COVs: os pouco estudados vilões das emissões veiculares

Em tempos de aquecimento global, estudos sobre o gás carbônico e seus efeitos tomam grande parte do tempo de pesquisadores e da pauta de debates sobre o tema poluição. Em contrapartida a esta tendência, Édler Albuquerque, aluno de doutorado da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, realizou um importante estudo sobre compostos orgânicos voláteis (COVs), poluentes perigosos e pouco estudados pelo meio científico.

Em tempos de aquecimento global, estudos sobre o gás carbônico e seus efeitos tomam grande parte do tempo de pesquisadores e da pauta de debates sobre o tema poluição. Em contrapartida a esta tendência, Édler Albuquerque, aluno de doutorado da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, realizou um importante estudo sobre compostos orgânicos voláteis (COVs), poluentes perigosos e pouco estudados pelo meio científico. Sua pesquisa, que culminou em tese defendida no dia 14 de maio, traçou de forma inédita e detalhada o perfil destes compostos na atmosfera da região metropolitana de São Paulo.

Compostos orgânicos voláteis, também conhecidos como COVs, são compostos que contêm carbono, são facilmente vaporizados em condições de temperatura e pressão ambiente e reagem fotoquimicamente na atmosfera. Monóxido e dióxido de carbono não estão presentes nesta categoria e não foram estudados nesta pesquisa. Os COVs têm um grande impacto sobre a saúde humana em função da sua alta toxicidade e efeito cancerígeno. Além disso, através de reações químicas, formam o ozônio troposférico, que fica concentrado nas baixas camadas da atmosfera. Segundo dados da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), este tipo de ozônio é o único poluente monitorado que ainda ultrapassa, com freqüência, os limites de qualidade e segurança estabelecidos pela legislação.

Segundo Albuquerque, tolueno, xileno, hexano, etilbenzeno e trimetilbenzeno foram os COVs encontrados em maior concentração na atmosfera. Estes compostos, que estão entre os COVs com maior potencial para a formação de ozônio, são os de maior emissão pelos veículos. Os dados obtidos formaram uma espécie de “impressão digital” das emissões veiculares, que pode ser aplicada à maioria dos grandes municípios brasileiros, em função da dinâmica semelhante entre eles. Para se chegar a esses resultados, foi realizada uma campanha de recolhimento de amostras em dois grandes túneis da cidade de São Paulo: os túneis Maria Maluf e Jânio Quadros. Este estudo comprovou que a principal fonte de COVs é, de fato, a crescente frota veicular das cidades.

Para a coleta e análise das amostras na pesquisa, foram utilizados tanto o método passivo quanto o método ativo de amostragem. A amostragem ativa depende do bombeamento contínuo e controlado do ar atmosférico através de uma estrutura que retêm os poluentes. Normalmente esse tipo de amostragem leva em torno de uma hora, fato que gera um número pequeno de amostras e um grande tempo despendido. Na amostragem passiva, os poluentes se difundem através de um tubo que fica exposto ao ar atmosférico por cerca de 12 dias. Enquanto na primeira coleta são usados centenas de tubos para cada ponto de amostragem, na segunda usa-se apenas um. O uso da amostragem passiva, ao invés do uso exclusivo da amostragem ativa, permitiu uma economia de tempo e dinheiro e uma ampliação da área de monitoramento e número de locais monitorados.

O estudo de Albuquerque é de grande importância para o meio científico, uma vez que dados sobre esses componentes são muito escassos na literatura científica. “Há uma dificuldade muito grande de coleta e os métodos analíticos são complexos e caros, de forma que não há uma grande quantidade de dados disponíveis a respeito de compostos orgânicos voláteis”, declara o professor Edson Tomaz, orientador do trabalho. A pesquisa, que foi abrangente e detalhada, poderá orientar políticas de contenção dos poluentes em todas as grandes cidades brasileiras. A primeira vez que a legislação brasileira apontou alguma forma de controle desses compostos foi em 2006 e ainda não há políticas públicas específicas de controle de COVs.

Políticas públicas versus aumento da frota veicular

A década de 1970 e, principalmente, a década de 1980 ficou marcada pelos níveis exorbitantes de poluentes na atmosfera e pelos graves problemas de saúde pública causados por eles em grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Cubatão. Para sanar a questão, foi criada a resolução Conama n° 3 , em 1990, que estabeleceu limites para emissão de poluentes atmosféricos. O setor automobilístico, por exemplo, foi obrigado a desenvolver novas tecnologias de forma que os novos carros atendessem às regulamentações. Os limites aceitáveis de emissão foram tornando-se cada vez mais rigorosos e hoje os carros são bem menos poluentes que os carros mais antigos. Juntamente com ações como o rodízio de automóveis, essas políticas públicas tiveram um resultado positivo.

Na pesquisa de Albuquerque, foi realizada uma comparação dos dados obtidos por ele com alguns dos poucos dados existentes sobre os compostos orgânicos voláteis na Grande São Paulo. A comparação indicou que as políticas adotadas para a redução da concentração de diversos componentes também produziram bons resultados em relação aos COVs.

No entanto, em contrapartida a estas reduções, a frota de 4,3 milhões de veículos automotores da cidade de São Paulo – número estimado pela Secretária de Transportes Metropolitanos do Estado – cresce cada vez mais, fato que é observado também em outras cidades brasileiras. Segundo Tomaz, existem, na verdade, dois efeitos concorrentes. “De um lado está a redução das emissões por veículo, fruto de uma legislação bem sucedida; de outro, o aumento da frota veicular. Por enquanto, o primeiro supera o segundo. Contudo, a redução das emissões por automóvel vai ter uma evolução cada vez mais lenta. Há uma tendência de estabilização e uma expectativa de que, no futuro, os níveis de poluição voltem a crescer novamente, a menos que novas tecnologias surjam e políticas de organização do trânsito sejam criadas e aplicadas”, afirma o orientador da pesquisa.

Pesquisa reafirma que Amazônia absorve carbono

Plínio Barbosa de Camargo, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, apresentou resultados de suas pesquisas no Fórum sobre “Agricultura Sustentável na Amazônia” na Unicamp. Ele afirma que Amazônia atualmente absorve carbono, contradizendo as previsões de que a Amazônia tende a desaparecer, ou virar cerrado, com os efeitos do aquecimento global.

No último dia 24, no auditório da Biblioteca César Lattes da Unicamp, foi realizado um Fórum Permanente de Agronegócios sobre “Agricultura Sustentável na Amazônia”. As palestras abordaram temas como a segurança alimentar da população brasileira, os entraves do desenvolvimento da agricultura sustentável na região e o papel da floresta equatorial na manutenção do equilíbrio do clima global, através dos ciclos de carbono. Com relação a este último tópico, destacou-se a apresentação do pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, Plínio Barbosa de Camargo, que discutiu a dinâmica do carbono no solo e vegetação da floresta amazônica.

Na mesa redonda “O mundo da Amazônia”, Camargo apresentou resultados de duas pesquisas sob sua coordenação: “Dinâmica do carbono em solos e vegetação em transectos na Amazônia”, que começou em 1999, e “Respiração de ecossistema florestal na região amazônica”, iniciada em 2003. “Podemos afirmar, sem medo de errar, que a Amazônia atualmente absorve carbono na ordem de 1 tonelada por hectare”. Essa afirmação contradiz todas as previsões colocadas nos últimos meses pela mídia de que a Amazônia tende a desaparecer, ou virar cerrado, com os efeitos do aquecimento global. “Se há mais carbono na atmosfera, tem mais alimento para a fotossíntese. Nesse caso, a Amazônia poderá dobrar de tamanho”, afirmou o pesquisador.

Duas técnicas são mais utilizadas para mensurar o fluxo de CO2 na região que envolve a pesquisa de Camargo. A menos comum envolve o uso dos satélites de observação. Essa técnica consiste em traçar uma estimativa da altura das árvores e do tamanho da copa para ter uma noção da quantidade de biomassa. Na outra, emprega-se as torres de fluxo de carbono, onde é possível medir a quantidade de CO2 na atmosfera. Essa técnica é a mais utilizada na Amazônia. “De acordo com a linha ecológica de medida de carbono, a Amazônia absorve pouco carbono. Mas o método da torre mostra que a Amazônia pode absorver de 7 a 8 toneladas de carbono por hectare”, afirmou Camargo. No entanto, ele destaca que em função das diferenças entre espécies e idades das árvores, foram constatados volumes diferentes na absorção de carbono pelas árvores. “As árvores de Santarém [no Pará], por exemplo, apresentam maior absorção em alguns anos e, em outros, maior emissão de carbono”.

Os resultados mostram os avanços do conhecimento científico e tecnológico sobre os mecanismos que funcionam como integradores dos elementos naturais presentes na Amazônia. “Apesar das técnicas usadas na medição do ciclo de carbono serem recentes, já permitem apontar alguns resultados preliminares”, avalia Camargo. Existem muitas pesquisas e sobre a contribuição da floresta para a atmosfera, que buscam entender qual é o papel da Amazônia no ciclo global do carbono. A definição do papel da floresta – de emissora ou captadora de carbono – é um importante elemento na elaboração de políticas que minimizem os impactos do aquecimento global, na avaliação do peso que têm os países na emissão de gases estufa, bem como na determinação de como funcionará o mercado de créditos de carbono.

Atualmente, o Brasil está classificado como o quarto maior emissor de carbono na atmosfera, quando os métodos para esse cálculo incluem as queimadas de florestas. Segundo dados de 2001 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 15 e 20 mil quilômetros quadrados ao ano, são queimados, somente na Amazônia brasileira. Entretanto, uma série de estudos recentes sobre o papel da Amazônia no ciclo de carbono abre a possibilidade de que as florestas tropicais estejam desempenhando um papel relevante como sumidouros de CO2 (veja artigo).

Desenvolvendo pesquisas a mais de dez anos na região amazônica, Camargo não tem dúvidas de que as atividades antrópicas têm aumentado a concentração da de CO2 na atmosfera. Segundo ele, a concentração atual desse gás está na ordem de 382 partes por milhão (ppm). Em 2005, segundo a organização de pesquisa Worldwatch Institute, essa concentração era de 379,6 ppm, um crescimento de 2,2 ppm em relação a 2004.

Agricultura sustentável na Amazônia

Entre os aspectos que nortearam o dia de discussões no Fórum, destacou-se a realidade ímpar que contribui para formar o mosaico que caracteriza a maior floresta tropical do mundo: a sua enorme biodiversidade; os interesses de empresários internacionais e nacionais; a atuação dos ambientalistas; o papel do governo; e a participação das comunidades locais. A questão que norteou o Fórum estava relacionada à exploração: como é possível degradar o mínimo, extraindo o máximo de riquezas da floresta? Entre as saídas apontadas, o desalento de que ou a exploração será feita de forma seletiva, controlada por uma elite econômica, ou a degradação é inevitável. O evento foi organizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) e o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), ambos da Unicamp.

Leia mais:

Concentração de Carbono na atmosfera bate recorde

Agricultura e aquecimento global

Parceria entre Brasil e Finlândia estuda estruturas arqueológicas no AC

No final do mês de junho, trinta anos após sua descoberta, os geoglifos acreanos – estruturas que chegam a 215 metros de lado e quatro de profundidade – serão estudados por uma equipe multidisciplinar formada por pesquisadores brasileiros e finlandeses.

O tamanho impressiona. O quadrado escavado de 215 metros de lado, 15 metros de largura e quatro de profundidade e com cantos arredondados é apenas uma dentre cerca de 100 estruturas semelhantes que vem sendo descobertas no estado do Acre desde 1977. No final do mês de junho, trinta anos após sua descoberta, os geoglifos acreanos – como são chamadas essas estruturas – serão revisitados pela ciência. Uma equipe multidisciplinar formada por pesquisadores brasileiros e finlandeses irá estudá-los. Essa parceria internacional envolve a Universidade de Helsinque, a Universidade Federal do Acre e o Museu Paraense Emílio Goeldi.

O objetivo do trabalho é responder, pelo menos em parte, as perguntas que envolvem essa descoberta arqueológica: por que, como e quando foram feitos e que civilização está por trás de sua construção? “Por enquanto, os geoglifos são apenas perguntas”, admite o paleontólogo Alceu Ranzi, da Universidade Federal do Acre, que integra a equipe que começará os estudos em junho. Ranzi participou como estagiário nos primeiros estudos dos geoglifos liderados pelo arqueólogo Ondemar Dias, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, logo após sua descoberta no final da década de 1970.

O atual grupo de pesquisa obteve autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para explorar cinco sítios arqueológicos dentre 60 conhecidos. Ranzi conta que foi somente após o desmatamento da floresta para dar lugar aos pastos e fazendas que as estruturas foram encontradas. São quadrados e círculos perfeitos, às vezes concêntricos, com dezenas de metros de extensão, de modo que só são vistos do alto. A terra retirada foi cuidadosamente colocada nas bordas de modo a formar um perímetro gigante feito de uma depressão ao lado de uma elevação de terra. A precisão dos formas geométricas chama a atenção dos pesquisadores, que consideram pouco provável que elas tenham sido construídas dentro da floresta. “Essa região já foi uma grande savana com lhamas e outros animais”, explica Ranzi. “Ainda não sabemos se os geoglifos são dessa época ou se ainda foram feitos durante um breve período de alteração climática, por exemplo”, afirma.

Os sítios do Acre lembram os desenhos esculpidos a 700 quilômetros dali no deserto peruano de Nazca e descobertos em 1927. No Peru, as escavações tomam a forma de imensos animais só visíveis a grandes alturas. Essas obras ganharam fama depois que o livro Eram os deuses astronautas?, do escritor suíço Erich von Daniken, tornou-se um best-seller. Inspirado nos megadesenhos peruanos, Daniken teceu a teoria de que certas civilizações teriam sido visitadas por seres extraterrestres inteligentes.

De qualquer forma, os especialistas não acreditam que Nazca e o Acre tenham uma civilização ancestral em comum. Essa é a opinião de Ranzi e da arqueóloga Denise Schaan, da Universidade Federal do Pará e do Museu Paraense Emílio Goeldi. Denise também está entre os pesquisadores que estudarão os geoglifos no mês que vem.

A arqueóloga acredita que as enormes valetas no Acre ajudam a quebrar um paradigma da arqueologia: o de que as grandes civilizações estariam instaladas apenas nas margens dos grandes rios. “Essas construções mostram que havia grandes sociedades também longe dos rios,” afirma a pesquisadora.

A idade das escavações continua sendo uma das maiores dúvidas. Duas amostras retiradas de sítios revelaram datações diferentes: 1.260 anos e 2 mil anos. Um dos objetivos do estudo em parceria com a Universidade de Helsinque é aprofundar o trabalho das datações nos sítios estudados.

A exemplo das figuras peruanas, o governo do Acre já estuda um meio de transformar os geoglifos em fonte de atração turística. Um encontro realizado no último dia 3 de maio reuniu autoridades e especialistas para discutir o tema. Tanto Denise Schaan como Alceu Ranzi vêem o turismo arqueológico como benéfico para a preservação das estruturas. “Desde que exista uma infra-estrutura que ofereça proteção ao turista e ao sítio e que dê ao visitante informações sobre o que ele está vendo, todos só têm a ganhar”, acredita Denise. “Foi por causa do desconhecimento que muitos geoglifos foram danificados. Conhecer é uma maneira de preservar”, afirma Ranzi.

O pesquisador ainda aposta que o Acre pode pegar carona no tráfego turístico já estabelecido em Nazca. “Cerca de 35 mil turistas visitam anualmente o deserto peruano. Se apenas 10% deles vierem ao Acre para conhecer os geoglifos, já serão 3,5 mil pessoas por ano incrementando a economia do estado”, calcula Ranzi. Com o término da construção da rodovia Pan-Americana que ligará o Brasil ao Peru, ainda mais turistas poderão viajar no tempo ao apreciar essas intrigantes e milenares obras.