Plantas medicinais: mais um aliado para o tratamento de alergias

Pesquisadores estudam a aplicação terapêutica e profilática de plantas medicinais para o tratamento de alergias. Lafoensia pacari (dedaleira ou magava brava) e Solanum asperum (coça-coça ou jurubeba-branca) são apontadas como possíveis fontes de metabólitos secundários com propriedades antiinflamatórias.

Foi da casca da mangava brava, uma planta típica do cerrado, que pesquisadores derivaram um extrato alcoólico que se mostrou eficaz no tratamento e prevenção de alguns sintomas da asma, em camundongos. O artigo, publicado este ano no periódico científico European Journal of Pharmacology (Vol.580; n.1-2, 2008), “abriu perspectiva para o uso dessa planta no tratamento de processos alérgicos”, destacou Lúcia Faccioli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), líder do trabalho realizado em colaboração com Momtchilo Russo, do Departamento de Imunologia da USP.

Lafoensia pacari (arbusto e detalhe da casca) Foto: Maria de Fátima Barbosa Coelho

Faccioli contou que a idéia de estudar a mangava brava, também conhecida como dedaleira (Lafoensia pacari St.Hill), surgiu após contato com Deijanira Albuquerque, da Universidade Federal do Mato Grosso, que pretendia demonstrar cientificamente as propriedades antiinflamatórias da planta usada popularmente para úlcera gástrica, combate a febre, tônico e cicatrizante. No Paraguai, a planta é chamada de morosyvo e é utilizada para o tratamento de câncer.

Conduzido principalmente por Alexandre Rogério, os trabalhos resultantes dessa linha de pesquisa já haviam mostrado efeitos antiinflamatórios da dedaleira em modelos experimentais de infecção. Além disso, o ácido elágico – composto fenólico encontrado em muitos alimentos, dentre eles o morango, e um dos metabólitos secundários da dedaleira – foi identificado como responsável por esses efeitos, explica Faccioli.

No trabalho atual, os pesquisadores utilizaram o modelo clássico de induzir alergia em camundongos usando o alérgeno ovalbumina, uma proteína de ovo de galinha. Quando administrada em condições e intervalos adequados, a proteína leva ao desencadeamento de vários sintomas da asma, como intensa infiltração de células no pulmão, liberação de moléculas inflamatórias, dificuldade em respirar quando desafiado com substância broncoconstrictora, produção exacerbada de muco no pulmão, entre outros.

Quando tratados com o extrato da planta, assim como com o ácido elágico, os camundongos apresentaram uma diminuição no número de eosinófilos e neutrófilos – células inflamatórias – no pulmão em comparação com os alérgicos não tratados. Além disso, os pesquisadores observaram também uma inibição na liberação de citocinas como IL-5, IL-4 e IL-13, moléculas aumentadas em processos inflamatórios com predomínio de eosinófilos, como aqueles que ocorrem nas alergias, na asma e em algumas parasitoses, afirma a pesquisadora.

Mas nem todos os atributos importantes da asma foram controlados com o tratamento. O extrato da mangava brava foi incapaz de inibir significativamente a síntese de substâncias (leucotrienos), que causam broncoconstricção, secreção de muco e aumento da permeabilidade vascular característicos da asma. Contudo, os pesquisadores observaram uma tendência do tratamento com ácido elágico em diminuir a síntese de leucotrienos. E concluem: “Esses tratamentos reduziram alguns dos mais significativos fenótipos relacionados com a asma”, o que confirma o uso popular da mangava brava como agente antiinflamatório. Além disso, Faccioli destaca que “há indicativos que o extrato alcoólico da Lafoensia pacari não é tóxico”, com base em ensaios in vitro e in vivo.

Extrativismo

E de onde são coletadas as plantas para a obtenção do extrato? “É um problema uma espécie ser indicada para uso farmacológico e não ser cultivada”, destaca Maria de Fátima Barbosa Coelho, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, no Rio Grande do Norte. A pesquisadora afirma que desconhece que a Lafoensia pacari seja cultivada para a extração da casca para uso medicinal. No entanto, isso não seria problema, uma vez que “suas sementes germinam com facilidade, pode-se fazer mudas e transplantar para o campo aos cinco ou seis meses, e com cerca de três anos algumas plantas já apresentam um bom desenvolvimento do tronco e poderiam fornecer cascas”, orienta a pesquisadora. Laércio Wanderlei dos Santos, que desenvolveu sua dissertação de mestrado com Maria de Fátima Coelho, obteve bons resultados com adubação orgânica da mangava brava em Barra do Garças, Mato Grosso.

Opções de plantas medicinais não faltam na vasta biodiversidade brasileira. Outra possibilidade que vem sendo aventada pelos pesquisadores é o uso de flavonóides – substâncias químicas encontradas principalmente em frutas e verduras vermelho-alaranjada, em polens e em flores – para o tratamento e prevenção de alergias. Karina Carla de Paula Medeiros e Márcia Regina Piuvezam, do Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos da Universidade Federal da Paraíba, desenvolvem atualmente projeto em colaboração com Russo, para o estudo de um flavonóide derivado do kanferol, extraído das partes aéreas da planta Solanum asperum Richard, conhecida popularmente por coça-coça, jussara, jurubeba-branca ou velame-bravo. O objetivo é avaliar o efeito da administração desse flavonóide tanto na prevenção quanto no tratamento da asma já estabelecida, no mesmo modelo experimental em camundongos descrito acima. Dados preliminares sugerem que o derivado do kanferol inibe reações inflamatórias, bem como melhora a função pulmonar relacionada com a asma alérgica; no entanto, os mecanismos envolvidos do flavonóide para tais efeitos ainda estão em investigação. “Entendendo os mecanismos básicos é possível desenvolver produtos que atuem durante a sensibilização com o alérgeno ou diminuam os sintomas do indivíduo já sensibilizado”, conclui Russo.

Solanum asperum Richard e flavonóide derivado.
Foto: Tania Maria Sarmento da Silvav

Componente bacteriano minimiza alergias causadas por vacinas

O hidróxido de alumínio, composto utilizado em inúmeras vacinas, pode desencadear alergias. Pesquisadores da USP mostraram que esse potencial alérgico pode ser minimizado com a adição de um componente bacteriano.

Os primeiros dez anos da vida de uma criança são acompanhados por 19 doses de vacinas contra 13 doenças, de acordo com recomendação do calendário básico de vacinação do Ministério da Saúde. Para quase metade dessas doenças, as vacinas são acrescidas de um composto, o hidróxido de alumínio (alum) que, embora largamente utilizado em humanos, tem potencial de desencadear alergias, segundo Momtchilo Russo, do Departamento de Imunologia da Universidade de São Paulo (USP).

Em trabalho a ser publicado no periódico científico Clinical and Experimental Allergy, Russo e sua equipe mostraram que esse potencial alérgico do alum pode ser minimizado com a adição de um componente bacteriano, o lipopolissacarídeo (LPS). Tanto o alum quanto o LPS são considerados adjuvantes por intensificarem as reações imunológicas, levando à produção de anticorpos e/ou estímulo de células. No entanto, são conhecidos também por suas funções antagônicas: alum é um protótipo de adjuvante do tipo “Th2” e o LPS, por sua vez, do tipo “Th1”. Essas denominações referem-se a polarizações características de algumas desordens imunológicas, como doença auto-imune (Th1) e processos alérgicos (Th2), de acordo com Russo. Partindo de uma pergunta acadêmica, “o que acontece com o sistema imune se misturarmos dois tipos de adjuvantes?”, os pesquisadores se propuseram a estudar esse efeito em modelo experimental de asma, em camundongos.

Enquanto um grupo de animais foi sensibilizado com alum e o alérgeno ovalbumina – uma proteína de ovo de galinha -, outro grupo recebeu o mesmo alérgeno co-adsorvido com os adjuvantes alum e LPS. Os pesquisadores observaram uma típica curva dose-resposta: quanto maior a quantidade de LPS na mistura, menor o número de células infiltrantes no pulmão e menor o nível da produção das citocinas IL-5 e IL-13, relacionadas com as respostas alérgicas, deixando claro que o LPS foi capaz de prevenir a inflamação alérgica. O mesmo padrão foi observado quando outros parâmetros foram estudados, como a capacidade respiratória quando desafiado com substância broncoconstrictora, a produção de muco e a inflamação pulmonar.

Chamou a atenção dos pesquisadores que essa supressão da asma não foi acompanhada por uma polarização para o perfil Th1, o que seria, a princípio, esperado por conta da conhecida ação do LPS. Russo destaca que tais resultados “abrem a possibilidade de inibir reações alérgicas sem fazer com que o sistema polarize, que é o caso das hipersensibilidades, que podem matar e são os extremos da imunologia: causam tanto doenças alérgicas quanto auto-imunes”.

Pulmão de animais não alérgicos (controle), alérgicos (OVA) e tratados com LPS

Entender os mecanismos da supressão mediada pelo LPS foi o próximo objetivo do trabalho. Assim, Juliana Bortolatto, da equipe de Russo, fez experimentos em colaboração com um grupo em Orleans, na França, estudando quais vias de sinalização dentro das células eram necessárias para o efeito observado. Usando camundongos deficientes em moléculas importantes para a sinalização do LPS, entre as quais TLR-4, MyD88 e TRIF, eles concluíram que as duas primeiras são importantes para a inibição da reação alérgica.

O próximo passo foi estudar se um lipídeo sintético, que também se liga ao mesmo receptor que o LPS, porém sem seus efeitos tóxicos, poderia ser usado como adjuvante. A confirmação veio através da injeção intravenosa desse lipídeo, que não induziu a liberação de TNF e NO, produtos envolvidos na toxicidade do LPS, que poderiam causar diarréia e letargia.

Em um cenário onde 300 milhões de pessoas mundo afora sofrem de asma, de acordo com a última estatística da Organização Mundial de Saúde (2007), a busca por novas alternativas de inibir reações alérgicas torna-se cada vez mais importante. “E nosso trabalho abre possibilidades de desenvolver novas vacinas”, conclui Russo.

A idéia de misturar adjuvantes alinha-se com o que a pesquisadora Philippa Marrack, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, escreveu em um comentário publicado no final do ano passado no periódico científico Immunity. “Há um interesse crescente por vacinas que contenham mais de um adjuvante”, destacou. O desenvolvimento de qualquer vacina envolve uma escolha cuidadosa do adjuvante, e a tarefa para os vacinologistas é escolher os adjuvantes que induzam a resposta imune apropriada sem causar danos, completa.

Técnica que antecipa diagnóstico da dengue é aperfeiçoada

Pesquisa do Laboratório de Virologia da Universidade Federal da Bahia padroniza teste que permite confirmar o diagnóstico clínico da dengue a partir do segundo dia de sintomas, além de revelar o sorotipo do vírus responsável pela infecção.

Confirmar o diagnóstico da dengue ainda no segundo dia de sintomas e detectar qual dos quatro sorotipos do vírus causou a doença. Esses são os objetivos de uma pesquisa que está sendo conduzida no Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Estamos ajustando uma técnica, já publicada, para a realidade do vírus na Bahia e no Brasil”, explica Gubio Soares Campos, coordenador do laboratório.

Atualmente, a confirmação laboratorial da dengue é feita no país por meio de duas técnicas, uma sorológica e outra virológica. A sorologia é o exame mais comum na prática clínica. É utilizado o teste Mac-Elisa e o sangue do paciente só pode ser colhido a partir do sexto dia de sintomas da doença, quando o nível de anticorpos permite sua detecção. O resultado fica disponível em cerca de 48 horas. Contudo, essa técnica não determina qual sorotipo infectou o paciente.

Por sua vez, o diagnóstico por isolamento viral permite essa informação, mas é realizado apenas em alguns laboratórios de referência e indicado principalmente em casos de dengue hemorrágica. Para sua realização, a amostra de sangue deve ser coletada preferencialmente na fase aguda da doença, ou seja, nos cinco primeiros dias de sintomatologia. “Para isolar o vírus em uma cultura de células e obter os resultados, leva-se 21 dias”, pontua Campos.

A técnica que vem sendo aperfeiçoada e padronizada na UFBA desde o começo deste ano utiliza-se da biologia molecular e apresenta resultados em cerca de 24 horas. “Com ela, não é necessário isolar o vírus, cultivar as células”, detalha o pesquisador. Por essa técnica, a amostra de sangue do paciente é processada, o RNA do vírus é extraído e são aplicados dois procedimentos, um que consiste na cópia do RNA (RT-PCR ou transcrição reversa-reação em cadeia da polimerase), e outro (nested-PCR ou reação em cadeia da polimerase) que, usando segmentos de RNA específicos para cada tipo de vírus, detecta qual deles está presente na amostra analisada.“Estamos obtendo bons resultados utilizando essa técnica”, avalia Campos.

Segundo ele, o diagnóstico precoce da dengue é fundamental para a eficiência do tratamento e para evitar a evolução para quadros mais graves da doença. A informação sobre o vírus infectante permite também um acompanhamento diferenciado para cada paciente.

Campos acredita que, no futuro, a técnica pode ser utilizada na rotina do diagnóstico em todo o país, beneficiando toda a população. O Laboratório de Virologia da UFBA recebe financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), porém, um dos maiores entraves para a realização da pesquisa ainda é a escassez de recursos financeiros. “Qualquer parceria seria bem-vinda”, enfatiza ele. O material utilizado na técnica é importado e Campos estima em cerca de 50 reais o custo de cada teste.

Norovírus

Utilizando-se da mesma técnica, a equipe de Campos identificou pela primeira vez o norovírus como causador de um surto de diarréia na Bahia, entre junho e julho de 2006. “Encontramos norovírus do tipo 2, o mesmo que predomina em alguns países europeus e nos Estados Unidos”, explica o pesquisador. Esse foi o segundo surto de diarréia comprovadamente causado pelo norovírus reportado no Brasil neste século. Ao contrário das ocorrências anteriores, que afetaram principalmente crianças, na Bahia, o vírus acometeu em sua maioria jovens adultos.

Os achados foram publicados em artigo na edição de junho do periódico Archives of Virology. Com a descoberta da presença do norovírus no estado, ações de prevenção podem ser intensificadas e novos surtos podem ter seu agente causador descoberto mais rapidamente e com menos custos. Agora, os pesquisadores do laboratório estão empenhados em criar um kit nacional de detecção do norovírus, adaptado à realidade brasileira. “Os kits de que dispomos atualmente são importados e caros”, lembra Campos.

Vacina

Em São Paulo, o Instituto Butantan acelerou as pesquisas de formulação de uma vacina contra os quatro vírus da dengue. Por meio de um acordo de cooperação com o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, o Butantan adquiriu há cerca de três meses as cepas (linhagens dos virus) necessárias para a produção da vacina. Os testes em humanos devem começar no ano que vem e, confirmada sua eficácia, a estimativa é que em 2010 a população já possa começar a ser imunizada.

O investimento total do projeto deve chegar a R$ 20 milhões. A intenção é que a vacina seja vendida a baixo custo ao Ministério da Saúde e incorporada ao calendário oficial de vacinação.

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