Interação universidade- empresa ainda é incipiente e problemática

Interação universidade-empresa é dificultada pelos objetivos divergentes e pelas diferenças inerentes dos processos. As pesquisas mostram que a articulação universidade-empresa é recente e é feita por uma minoria.

As parcerias entre universidades e empresas no Brasil contemplam uma pequena parcela da comunidade científica nacional, afirma a economista Márcia Siqueira Rapini, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pesquisa de Rapini, feita com dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, mostra que os conhecimentos e serviços que as empresas têm absorvido das universidades são voltados para atividades rotineiras, de pouca complexidade e sofisticação.

Outro problema é que a iniciativa privada brasileira não costuma investir em pesquisa, como apurou o especialista em economia do desenvolvimento, Ruy Quadros de Carvalho, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Seu levantamento mostrou que somente 16% das empresas estudadas por ele realizavam pesquisa tecnológica de maneira sistemática. É nessa pequena porcentagem que estão as melhores parcerias de pesquisa entre a academia e o setor privado e, mesmo nesses casos, as dificuldades ainda são grandes.

A explicação disso, segundo a economista Sandra de Negraes Brisolla, especialista em políticas públicas, também do IG da Unicamp, está no processo de passagem de pesquisa para produto que é difícil e caro. O problema é que a inovação não se limita simplesmente a pegar uma idéia que existe na universidade e aplicar no mercado. Mesmo que uma empresa decida desenvolver um produto que foi idealizado na universidade, é preciso que o projeto passe algum tempo dentro da empresa para que ele possa ser adaptado. Também é necessário que a empresa tenha uma infra-estrutura mínima, para isso, são fundamentais os investimentos em P&D.

Brisolla aponta outras dificuldades para uma interação saudável entre universidade e empresa. Segundo ela, as companhias estão acostumadas a trazer os processos tecnológicos prontos e usar as universidades para fazer adaptações, como por exemplo, substituir materiais caros por outros mais baratos. Muitas delas precisam finalizar seus projetos e, para isso, usam a capacidade científica instalada da universidade para fazer testes e ensaios, ou ainda usam a academia como meio mais econômico de obtenção de uma certificação. “Entretanto, a universidade não ganha nada, não avança nada, na verdade é o uso dos recursos públicos aplicados em pesquisas, pelas empresas”, denuncia Brisolla.

O número de doutores que atuam em P&D, nas empresas analisadas pela pesquisadora, é ainda considerado irrisório comparado com o número desses pós-graduados que as empresas contratam no exterior, onde são mais de mil. Na pesquisa foram analisadas gigantes como a norte-americana IBM e a francesa Rhodia.

Mesmo nas empresas mais arrojadas em P&D, as relações com a universidade não são as ideais. A química Anita Marsaioli, do Instituto de Química da Unicamp, que tem uma parceria com a Natura, empresa do setor de cosméticos, aponta a falta de tempo como um outro fator limitante. Sua orientanda, a também química Carla Porto aproveitou um programa piloto de incentivo à pós-graduação da empresa, pelo qual ela tem 20% do expediente semanal para se dedicar à pesquisa. “O tempo não é suficiente, ela precisa utilizar o período noturno e os seus fins de semana para trabalhar no projeto de doutorado”, afirma Marsaioli.

Entretanto, para Porto, esse não é o único problema. “Os gestores da empresa e a universidade têm visões muito divergentes sobre o meu projeto”. Uma dessas divergências é a exigência da empresa de aplicabilidade e abrangência dos resultados. Isso exige uma maior preocupação com a validação estatística dos resultados, o que nem sempre é exigido pela universidade. O interessante é que esses conflitos acontecem em uma empresa que é empenhada em fazer pesquisa de maneira contínua e sistemática. Esse fator é apontado pelo PINTEC como facilitador da interação universidade-empresa.

Sandra Brisolla, no entanto, também cita exemplos bem sucedidos de interação universidade-empresa, como a parceria da Embraer, terceira maior fabricante mundial de aviões civis e que é contumaz recebedora de financiamentos da Fapesp, a agência de fomento à pesquisa do estado de São Paul, com o ITA, o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica. A especialista também lembra da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), que sozinha recebe 20% dos recursos de P&D do governo federal e tem grande responsabilidade sobre o desenvolvimento da produção rural brasileira.

Saiba mais sobre a interação da universidade e as empresas: http://inovacao.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-23942007000200009&lng=es&nrm=iso

Evento reúne iniciativas públicas e privadas de sustentabilidade

O Projeto Sustentar 2008, organizado pela Prefeitura de Campinas em parceria com universidades e empresas, reuniu representantes políticos, acadêmicos e empresariais para discutir o desenvolvimento sustentável e apresentar ao público as iniciativas já colocadas em prática.

Entre os dias 26 e 31 de maio, Campinas (SP) sediou o ciclo de palestras, fórum e exposições do Projeto Sustentar 2008. Com o objetivo de agregar idéias e contribuir para o desenvolvimento sustentável, o evento envolveu atores políticos, empresas, universidades, institutos de pesquisa e a população da cidade. Foram mostradas iniciativas públicas em reciclagem de óleo de cozinha e privadas em reciclagem de baterias de celulares, projetos de preservação da Mata Atlântica, e vários outros. Entre os palestrantes, Antônio Carlos Demanboro, da PUC-Campinas, abordou os limites físicos do planeta e os atuais níveis de consumo, e Luciana Betiol, da FGV, dicutiu como as compras públicas podem contribuir para a sustentabilidade.

Uma das iniciativas públicas apresentadas no evento é a da cidade de Indaiatuba, que mostrou sua pareceria com a Unicamp em uma usina que transforma óleo de cozinha em biodiesel, reciclando 45 mil litros de óleo/dia. O município criou uma cooperativa que coleta o material a ser reciclado em 58 mil residências e de cerca de 100 estabelecimentos comerciais. O combustível produzido é consumido pelo transporte público da cidade. A tecnologia, que foi cedida pela Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, está em fase de patenteamento e esta é a primeira parceria da universidade para a criação de uma usina.

Entre as iniciativas privadas, a fabricante de celulares, Motorola, mostrou seu trabalho de reciclagem que conseguiu recolher cerca de 250 toneladas de baterias em oito anos. A empresa também mostrou pesquisas que têm conseguido diminuir substancialmente a quantidade de metais pesados destes itens, através de estudos sobre o ciclo de vida dos aparelhos e materiais que facilitam a condução elétrica.

A prefeitura de Santo André, da serra do mar paulista, mostrou o avanço na preservação da Mata-Atlântica em seu território com a criação do Parque das Águas em Paranapiacaba. O local, uma antiga vila surgida no século XIX, é onde se encontram as nascentes das águas da represa Billings, que fornece água para a grande São Paulo. O parque também possui um centro de educação ambiental, com parcerias com escolas municipais, e conduz trabalhos de conscientização do uso dos recursos hídricos, além de promover cursos que incentivam a geração de renda de forma ambientalmente sustentável para os habitantes da vila.

O uso sustentável da água foi um dos temas abordados pelo pesquisador da PUC-Campinas, Antônio Carlos Demanboro. Em sua palestra, ele tratou dos limites físicos do nosso planeta, apresentando dados comparativos sobre o consumo atual de recursos como água, terrenos agriculturáveis, energia e as expectativas de crescimento populacional.

Demanboro ressaltou a complexidade destas análises. “Uma importante questão é que estes recursos estão distribuídos de forma assimétrica, ou seja, existem áreas de grande concentração populacional e poucos recursos hídricos, como o sudoeste asiático, e outras opostas, como a Amazônia” aponta. Mas ele também contrapõe as previsões mais pessimistas: “Aspectos positivos são as mudanças tecnológicas, que aumentaram em muito a produtividade agrícola por hectare, geram energia de maneira mais eficiente e reutilizam a água”.

Outro tema discutido no evento foi o consumo consciente e as compras públicas sustentáveis. “O poder público pode participar por meio de capacitação de seus agentes de compras; efetivamente realizando compras sustentáveis, ao elaborar editais de licitação com preocupações sociais e ambientais; alterando seus bancos de dados de produtos e serviços para introduzir produtos e serviços com critérios ambientais e sociais; elaborando novas normas que obriguem a adoção de condutas socioambientais adequadas e alterando as já existentes para readequar as atividades governamentais para um consumo adequado”, aponta Luciana Betiol, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-SP. O debate mostrou que além de consumir com consciência, o poder público pode atuar como um desencadeador de iniciativas sustentáveis.

Um ponto em comum em todas as discussões do evento foi a necessidade de se realizar parcerias entre diversos atores da sociedade. São prefeituras com projetos em conjunto com universidades e institutos de pesquisa para implantar novas tecnologias, assim como pesquisadores que se associam a empresas que financiam novas iniciativas. Luciana Betiol enfatiza esse caráter agregador. “Não há como tratar de desenvolvimento sustentável sem envolver todos os atores sociais relevantes. O próprio conceito de desenvolvimento sustentável já engloba aspectos sociais, ambientais e econômicos, o que exige a participação de toda a sociedade em sua discussão”, conclui.

A organização do Projeto Sustentar 2008 foi uma iniciativa conjunta da Prefeitura de Campinas, da Unicamp, da PUC-Campinas, da Fundação Fórum Campinas, da Sanasa e da ABMaior Consultoria Ambiental. Foram cerca de 20 mil participantes e mais de trinta palestras ou mesas redondas, além de dezenas de shows, atividades culturais e oficinas.

Tinta inseticida poderá ser usada contra a Doença de Chagas

Um trabalho do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte, está avaliando a eficácia de tinta inseticida. Usada em casas de pau-a-pique e galinheiros, a pintura extermina o barbeiro, transmissor da doença de Chagas, e outros insetos.

Uma tinta especial é o mais novo inimigo do barbeiro, o inseto vetor do Trypanosoma cruzi, o protozoário causador da doença de Chagas. O médico infectologista João Carlos Dias, do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte, está avaliando a tinta inseticida que pode ser aplicada em casas de pau-a-pique e galinheiros, os esconderijos prediletos do barbeiro. Além de exterminar os insetos, o pesticida tem liberação lenta e efeito residual, que pode durar cerca de um ano. A tinta tem também bom aspecto e não deixa odores.

Casa pintada com a tinta inseticida há mais de seis meses.
Desenvolvido na Espanha, o produto já tem ação comprovada contra mosquitos, ácaros, himenópteros (formigas, abelhas, vespas) e ortópteros (grupo das baratas). A fórmula é uma combinação dos inseticidas diazinon, clorpirifós e piriproxifen, mas testes toxicológicos classificaram o produto final como pouco tóxico ou praticamente atóxico para humanos. Considerada inofensiva às pessoas ao ambiente, a pintura inseticida está aprovada para uso domiciliar no México, Costa Rica, Colômbia, Espanha e Argentina, com patente registrada nesses dois últimos paises. Há também registros de sua patente no Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha.

Dias conta que uma nova formulação da pintura, cujos ingredientes ativos são compostos chamados piretróides, está em fase de testes. Nesses ensaios, a tinta é aplicada em galinheiros experimentais. Em seis meses de testes, conduzidos em Minas Gerais, a pintura mostrou-se eficaz contra os insetos e não causou danos em cobaias ou galinhas expostas. O próximo passo – com início previsto para agosto – é tratar 200 casas rurais em Minas Gerais com ambas as formulações. Seu desempenho será então comparado com o do inseticida convencional (alfa-cipermetrina), distribuído pelo Ministério da Saúde.

Para Dias, efeitos cumulativos são possíveis, assim como para todo pesticida. Por isso, o monitoramento com animais segue em andamento. “A parte toxicológica básica está favorável; o acompanhamento de seres humanos expostos na Bolívia nada detectou em mais de um ano de exposição”, diz ele. “O uso [criterioso] e tecnicamente correto de fosforados e piretroides não tem indicado efeitos importantes”, esclarece.

Nas doses adequadas e eficientes, a toxicidade aguda é menor ou no máximo semelhante à dos ingredientes ativos já empregados contra a dengue (fosforados) e Chagas ou malária (piretróides), segundo Dias. “Nos programas tradicionais, o ingrediente ativo vai bruto e solto – teoricamente mais agressivo – e na pintura vai aderido à matriz”. Composta de carbonato de cálcio e resina, a matriz da pintura inseticida é branca, mas pode ser colorida com pigmentos de quaisquer cores, à escolha dos moradores.

Segundo o pesquisador, o uso em larga escada do produto depende basicamente de dois pontos, a ausência de efeitos colaterais para humanos, animais e ambiente e uma boa relação custo-efetividade. Um efeito residual superior a dois anos seria o ideal, na opinião de Dias.

No mercado brasileiro já existe, desde o ano passado, uma tinta repelente. O produto foi lançado visando o nicho de combate à denque. Diferente da tinta da Fiocruz, a repelente não tem efeito inseticida e afugenta insetos usando aditivos de origem vegetal.