O uso da tecnologia pode ajudar na busca de crianças e adolescentes desaparecidos. Com a criação de um banco de DNA dos pais ou parentes próximos do desaparecido é possível avaliar o vínculo genético com indivíduos que forem localizados. O projeto Caminho de Volta, criado em 2004 na Faculdade de Medicina da USP em parceria com a Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo, possui um banco de DNA e um banco de dados destinados a auxiliar no processo de busca dos desaparecidos, pelo uso de técnicas de biologia molecular, genética e informática.
Estima-se que no Brasil cerca de 40 mil crianças e adolescentes desaparecem por ano, sendo 8 mil somente no estado de São Paulo. Dentre as principais causas dos desaparecimentos estão as fugas de lares violentos, que correspondem a cerca de 70% dos casos.
O DNA, que pode auxiliar nas buscas, é a abreviatura de ácido desoxirribonucléico, uma molécula orgânica que reproduz o código genético e contém toda a informação genética de um indivíduo. Os bancos de DNA ou bancos de material genético são arquivos de amostras biológicas, ou seja, de DNA ou seqüências de DNA para diferentes finalidades.
O banco de DNA permite a rápida e ágil avaliação de vínculo genético das crianças e adolescentes encontrados. Além disso, a coleta de dados pessoais do desaparecido, com informações sobre a organização familiar e sobre as circunstâncias do desaparecimento compõem o banco de dados que possibilita o cruzamento das informações armazenadas.
O projeto atinge oito cidades e a capital paulista e, desde agosto, também o Paraná. O banco de DNA do Caminho de Volta é o primeiro do país com a finalidade de encontrar crianças e adolescentes desaparecidos e a idéia é que seja estendido para o Brasil inteiro; porém, ainda não há previsão para sua implantação em outros estados. O banco de DNA desse projeto conta hoje com 560 famílias cadastradas e sob acompanhamento. Cerca de 60% das crianças são encontradas ou voltam espontaneamente para casa. O banco de DNA identificou até o momento quatro crianças, sendo que três delas foram encontradas mortas. A quarta criança esteve em um abrigo enquanto estava desaparecida. No Paraná, 30 famílias foram recentemente cadastradas.
O projeto atende famílias que tiveram seus filhos desaparecidos, desde que com idade inferior a 18 anos, mas é preciso que seja feito um boletim de ocorrência do desaparecimento. Casos antigos também são aceitos, desde que estes pré-requisitos sejam atendidos. “Após o esclarecimento sobre o projeto, as famílias que desejam participar assinam um termo de consentimento, respondem a um questionário estruturado sobre o desaparecimento, a estrutura familiar e o perfil emocional da criança”, explica Gilka Gattás, professora da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do projeto Caminho de Volta. Então, uma gota de sangue dos pais é coletada em um papel de filtro especial para análise do DNA, que pode ser guardado por até 20 anos.
A família volta a conversar com o mesmo psicólogo que a atendeu por pelo menos três entrevistas na própria delegacia. Uma vez identificada uma possível forma de ajuda a esses familiares, eles são encaminhados para uma rede de atendimento psicossocial tão próxima quanto possível de suas casas. “Uma criança desaparecida, quando encontrada, está sob a responsabilidade de uma autoridade policial ou judicial e são eles os responsáveis pelo encaminhamento das crianças ou mesmo de amostras de sangue para inclusão no banco de DNA”, afirma a coordenadora.
Os dados obtidos são confidenciais, sem acesso aberto ao sistema do banco de dados que é usado somente pela equipe do projeto. “Nós fazemos os cruzamentos e informamos as autoridades solicitantes”, garante Gattás. Após a resolução dos casos de desaparecimento, o DNA armazenado é retirado do banco apenas quando a pessoa é encontrada morta. Nos outros casos, porém, esse DNA tem sido mantido, “pois existe uma alta taxa de reincidência de fuga dessas crianças”, explica a coordenadora.
Além de servirem para ajudar na busca de desaparecidos, bancos de DNA podem ser usados na identificação de pessoas em casos de catástrofes naturais, guerras, extermínios, acidentes e assassinatos que desfiguram a pessoa. Também podem ser usados para pesquisa e diagnóstico de doenças genéticas, ou ainda, para identificação de criminosos, como ocorre nos Estados Unidos e na Inglaterra. Os ingleses possuem a maior base de dados do mundo com informações de DNA que podem ser analisadas independentemente do consentimento do indivíduo. O Brasil ainda não possui banco de DNA criminal, mas a Polícia Federal já pediu ao Congresso a aprovação de um projeto de lei que trata do assunto.
Muitas questões éticas estão envolvidas na criação de bancos de DNA e cuidados especiais devem ser tomados em relação ao sigilo dos dados. Empresas poderiam se negar a contratar pessoas e companhias seguradoras e planos de saúde poderiam, por exemplo, negar-se a fazer contrato ou aumentar o valor da apólice de alguém cujo exame do DNA apontasse o risco de alguma doença grave. Antes de o Congresso aprovar o banco de DNA criminal, portanto, deve deixar bem clara a regulamentação sobre o sigilo dos dados.