Para afásicos, voltar à ativa é o melhor remédio

Voltar à ativa no estudo ou no trabalho é um importante passo para portadores de necessidades especiais ou mesmo pessoas que tenham sofrido um acidente grave. Essa é uma das conclusões de Tatiana Melo Gomes, em sua dissertação de mestrado sobre afásicos, que será defendida este mês.

Voltar à ativa é um importante passo para portadores de necessidades especiais ou mesmo pessoas que tenham sofrido um acidente grave ou passado por uma longa e complicada enfermidade. Voltar a estudar, trabalhar ou ainda manter um hobbie ajuda não apenas no lado social e emocional dessas pessoas, mas também reflete sobre seu tratamento. Essa é uma das conclusões de Tatiana Melo Gomes, lingüista e pesquisadora do Projeto Integrado em Neurolingüística (PIN) do Departamento de Lingüística da Unicamp, em sua dissertação de mestrado sobre afásicos, que será defendida este mês.

Melo trabalha há mais de quatro anos com sujeitos afásicos atendidos pelo Centro de Convivência de Afásicos (CCA) da Unicamp, vinculado ao Laboratório de Neurolingüística (Labone) da universidade. “Afasia é um distúrbio de linguagem causado por uma lesão cerebral que vai afetar o domínio da linguagem no cérebro”, explica a pesquisadora. De acordo com Maria Irma Hadler Coudry, professora do Departamento de Lingüística da Unicamp, coordenadora do PIN e uma das fundadoras do CCA, na afasia o indivíduo ainda possui a linguagem, mas tem dificuldades em acessá-la e articulá-la. “Não há cura, mas dá sempre para tentar melhorar a fala e qualidade de vida da pessoa”, diz Coudry.

Conforme a extensão e localização da lesão cerebral, o paciente pode apresentar a perda total ou parcial da capacidade de articulação das palavras. Desta forma, realizar tarefas simples como preencher um cheque, falar ao telefone, escrever uma lista de compras ou até mesmo contar uma história que acabou de presenciar se tornam extremamente difíceis. Por isso, voltar à ativa é importante na recuperação de pessoas com afasia. “Você só melhora a fala falando. Então é importante colocar essas pessoas para usarem a linguagem em situações reais, fazê-las ter uma vida ativa novamente. Ficar parado dificulta a melhora”, declara Coudry.

Voltando à ativa

Para sua dissertação, Melo realizou o acompanhamento de um sujeito afásico em especial, RS, que sofreu um grave traumatismo crâneo-encefálico que resultou em afasia. A lesão acarretou uma mudança drástica em sua vida: antes, ele pretendia cursar engenharia na universidade, estava fazendo cursinho pré-vestibular, praticava esportes e tinha uma vida social intensa. Após o acidente, RS passou a falar e escrever muito pouco, não lê, não soletra, tem dificuldades de cálculo e passa boa parte de seu tempo assistindo à TV e fazendo cópia de seu livro predileto no computador, mesmo sem compreender o que escreve.

“Ele estava muito deprimido no começo. Essa depressão era causada pela falta de rotina, de convívio social”, explica Melo. Após ingressar no CCA, RS foi incentivado a tentar retomar algumas de suas atividades. O primeiro passo foi voltar ao cursinho pré-vestibular, onde pode retomar um convívio social com pessoas de sua idade e colocar em prática sua linguagem. A experiência o ajudou a superar a depressão e também muitas de suas dificuldades de fala. Recentemente RS conseguiu um emprego, e os resultados disso já aparecem em seu tratamento. “Tanto o cursinho como o trabalho o ajudaram a melhorar muito, pois essas atividades o colocam em constante contato com as práticas discursivas, com a escrita e com a leitura. O social, essa relação com o outro, o convívio é imprescindível”, afirma a pesquisadora.

RS não é o único. RL também é um dos participantes do CCA que não desistiu de seus sonhos. Ele já concluiu o curso técnico de química e bioquímica, e está fazendo curso pré-vestibular para ingressar na faculdade de filosofia. Outro exemplo é CF, uma das pacientes mais antigas do Centro, participando do grupo há mais de 20 anos. Ela possui um quadro de afasia mais grave, portanto não conseguiu voltar a trabalhar ou estudar, mas dedica seu tempo livre a atividades como pintura, tecelagem e natação.

“Fazer alguma coisa é uma maneira de manter o sujeito (seu corpo, seu cérebro) atento à vida; é uma maneira de restabelecer associações que foram interrompidas em função da lesão; é uma maneira de restabelecer laços afetivos com as pessoas que partilham a mesma atividade (seja no trabalho, no estudo, no lazer)”, explica Fernanda Maria Pereira Freire, fonoaudióloga e pesquisadora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Unicamp. Segundo Freire, a afasia tem um grande impacto na vida do paciente, e uma das maiores dificuldades é aprender a viver com essa nova situação. “É preciso ter em mente quem é esse sujeito: O que ele fazia antes do episódio neurológico? Quais eram os seus interesses? Como era sua atitude frente à vida, em geral?”, indaga.

Coudry complementa: “Há vários tipos de afásicos: há os que enfrentam a afasia, e os que não enfrentam. De qualquer maneira, é sempre importante motivar, mostrar que ainda há muita coisa que eles podem fazer, que há vida após a afasia”, conclui.

Pesquisa visa tratar derramamentos de óleo usando bactérias

Pesquisadores do Instituto de Química da Unicamp usam bactérias para biodegradar amostras de óleo. Esse trabalho poderá ajudar a diminuir o impacto ambiental de acidentes que envolvem derramamento de óleo. A ação dos microorganismos pode remediar o oceano contaminado.

No início de outubro, o navio Cosco Busan colidiu com uma das torres da ponte São Francisco – Oakland, na costa oeste dos Estados Unidos. O acidente provocou o derramamento de 58 mil galões de óleo na Bacia de São Francisco. Uma pesquisa do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas poderá produzir uma importante ferramenta para a contenção de acidentes ambientais como esse. Sob a coordenação da química Anita Marsaioli, o projeto testa a atuação de bactérias na degradação do óleo derramado.

A Petrobras financia o projeto e envia amostras de óleo para os experimentos. No laboratório, a química e doutoranda Georgiana Feitosa da Cruz procura simular a biodegradação do óleo que ocorre na natureza ao longo dos anos dentro do reservatório. Cruz recebe cinco amostras de cada reservatório os quais são selecionados pela Petrobras entre os mais produtivos da bacia de Campos. As amostras são analisadas em um cromatógrafo gasoso acoplado com espectrômetro de massas (CG-EM), um aparelho que fragmenta e identifica substâncias químicas presentes nas amostras e as diferencia por tamanho dos fragmentos.

O equipamento analisa o teor de hidrocarbonetos leves (HL) nas amostras. Quanto mais HLs, mais leve é considerado o óleo e maior o seu valor comercial por ser mais fácil o refino. Ao longo do tempo, o óleo vai perdendo esses hidrocarbonetos leves e se tornando pesado. Para o estudo da biodegradação são selecionadas as amostras mais ricas em HL que são colocadas em diferentes meios de cultivo. Segundo Cruz, esses meios são enriquecidos com vitaminas, com reguladores de pH e com um consórcio de microorganismos.

Um dos grandes desafios desse trabalho é encontrar um grupo de microorganismos consorciados que consiga biodegradar o óleo em diversos ambientes. O consórcio de microrganismos de ambientes extremos permite uma ação conjunta dessas bactérias o que seria impossível de forma isolada. “Trabalhamos com bactérias aeróbicas e anaeróbicas especialmente selecionadas de amostras coletadas dos reservatórios naturais de petróleo”, explica Marsaioli.

Com estes procedimentos, os pesquisadores buscam conseguir uma coleção de bactérias capazes de biodegradar petróleo. Os consórcios podem se transformar em uma ferramenta de remediação do meio ambiente em casos de derramamento de óleo no oceano, por exemplo. Os cientistas já sabem que as bactérias associadas a esses meios no subsolo só conseguem fazer a degradação do óleo pesado porque produzem substâncias que são chamadas de biosurfactantes e que permitem que o óleo pesado seja transformado em uma emulsão. Por isso, outro objetivo desse trabalho, segundo a pesquisadora, é elucidar o caminho químico do processo através da coleta periódica de amostras e identificar substâncias potencialmente biosurfactantes.

Esse projeto faz parte da rede temática multidisciplinar de Geoquímica Orgânica, coordenada pelo químico Francisco Reis. O objetivo dessa rede é gerar conhecimentos que possibilitem, em longo prazo, criar procedimentos capazes de atuar na recuperação do meio ambiente em casos de desastres ambientais através de processos de biodegradação.

As redes temáticas, segundo Reis, foram adotadas pela Petrobras a fim de direcionar as pesquisas para os temas de maior interesse da sociedade e reunir trabalhos, com o mesmo foco e que sejam feitos por diferentes instituições de pesquisa do Brasil. A aplicação dos recursos, usados para renovar, construir e equipar laboratórios é fiscalizado pela ANP (Agência Nacional de Petróleo). Já a propriedade das pesquisas e o desempenho dos pesquisadores são supervisionados através de uma parceira com o Centro de Pesquisa da Petrobrás (Cenpes) no Rio de Janeiro.

Pesquisadora aponta re-politização das análises de políticas públicas

Durante algum tempo os estudiosos de políticas públicas afastaram-se das investigações realizadas sobre o poder. Atualmente o poder estaria sendo re-inserido na investigação. Estas foram as avaliações da pesquisadora portuguesa Cristina Sarmento, da Universidade Nova da Lisboa, num seminário internacional organizado pelo Nepp da Unicamp.

Durante algum tempo os estudiosos de políticas públicas afastaram-se das investigações realizadas sobre o poder. Centraram-se no Estado, nas burocracias, processos de tomada de decisão e nos grupos de interesse que disputam o governo ou fatias do poder estatal. Esta é a avaliação da professora Cristina Montalvão Sarmento, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova da Lisboa (UNL), Portugal. Para ela, a convergência de sentido que tem preponderado nas análises de políticas públicas neste começo de século reintroduziu a dimensão política e ideológica nas análises comparativas, “sobrevalorizando as culturas nacionais e as especificidades do poder territorializado nas comunidades políticas”.

Fruto de mais de duas décadas de reflexão e pesquisa sobre políticas públicas, os resultados apresentados por Cristina Sarmento num seminário internacional organizado pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no dia 29 de outubro, incitam os próprios cientistas a prestarem mais atenção ao poder político imerso em suas análises e pesquisas. “Há uma relação intrínseca entre a forma como as universidades trabalham as políticas públicas – a cultura científica que se produz sobre elas – e a forma que tomam as políticas públicas”, explica. “Os nossos produtos intelectuais têm conseqüências sociais”, complementou o professor Geraldo di Giovanni, do Nepp e do Instituto de Economia da Unicamp, que também esteve presente no seminário.

A cientista política portuguesa compara as perspectivas e correntes teóricas predominantes nas análises de políticas públicas realizadas, desde antes dos anos 60, na Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos. No momento atual, ela verificou que os estudos comparativos têm sido utilizados como principal metodologia da ciência política. Este tipo de abordagem proliferou nas diferentes comunidades político-científicas, indicando uma convergência de sentido nas pesquisas. No entanto, ressalta Cristina, “o avanço destes estudos tende a sobrevalorizar as divergências existentes, permitindo a identificação das culturas políticas nacionais”.

O estudo de Cristina Montalvão Sarmento reconhece que os modelos teóricos identificados por ela em diferentes momentos históricos, nos países pesquisados, estão relacionados com a cultura política de cada sociedade. Os franceses, por exemplo, que nos anos 60 tratavam o Estado como um ator social, hoje valorizam a dimensão simbólica para explicar a legitimação do poder. Os americanos, que nos anos 60 focavam as análises na burocracia estatal, hoje dão ênfase à reconstrução de trajetórias de uma perspectiva institucionalista-histórica. Estas distinções não foram mero acaso. “Nos anos 60, enquanto a Inglaterra reforça o direito público, na França ele é negado”, compara. Descrentes do direito público, os franceses focaram seu interesse nas organizações, “esclarecendo os caminhos sinuosos de aplicação da lei”, explica Sarmento.

Fatores sociais, políticos e culturais específicos de cada país levaram as suas comunidades científicas a seguirem certo sentido e privilegiarem certas tendências teóricas. As escolhas não são neutras. Ao mesmo tempo, analisa ela, “aquilo que as escolas de ciência estão a discutir coloca-se como opção para a sociedade. Se um líder político estudou ou ensinou estas tendências, deverá aplicá-las não no seu modo de fazer políticas públicas, mas no seu modo de fazer política”. Por isso, os estudos comparativos, ao propiciarem a identificação das correntes teóricas predominantes em diferentes países – e da ancoragem cultural que as influencia -, indicariam uma re-politização e re-ideologização das análises de políticas públicas. O poder estaria sendo re-inserido na investigação.