AVC: uma doença que ninguém conhece

Pesquisa de percepção pública do AVC, doença que mais mata no país, mostra que o brasileiro não consegue reconhecer e reagir aos sintomas de alguém com a doença.

O brasileiro entende de saúde? Consegue reconhecer os sintomas de doenças com alto grau de mortalidade? Sabe o número que deve ser discado em caso de emergência médica? Uma pesquisa de percepção pública sobre o acidente vascular cerebral (AVC), a doença que mais mata no país, mostrou que a resposta para essas perguntas é não.

Pesquisadores do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto chegaram a essa conclusão depois de entrevistar 801 pessoas de quatro grandes cidades brasileiras: São Paulo, Salvador, Fortaleza e Ribeirão Preto. Aos entrevistados era descrito a cena de um idoso com sintomas claros de AVC. Em seguida, fazia-se uma série de perguntas sobre fatores de risco preponderantes, reconhecimento dos sintomas e reação do entrevistado diante daquela suposta situação de emergência.

Para 22% dos pesquisados, sintomas como dificuldade súbita para falar, andar ou enxergar e fraqueza ou dormência em um lado do corpo não eram considerados sinais de AVC, mas sim de infarto do miocárdio, epilepsia ou câncer. Dentre os que identificaram corretamente a situação, 28 denominações diferentes foram dadas à doença. As mais comuns foram derrame, trombose, infarto cerebral e passamento.

Vítima de AVC em tratamento fisioterápico.
Crédito: Doug Mills

 

O pior, entretanto, não diz respeito à nomenclatura ou reconhecimento dos sintomas de uma artéria cerebral entupida, mas às medidas tomadas pelos entrevistados após este reconhecimento. É que o AVC pede extrema velocidade na chegada do paciente à emergência de um hospital capacitado para atendê-lo. O paciente que chega depois de passadas três horas do surgimento dos sintomas iniciais aumenta muito o risco de morte ou seqüelas permanentes.

Ao perceber que alguém teve um AVC, mais da metade dos entrevistados (51%) tomaria a atitude correta que é ligar para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Tudo bem até aí, se não houvesse um porém. É que, ao se questionar qual o número de atendimento do Samu, 65% não souberam responder ou citaram números diferentes de 192 ou 193 (varia conforme o Estado). Houve inclusive quem citasse 911 (2% da amostra), número utilizado para emergências nos EUA e outros países.

Zona de penumbra e novos tratamentos

Até 10 anos atrás era comum ver um paciente com AVC largado em algum canto do hospital. Os médicos diziam que não se tinha o que fazer, pois não havia tratamento para essas pessoas. No máximo se prescrevia algumas sessões de fisioterapia para tentar melhorar as limitações físicas impostas pelas seqüelas.

Hoje o cenário mudou drasticamente. De 2000 para cá, muitos pacientes brasileiros com AVC já podem contar com o trombolítico Alteplase (TPA), uma substância aplicada na artéria ou veia do paciente que restabelece o fluxo sangüíneo para a região cerebral afetada.

“Nos casos em que ocorre a desobstrução da artéria com trombolítico, em menos de três horas, parte da região afetada pode voltar a funcionar e os sintomas tendem a regredir ou desaparecer. Essa região recuperada é freqüentemente denominada zona de penumbra”, diz Octávio Pontes Neto, coordenador da pesquisa da USP.

Estudos mostram que o TPA diminui em 30% o número de pacientes incapazes ou com seqüelas. Infelizmente, o uso medicamento possui um risco de hemorragia intracraniana que varia entre 3 e 6%. Isso faz com que apenas 5% dos atuais pacientes se encaixem nos rigorosos critérios de seleção.

“O principal problema de não conseguirmos aumentar o número de pacientes trombolisados no Brasil é a lógica de atendimento do SUS e falta de equipes de AVC nas emergências dos hospitais”, disse Viviane Flumignano, coordenadora do Serviço de Doenças Cerebrovasculares do HC da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Segundo ela, um paciente com AVC não pode passar por um posto de saúde primeiro, como é a prática no sistema de saúde público, para depois ser levado a um hospital referência. “Perde-se muito tempo nisso e quando o paciente chega não há mais nada que possamos fazer”, lamenta.

O segredo consiste em uma ação conjunta, dizem os neurologistas da USP de Ribeirão. Quem percebe uma pessoa com AVC deve comunicar imediatamente o Samu. Os paramédicos precisam estar treinados para levar o paciente no menor tempo possível a um hospital com um neurologista de plantão 24h. Só assim teremos condições de aumentar o número de pacientes trombolisados e, quem sabe, diminuir a quantidade de mortos por essa doença.

Novos alvos contra o câncer na mira dos cientistas

Recentemente publicado pela revista Nature Rewies Cancer, um artigo afirma que alguns tratamentos contra o câncerpodem fortalecer determinados tipos de tumores. Apesar de controversa, essa linha de pesquisa tem merecido atenção de publicações científicas importantes e é foco de pesquisas em vários lugares.

Um artigo recentemente publicado pela revista Nature Rewies Cancer afirma que tratamentos contra o câncer, como a quimioterapia e a radioterapia, podem fortalecer tumores sólidos (tecidos anormais que normalmente são desprovidos de cistos e líquidos). Ao fazer essa afirmação, o oncologista Mark W. Dewhirst passa a integrar um grupo de especialistas que defendem essa idéia que apesar de controversa, tem merecido atenção de publicações científicas importantes e é foco de pesquisas em vários lugares.

De acordo com o artigo, tanto a quimio, como a radioterapia podem aumentar um fator regulatório, chamado HIF1(fator 1 induzido por hipóxia), que é utilizado pelas células na obtenção do oxigênio necessário para o crescimento de novos vasos sanguíneos no tumor. É essa molécula chamada HIF1 que pode se tornar, no futuro próximo, um novo alvo no tratamento de tumores sólidos.

“Há drogas em desenvolvimento e algumas já encontram-se na fase de testes clínicos”, conta Mark Dewhirst, pesquisador do Departamento de Radiação e Oncologia do Centro Médico da Universidade Duke. Seu laboratório, depois de investigar outros alvos potenciais, procura desenvolver maneiras de bloquear a atividade do HIF1. O bloqueio do HIF1 pode ser, de acordo com o artigo, uma forma de matar as células tumorais sólidas, em especial, as resistentes aos tratamentos convencionais.

O HIF1 protege as células tumorais e as que compõem a parte interna dos vasos sanguíneos, fazendo com que fiquem resistentes à ação da radiação. Ele é fundamental para a progressão do tumor, por estimular a expressão (leitura) de receitas genéticas ligadas à formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese), à metástase e à resistência ao acúmulo de espécies reativas de oxigênio, os “radicais livres”(estresse oxidativo). Controla, ainda, a mudança do metabolismo de aeróbico para anaeróbico. E a produção desse fator de transcrição é induzida pela redução da pressão de oxigênio resultante da aplicação de agentes quimioterápicos e da radiação que matam as células cancerosas.

A concentração de oxigênio num tumor sólido diminui à medida que aumenta a distância das células aos vasos capilares. Assim é que, no centro de um tumor sólido, há células que não recebem oxigênio. Essa região entra em necrose. Perto dos capilares, na periferia do tumor, as células são bem oxigenadas. Entre essas duas camadas ficam as células na condição de baixa concentração do gás, denominada hipóxia. Mas, se as células próximas aos vasos estão em vantagem em relação ao suprimento de O2, elas também são mais facilmente atingidas pelo tratamento. Abundante, o gás reage com as espécies reativas de oxigênio (“radicais livres”) formadas pela radiação. E o efeito é devastador: as biomoléculas são destruídas e as células morrem.

As células em hipóxia, por sua vez, são reoxigenadas após a aplicação de radiação ou de algumas formas de quimioterapia. Para os especialistas que defendem essa idéia, o efeito provavelmente é causado pela redução da taxa de consumo de oxigênio com a morte das células periféricas, oxigenadas e sensíveis à radiação, e ainda pelo aumento da perfusão (entrada de líquido). Quanto maior o número de aplicações, pior: a alternância entre altas e baixas concentrações de oxigênio favorece o tumor. Segundo Dewhirst, essa pode ser considerada uma importante razão para que tratamentos mais curtos e efetivos sejam desenvolvidos.

Diversos tecidos do organismo humano vivem em hipóxia, entre eles, as porções da retina que ficam no escuro, o epitélio tubular do rim e o músculo cardíaco durante o exercício. “A maioria dos tecidos normais não é hipóxica, mas aquelas que são tipicamente hipóxicas não têm muita atividade do HIF1”, explica Dewhirst. “Assim, acho que a inibição dessa molécula não seria muito tóxica para os tecidos normais”, completa. Em outras palavras, haveria poucos efeitos colaterais.

Uma exceção seria a cicatrização de ferimentos, na qual uma cascata finamente orquestrada de eventos, em nível celular e molecular, reconstitui o tecido danificado. Essa reconstituição requer a formação de novos vasos sanguíneos. Como outros medicamentos que inibem a formação de novos vasos, os inibidores de HIF1 não seriam recomendados, por exemplo, a alguém que fosse se submeter a uma cirurgia. Apesar dos resultados promissores, os cientistas devem incorporar os inibidores do HIF1 nas estratégias de tratamento por radiação ou quimioterapia, e não fazer dele um alvo único.

Feitiço contra o feiticeiro

Ricardo José Alves, químico farmacêutico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), investiga a ação de substâncias biorredutíveis, explorando outra característica das células em hipóxia que pode ser usada contra elas. Trata-se de uma maior capacidade de fazer substâncias ganharem elétrons ou átomos de hidrogênio ou perderem oxigênio (redução). Desde 1972, pesquisadores têm estudado diversas substâncias que seriam modificadas, atingindo sua forma ativa, somente após sofrerem redução nas células. Dentre as principais classes de agentes do tipo, encontram-se os antibióticos mitomicina e porfiromicina, que já foram incorporados ao arsenal terapêutico antitumoral. “Um fármaco que continua em estudos clínicos é a tirapazamina, um fármaco biorredutível derivado de N-óxido, que tem sido estudado em combinação com a radioterapia e em associação com outros fármacos, como a cisplatina e a ciclofosfamida, para o tratamento de diversos tumores sólidos”, conta.

O pesquisador brasileiro lembra que a condição de hipóxia está associada a diversas doenças, e não somente a tumores sólidos, como artrite, trombos, isquemia cerebral, devido ao surgimento de regiões onde ocorre uma diminuição da circulação sanguínea. “Tais situações podem concorrer para o aparecimento de efeitos colaterais dos agentes biorredutíveis”, diz Alves. Como acontece com o bloqueio do HIF1, a baixa concentração de oxigênio nas células da retina que ficam no escuro faz com que alguns medicamentos ou candidatos a medicamentos biorredutíveis tenham sobre ela efeitos tóxicos.

A mitomicina e a porfiromicina, por sua vez, têm como efeitos colaterais a mielossupressão (interrupção da produção de células sanguíneas pela medula) e/ou efeitos sobre o sistema digestório. Segundo Alves, esses efeitos são comuns nos agentes antitumorais que, de modo geral, são pouco específicos. “Um fator característico de medula e do trato gastrointestinal é a reprodução celular mais acentuada que a de outros locais do organismo, tornando-os mais propensos a sofrer a ação de agentes que interferem na divisão celular”, explica.

De acordo com Alves, é possível que os tumores sólidos venham a ser tratados por coquetéis. “As associações, em geral, são tentativas de aumentar a eficiência do tratamento. Por exemplo, a associação de tirapazamina (agente biorredutível) com cisplatina é mais eficiente do que os fármacos isolados em alguns casos”, pondera. Agora, os pesquisadores da área buscam encontrar outras diferenças entre células oxigenadas e em hipóxia para explorar o uso de associações. “Por exemplo, células em hipóxia apresentam angiogênese aumentada. A associação de inibidores de angiogênese com substâncias biorredutíveis pode ser interessante. Mas não tenho conhecimento da eficácia eventual dessa associação”conclui.

Doses altas do anti-idade DMAE produzem efeito inverso em camundongos

Estudo do Departamento de Farmacologia da Unicamp ajuda a esclarecer o mecanismo de ação do agente anti-idade dimetilaminoetanol (DMAE) e mostra que, em doses elevadas, ele produz o efeito inverso em camundongos.

O famoso Botox não é a única solução para manter a juventude sem cirurgia plástica. Em 2002, entrou em cena no Brasil o dimetilaminoetanol, mais conhecido como DMAE ou, inadequadamente, como “creme botox”. Aplicado na pele, ele atua como tensor ao enrijecer os músculos da face. “Ele não elimina rugas e sim tira aquele ar de cansaço próprio da flacidez que a pele vai adquirindo com a idade”, explica a farmacêutica Yoko Oshima Franco, professora da Universidade de Sorocaba (Uniso) e da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Um estudo do Departamento de Farmacologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) esclarece o pouco conhecido mecanismo de ação do DMAE e mostra que, em altas doses, ele pode produzir o efeito inverso em camundongos.

A pesquisa é o tema da dissertação de mestrado do farmacêutico Dimas dos Santos Rocha Júnior e é feita sob orientação de Franco e da professora do Departamento de Farmacologia Léa Rodrigues Simioni. O efeito anti-idade do DMAE ocorre devido ao enrijecimento, isto é, à contração involuntária da musculatura, que acaba por esticar a pele. Por isso, Rocha utilizou músculos isolados de camundongos para investigar o modo pelo qual esse enrijecimento é produzido.

Os resultados foram esclarecedores. O farmacêutico descobriu que o DMAE aumenta a quantidade de acetilcolina – o neurotransmissor que faz a sinapse entre o nervo e o músculo – contida dentro das vesículas sinápticas. Essas vesículas liberam acetilcolina em pacotes (quanta) a cada contração muscular. Os achados de Rocha sugerem que é o aumento da quantidade de acetilcolina no ponto de contato entre o nervo e o músculo (chamado de junção neuromuscular) que causa, pelo menos em parte, o enrijecimento da musculatura.

De fato, o DMAE aumentou a força nos músculos isolados dos camundongos. Por outro lado, os resultados de Rocha revelaram que o agente também produz esse efeito através de uma ação direta na musculatura, independente da liberação de acetilcolina.

Mas Rocha descobriu também que o agente anti-idade deve ser usado com cautela. Em camundongos, o aumento da força muscular pelo DMAE é dependente da dose utilizada e, nos estudos de Rocha, apareceu em concentrações mais baixas. Nas mais altas, o agente produziu o efeito inverso, isto é, paralisia muscular.

Esse fato é particularmente importante no caso do DMAE, que é incorporado a formulações cosméticas na forma de creme para ser aplicado pelo próprio consumidor. Não é o caso do Botox, que é disponibilizado na forma injetável e aplicado somente por médicos. “O uso racional do DMAE deve ser avaliado por quem o prescreve, uma vez que esse tipo de informação é inacessível à população, que busca tão somente uma melhor apresentação estética”, adverte Rocha.

Para ele, a importância da pesquisa é mostrar que o DMAE é um produto bioativo, que exerce efeitos sobre o organismo. “Produtos cosméticos contendo ingredientes bioativos, com reconhecido mecanismo molecular, têm sido informalmente denominados ’cosmecêuticos’, ou seja, cosméticos com propriedades terapêuticas, de combate a doenças ou curativas”, explica. O farmacêutico esclarece que o termo “cosmecêutico” não é reconhecido pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador dos EUA, nem pela Agência Nacional de Vigilência Sanitária (Anvisa), mas é preciso considerar as diferenças entre um produto meramente cosmético daquele que age como medicamento, como o DMAE. “Portanto, deve-se assegurar a sua prescrição por dermatologistas e a manipulação por profissionais farmacêuticos com habilitação na área”, acrescenta.