Conflito entre peritos e acadêmicos dificulta investigações policiais

Embora recente no Brasil, a entomologia forense se mostra cada vez mais eficaz nas investigações de mortes violentas. No entanto, conflitos entre pesquisadores e peritos dificultam a evolução dos estudos científicos e investigações policiais. Esse foi um dos assuntos debatidos no I Simpósio Nacional de Entomologia Forense, organizado por Arício Linhares, professor e pesquisador do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Unicamp.

Embora recente no Brasil, a entomologia forense se mostra cada vez mais eficaz nas investigações de mortes violentas. No entanto, conflitos entre pesquisadores e peritos dificultam a evolução dos estudos científicos e investigações policiais. Esse foi um dos assuntos debatidos no I Simpósio Nacional de Entomologia Forense, organizado por Arício Linhares, professor e pesquisador do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Unicamp. O evento, realizado em fevereiro, reuniu especialistas de diversas instituições para discutir dificuldades, tendências e novidades dessa ciência.

A entomologia forense é o estudo, para efeitos legais, de insetos (como moscas e besouros) e artrópodes (aranhas e escorpiões) que atuam na decomposição de um cadáver. Observando a espécie e o desenvolvimento das larvas presentes no corpo, os especialistas conseguem estabelecer diversos aspectos relacionados à morte: se o corpo foi movimentado de um lugar para outro, tempo decorrido da morte e até a causa do óbito. Segundo Linhares, isso é mais comum em casos que envolvem o consumo de drogas por parte da vítima. Assim, na hipótese de uma morte provocada por overdose de cocaína, essa substância certamente será encontrada no organismo dos artrópodes analisados.

Atualmente, esse campo de conhecimento científico tem sido empregado, sobretudo nos países desenvolvidos, como um importante recurso nas investigações. No Brasil, a entomologia começa a ganhar força, mas com muitos desafios pela frente.

Segundo Janyra Oliveira Costa, perita criminal da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro e uma das palestrantes do evento, embora a entomologia forense seja a única maneira de investigar a morte quando o corpo já está em decomposição, ela não decola no Brasil: “Esse campo de conhecimento ainda é novidade por aqui. Quase não há laboratórios de pesquisa conveniados com a polícia, o que facilitaria o contato entre pesquisadores e peritos. Também falta a padronização de metodologia de coleta que contemple todos os estados igualmente”, afirma Costa.

A maior discussão sobre a evolução de pesquisas e aplicações da entomologia nas investigações policiais gira em torno dos conflitos existentes entre peritos e acadêmicos. Diante do desconhecimento científico de delegados e juízes, a atividade do perito é examinar a cena do crime para dar subsídios para as investigações, reconstruindo o evento. A entomologia poderia ser precisa nesses casos, mas em geral, não é utilizada. “Os peritos têm aversão aos insetos. E os acadêmicos, aversão ao cadáver, então a relação entre eles fica distante. A polícia precisa de mais orientação, pois muitos ainda acham que a entomologia não serve para nada e que a prática que possuem já resolve o problema. Já os acadêmicos querem fiscalizar o trabalho da perícia, alegando falta de conhecimento dos policiais. E, devido à burocracia, têm dificuldades em coletar dados para as pesquisas em laboratório”, aponta Costa, ressaltando a necessidade de mais divulgação das aplicações da entomologia entre os policiais e autoridades.

Para Arício Linhares, a solução do conflito seria a abertura do mundo acadêmico aos peritos: “Quem usa o conhecimento científico na prática é a perícia, que ignora a entomologia. Isso prejudica as investigações, pois se joga fora uma ferramenta valiosa para desvendar crimes. Contudo, a interação entre esses setores não pode ser forçada. O que tenho feito é atrair pessoas da polícia para o programa de pós-graduação e buscar convênios com o Instituto de Criminalística”, conta o professor.

Entre as soluções para aperfeiçoar as investigações policiais com a ajuda da ciência, Costa propõe investimentos em segurança, convênios entre instituições policiais e educacionais, além de relação mais sólida entre perícia, governo, agências de fomento e estudantes. Já no âmbito de pesquisa, Linhares aponta que os desafios são metodológicos, como ferramentas mais precisas para identificação das espécies e técnicas para detecção de substâncias no corpo, a partir das larvas presentes.

O relato do primeiro caso moderno de entomologia forense utilizando a estimativa de tempo de morte foi protagonizado pelo médico francês Jean Bergeret, em 1855. Vinte e quatro anos depois, o presidente da Sociedade Francesa de Medicina Forense publicou um novo caso. O primeiro estudo sistemático de entomologia ocorreu em 1881 pelo alemão Reinhard. Entre 1960 e 1980, a ciência tomou novo fôlego graças aos trabalhos do médico belga Marcel Leclecq e do biólogo finlandês Pekka Nuorteva. Desde então, a aplicação da entomologia forense em investigações legais tem sido rotineira em países desenvolvidos. No Brasil, as pesquisas se destacam em instituições como a Unicamp, Unesp, Fiocruz, Universidade Federal do Paraná e Unicentro. Os estudos brasileiros da entomologia foram introduzidos por Linhares no final da década de 80 e a primeira tese, defendida em 1993 na Unicamp.

Empresa brasileira cria sistema universal de robótica

A Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico, de São Carlos-SP, inicia este mês o desenvolvimento de um sistema robótico que poderá ser usado tanto para educação e entretenimento, como para a indústria. A interface via internet possibilitará que o sistema robótico seja utilizado como ferramenta para o Ensino à Distância.

Estudos realizados no Japão e EUA apostam que, nas próximas décadas, a robótica deve ser uma das dez linhas de pesquisa de maior produção científica no mundo. Isso graças ao avanço tecnológico que tem permitido novas descobertas e aplicações na área. No Brasil, a empresa Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico, incubada na Fundação Parque de Alta Tecnologia (Parqtec), inicia este mês o desenvolvimento de um sistema robótico universal que poderá ser usado tanto para educação e entretenimento como para a indústria. A interface via internet possibilitará que o sistema seja utilizado como ferramenta para o ensino à distância. A plataforma simula um sistema operacional geral, na qual podem ser aplicados softwares e hardwares para programar o robô a movimentar-se.

A estrutura será comercializada, mas cada empresa ou instituição poderá criar suas aplicações de acordo com seus interesses. “Um dos objetivos do projeto é incentivar a criação de empresas de robótica que poderão iniciar suas atividades com esta plataforma pronta, sem precisar investir em Pesquisa e Desenvolvimento”, garante Antonio Valério Netto, gerente da divisão de tecnologia da Cientistas Associados. Nas universidades, estudantes poderão utilizar a plataforma e o robô para testar algoritmos inteligentes ou possibilitar maior interação em pesquisas com mais de três robôs. “Projetos em robótica semelhantes a estes já são desenvolvidos há mais de 10 anos em diversos países. Porém, desenvolver e fabricar no Brasil são as características de inovação não apenas na área tecnológica, de aplicação, mas também de logística e negócios. Tão difícil quanto desenvolver tecnicamente o robô, vendê-lo em escala requer inovação no modelo de negócios”, completa Valério.

O desenvolvimento da plataforma também deverá incentivar a criação de laboratórios virtuais de robótica, através dos quais robôs instalados em salas remotas em instituições de ensino e pesquisa poderão ser assistidos por câmeras e programados via internet, sendo mais uma ferramenta para o ensino à distância. “Estes laboratórios facilitarão o acesso à robótica às classes menos beneficiadas. Através da internet, estudantes poderão programar e interagir com os robôs, o que é mais uma forma de motivar os alunos para o estudo, principalmente em locais de recursos tecnológicos mínimos”, informa. A robótica educacional é uma boa ferramenta para o aprendizado, como demonstra os resultados do projeto de responsabilidade social denominado Robô na Escola. Nele, crianças de 5ª a 8ª série vão até a empresa para utilizar os robôs, que também podem ser usados pelas instituições de ensino.

A criação da plataforma universal demonstra que é possível utilizar a robótica para as diversas áreas, assim como para brincar, estudar ou aplicá-la na indústria. Empresas podem desenvolver aplicações específicas para os robôs que podem ser programados para cuidar de idosos, por exemplo, além de outras aplicações na área médica. Nas fábricas, trabalhos repetitivos poderão ser feitos pelos robôs que podem ser utilizados como veículos autoguiáveis. O projeto do sistema robótico universal é financiado com verba pública do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), através do Programa de Inovação em Pequena Empresa (Pipe) que investirão em torno de 300 mil reais.

Marco Túlio Chella, especialista em robótica educacional, ressalta a importância desta ferramenta como mais um recurso para o professor. Ensinar a construir robôs, por exemplo, é uma forma de explorar os conceitos tecnológicos envolvidos no processo e não apenas o conteúdo da sala de aula. No site idealizado pelo pesquisador há exemplos da utilização de diversos materiais de baixo custo para o desenvolvimento em robótica, inclusive com objetos recicláveis como garrafas plásticas que são acopladas ao hardware e software do robô. “Desta forma os robôs tornam-se mais acessíveis financeiramente”, afirma.

Valério ressalta ainda que as grandes produções em robótica são feitas na França, Japão e Estados Unidos. “Porém estes produtos quando são importados, pagam impostos de aparelho eletrônico que podem chegar até 60% a mais do valor original”, diz. Chella destaca os diversos problemas da importação dos matérias tecnológicos, como a linguagem diferente, além dos modelos não corresponderem a realidade brasileira, suas metodologias de utilização, e terem que ser adaptados para serem usados no país. “Ao mesmo tempo este fator é uma motivação para se criarem novos matérias nacionais”, diz Chella.

Brasil participa de testes de vacinas contra Aids

A partir de um estudo sobre participação do Brasil nos testes de vacinas preventivas contra a Aids, Léa Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, conclui que o país tem papel relevante nessa rede internacional de pesquisas.

A partir de um estudo sobre participação do Brasil nos testes de vacinas preventivas contra a Aids, Léa Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, conclui que o país tem papel relevante nessa rede internacional de pesquisas. A pesquisa mostrou que é possível articular P&D, governo, organizações e sociedade para inovar, definindo o Brasil como grande contribuidor ao combate da AIDS no mundo.

“Esse caso consegue unir os diferentes atores e organizações, trazendo desenvolvimento. A América Latina, de modo geral, nunca conseguiu esse link dos atores na inovação ou participações internacionais e sempre houve marginalização das instituições científicas. O Brasil é um dos países que, durante décadas, luta para mudar esse cenário”, afirma Velho.

Os testes de vacinas contra HIV no Brasil foram precedidos por políticas nacionais e são parte de uma estratégia que inclui a capacidade de pesquisa em saúde, tecnologia para fabricar as drogas, acordos do governo com o tratamento mundial da Aids, forte campanha de prevenção enfatizando riscos de comportamento, assim como organização da sociedade para defender os direitos dos portadores e conseguir voluntários para pesquisa.

A rápida disseminação do HIV na população mundial levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a criar um programa para avaliação da eficácia de vacinas em diferentes áreas geográficas. O Brasil foi um dos países selecionados, dando início a sua integração na rede internacional de combate à epidemia, no início da década de 90. Essa participação global verifica a eficácia da vacina para os vários subtipos de vírus e para a as particularidades genéticas dos diversos grupos de populações do Brasil, um dos mais miscigenados do mundo.

O estudo de Velho apontou que a responsabilidade brasileira em relação à Aids trouxe participação em importantes iniciativas internacionais, ações de cooperação bilaterais e iniciativas para sustentar e transferir tecnologias para países pobres. Essas capacidades incluem planejamento, administração, monitoramento, mobilização social e outras habilidades necessárias à implementação do Programa Nacional da Aids, além de capacidades científicas, técnicas e produtivas.

Trata-se de uma oportunidade para treinar pessoas e criar oportunidades para a comunidade tecnológica e científica do Brasil. Para Léa Velho, no entanto, há muito o que melhorar, embora o cenário seja otimista: “Precisamos de maior qualificação das pessoas que fazem os experimentos laboratoriais, melhor infra-estrutura. Esses problemas foram detectados em várias fases dos testes clínicos”, alerta a pesquisadora.

Para Gabriela Calazan, educadora comunitária da unidade de vacinas do CRT (Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS) da Secretaria de Saúde de SP, o fato de o Brasil integrar uma rede internacional para pesquisa de vacinas preventivas é fundamental: “Não será possível um único país isolado alcançar um resultado positivo, essa articulação em rede é necessária. O Brasil não desenvolve vacinas para testes ainda, mas cede espaço para os testes de outras possíveis vacinas, e isso é de suma importância”, garante.

O programa brasileiro de vacinas anti-HIV/AIDS foi criado a partir do Programa Global de AIDS da OMS, em 1991. Ele formula políticas para promover a saúde, atender os portadores e prevenir a expansão da doença. È considerado o programa mais avançado do setor no mundo em desenvolvimento. Estima-se que entre 1994 e 2002, quase 10 mil mortes foram evitadas. Mas ainda há desafios a serem vencidos: crescimento da epidemia em algumas populações, altos custos das drogas, qualidade dos serviços, necessidade de articulação mais eficiente entre órgãos nacionais e, claro, o desenvolvimento das vacinas.

Brasil: testes são de vacinas terapêuticas ou preventivas

No Brasil, há dois tipos de pesquisa de vacinas contra a Aids: terapêuticas e preventivas. As terapêuticas direcionam-se a portadores, que nunca passaram por tratamento. Em 2003, a fase de teste de vacina terapêutica em humanos foi iniciada com a participação das universidades federais de Pernambuco (UFPE) e e Minas Gerais (UFMG), em parceria com a Universidade de Paris. Os trabalhos estavam suspensos desde 2005 por falta de dinheiro. Agora, com novos recursos, o trabalho será retomado.

A primeira etapa da pesquisa durou três anos e resultados mostraram que a vacina reduziu em até 80% a presença do HIV nos infectados. Nesta nova etapa, os voluntários receberão uma dosagem mais concentrada da vacina, feita a partir da retirada de células do sistema imunológico de pacientes infectados. Elas são misturadas a amostras inativas do vírus. A pesquisa deve passar por outras duas fases até ser concluída.

No caso das preventivas, as pesquisas integram uma rede internacional (conhecida como HTVN), financiada pelo governo dos EUA, sede do projeto. Reúne centros em quatro continentes e os ensaios clínicos são realizados em vários laboratórios, incluindo o Brasil. As instituições envolvidas são Universidade Federal do Rio de Janeiro e Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS (CRT), em parceria com laboratórios como a Merck & Co e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Atualmente, cerca de 30 tipos de vacinas preventivas estão sendo testadas no mundo e o grande objetivo é encontrar uma que atue sobre uma característica comum a todos os subtipos. “Uma vacina ideal contra o HIV deverá ser segura, estável sob condições adversas de armazenamento, capaz de induzir imunidade duradoura contra todos os subtipos do HIV, de baixo custo e que possa estar disponível na rede pública de saúde, descreve Calazan.

Primeiramente são realizados os testes pré-clínicos, em animais. Posteriormente, têm início os testes clínicos, aplicados em seres humanos. São três fases clínicas que avaliam segurança, reação do sistema imunológico e eficiência. Depois disso, quando aprovado, o produto vai para o mercado e passa a ser observado. “Isso ainda não aconteceu com os testes do HIV. Cada produto está numa fase diferente, a maior parte está no início. Ainda é perigoso afirmar algo concreto, mas a expectativa é que leve mais 10 anos para o primeiro produto ser lançado. Mesmo assim, será um resultado intermediário, com eficácia parcial, de 40 a 60%. Mas já será um grande avanço”, conclui Calazan.