que deixou de ser feito após a escravidão”, lamenta Rosana Heringer, Coordenadora do Programa de Direitos das Mulheres e Afro-Descendentes da Actionaid Brasil. Rosana explica que ao longo dos 120 anos após o fim da escravidão muito pouco foi feito para efetivamente integrar os negros na sociedade brasileira. “Por um lado, nós temos uma integração cultural e artística. Sabemos que o Brasil é um país culturalmente misturado, mas quando falamos de igualdade de oportunidades, de renda, de acesso a educação, etc, isso é bastante diferente”, arguemnta ela.

Mário Augusto Medeiros da Silva, doutorando em sociologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) e membro do Núcleo de Estudos Negros (NEN), ressalta que o próprio estudo do IPEA aponta que a melhoria da condição da população negra no Brasil aconteceu sem que políticas de Estado tenham sido direcionadas a esse grupo. “A análise feita pelo IPEA mostra que foram as políticas públicas universais, como educação e saúde pública e o Programa Bolsa Família que atingiram e afetaram positivamente a população mais precarizada, onde se encontra grande parte do grupo negro”.

A desigualdade de renda entre brancos e negros, apontada pela pesquisa do IPEA, não é novidade. A diferença é que o IPEA faz uma projeção de que a igualdade poderia ser atingida. De acordo com Theodoro, o IPEA está, nesta pesquisa, trabalhando não apenas na produção, como também na interpretação dos dados. “Não que nós já não tenhamos feito interpretações anteriormente, mas agora, como é uma pesquisa de mais longo prazo, vamos tentar vasculhar algumas interpretações históricas para essa questão, não só explicações momentâneas”.

Silva questiona a projeção feita pelo instituto. Tendo em vista o cenário histórico e as ressalvas feitas pelo órgão governamental, pode ser que a desigualdade, ao invés de diminuir, possa aumentar. “Daqui 32 anos – diz ele – sem a perenidade de políticas de Estado direcionadas e voltadas para a eliminação das desigualdades raciais ou o aprimoramento das precarizadas políticas universais, qual será a distância entre trabalhadores (as) negros (as) e brancos(as) novamente, em termos salariais e de renda?”.

Para Rosana, duas atitudes precisam ser tomadas para que a população negra tenha uma igualdade de renda e de oportunidades em relação aos brancos. A primeira delas seria um investimento muito maior em uma política de redução da desigualdade no Brasil de uma forma geral, isto é, em educação pública, em saúde, em qualificação para o mercado de trabalho. Em segundo lugar, de acordo com a coordenadora da Actionaid, é preciso investir mais nas políticas de ação afirmativa. “Devemos perceber que existem grupos na sociedade que precisam ter uma forma de acesso a determinados serviços e setores como educação e mercado de trabalho, para que daqui a 20 ou 30 anos possamos identificar um número mais equilibrado entre brancos e negros, principalmente nos cursos de mais prestígio e nos setores que identificamos como elite política, intelectual e cultural, que ainda é predominantemente branca”.

O trabalho do IPEA, explica Silva, mostra que a diferença de renda entre brancos e negros, assim como a concentração de negros em ocupações menos especializadas e mais desvalorizadas socialmente é resultado da aliança do racismo institucional com a péssima qualidade dos serviços públicos prestados, historicamente. O sociólogo lembra que os negros, por estarem majoritariamente concentrados nos estratos mais pobres da sociedade, têm como possibilidade de instrução os serviços educacionais públicos, que são precários e insuficientes. Por outro lado, lamenta, Silva, “apesar do número de vagas nas instituições superiores públicas federais e estaduais, que são as de maior prestígio, ter aumentado nos últimos anos, ainda é insuficiente o acesso de negros e pobres”.