Arqueologia recupera história de povos indígenas no nordeste de São Paulo

A historiadora e arqueóloga Camila Azevedo de Moraes, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), analisou 6.500 peças de cerâmicas Tupi Guarani com a idéia de rastrear todo o material dos grupos que habitaram o nordeste de São Paulo e reconstruir parte de sua história. As peças estudadas incluem as que já estavam em museus e coleções particulares nas cidades da região, e também as coletadas em escavações realizadas pela própria pesquisadora.

A região do médio e alto vale do rio Mogi Guaçu, localizada a cerca de 200 km da capital paulista, guarda um verdadeiro tesouro arqueológico que pode resgatar a história dos povos indígenas que ali habitaram. A historiadora e arqueóloga Camila Azevedo de Moraes, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), analisou 6.500 peças de cerâmicas Tupi Guarani com a idéia de rastrear todo o material dos grupos que habitaram o nordeste de São Paulo e reconstruir parte de sua história. As peças estudadas incluem as que já estavam em museus e coleções particulares nas cidades da região, e também as coletadas em escavações realizadas pela própria pesquisadora.

Exterminados por doenças e guerras, sem registros de migrações e sem relatos escritos sobre seus costumes, os grupos Tupi que ocuparam essa porção do território paulista seriam esquecidos pela história se não tivessem deixado parte de sua cultura intacta: fragmentos de artefatos de cerâmica e outras peças que podem ajudar a recontar como foi sua vida na região. “Existem relatos dos séculos XVI e XVII que falam dos grupos Tupi que viviam no litoral e na atual cidade de São Paulo, mas infelizmente temos poucos relatos escritos que falem a respeito dos grupos Tupi do nordeste de São Paulo. Nesse caso, essa história será contada apenas pela arqueologia”, explica a pesquisadora.

A região pesquisada no vale do rio Mogi Guaçu compreende especialmente as cidades de Mogi Guaçu, Pirassununga e São Simão, onde foram encontrados a maioria dos sítios arqueológicos. A área é tida como uma fronteira entre grupos diversos: os Guarani, que habitavam ao sul, os Tupiniquim e os Tupinambá, que ficavam mais ao leste. Apesar de pertencerem ao mesmo tronco lingüístico (Tupi), esses povos possuíam uma identidade cultural própria e costumes particulares. Estima-se que os grupos Tupi ocuparam a área durante pelo menos 500 anos (de 1000 a 500 anos atrás), ao longo dos quais as mudanças culturais e a interação com outros grupos que não eram Tupi resultaram em transformações de sua cultura artefatual, ou seja, na mudança do material, da decoração e do modo de fazer os artefatos. “Por outro lado, a continuidade de alguns traços permitiram a associação desse material com a tradição arqueológica Tupi Guarani”, afirma Moraes.

Grande parte do material estudado é formada por fragmentos de vasilhas de cerâmicas, associadas ao armazenamento, produção e consumo de alimentos e bebidas, além de algumas urnas funerárias. De modo geral, a cerâmica Tupi Guarani se caracterizava por grandes vasilhas e tigelas com decorações pintadas ou decorações tecnicamente chamadas de plásticas – feitas com os dedos, quando a argila ainda pode ser moldada, antes de ser queimada.

A análise dessas peças permitiu fazer um rastreamento do comportamento desses povos. Foi possível constatar, por exemplo, que três diferentes sítios apresentavam peças e características de ocupação bastante semelhantes, revelando o provável deslocamento de um mesmo grupo indígena dentro de seu território. Também foi possível analisar que o único sítio associado à bacia do Rio Pardo – ocupado há cerca de 1000 anos atrás -, apresenta similaridade com alguns sítios do Alto Mogi de datações bem mais recentes – aproximadamente 600 anos atrás -, revelando uma continuidade cultural e uma permanência considerável desses grupos no vale desses rios. Além disso, algumas das peças analisadas deixam transparecer os processos de contato entre os indígenas e os portugueses: alguns artefatos, apesar de conservarem a técnica indígena na produção, trazem na forma ou na decoração a influência européia. Essas peças não são quantitativamente expressivas, mas mostram redes de contato antes mesmo da colonização da região, as quais só puderam ser abordadas a partir da arqueologia.

A região está se revelando um campo de trabalho promissor para arqueólogos, historiadores, antropólogos e outros estudiosos da cultura indígena, com bastante material ainda a ser estudado que pode preencher lacunas na história dos povos indígenas brasileiros. O estudo deste território, no nordeste de São Paulo, além de aprofundar o conhecimento de seus sítios arqueológicos e da cultura e os costumes dos povos que ali habitaram, também contribui para a conservação desse patrimônio cultural brasileiro.

Na antropologia, clima e cultura não estão dissociados

As previsões catastróficas que se formaram em torno da chamada crise ambiental utilizam-se de padrões científicos para definir a “verdade” sobre o clima. Para antropóloga Priscila Faulhaber, do Museu Goeldi, tais verdades são baseadas em formas convencionais de ver o meio ambiente e também as mudanças climáticas. Seu estudo privilegia os saberes indígenas, fora da oposição entre clima e cultura.

As previsões catastróficas que se formaram em torno da chamada crise ambiental, utilizam-se de padrões científicos para afirmar que, se o modelo atual de consumo dos recursos naturais não forem modificados, o planeta sofrerá alterações climáticas que prejudicarão as formas de vida existentes na Terra. Porém, há outros enfoques, diferentes desses, que trazem à tona como os saberes tradicionais transmitidos de geração a geração por narrativas orais orientam a relação entre clima e cultura. A pesquisa desenvolvida no Museu Paraense Emílio Goeldi, “Fronteira, identidade e transformações ambientais: análise do ritual de fertilidade Ticuna”, coordenada pela antropóloga Priscila Faulhaber, mostra que é possível pensar numa forma alternativa de relação clima-cultura, fora da oposição entre ciências e culturas.

As alterações climáticas são objeto de estudo da climatologia, um ramo da geografia. Mas também podem ser estudadas pela antropologia, através de um campo de estudo que se chama antropologia do clima, ou seja, a análise da relação entre os fatores climáticos e as culturas humanas. A pesquisa de Faulhaber se propõe a analisar como as alterações climáticas influenciam no comportamento e os rituais religiosos no imaginário e a narrativa dos povos indígenas Ticuna. Segundo explica a antropóloga, “o foco é o ritual de puberdade feminina Ticuna, dentro da antropologia política e simbólica, com base em pesquisa de campo e no exame dos artefatos rituais Ticuna da Coleção Nimuendaju do Museu Goeldi”.

artigo “As estrelas eram terrenas: antropologia do clima, da iconografia e das constelações Ticuna”, foi um dos resultados do projeto com os artefatos Ticuna da coleção Nimuendaju do Museu Goeldi, no qual a pesquisadora realizou pesquisa de campo com os índos Ticuna do Brasil e da Colômbia, em diversas viagens de 1997 a 2002. O inventário dos artefatos rituais foi disponibilizado no CD-Rom “Magüta Arü Inü. Jogo de Memória”, premiado pelo IPHAN em 2003. Atualmente a pesquisadora está cedida ao Museu de Astronomia MCT e vem desenvolvendo estudos no sentido de correlacionar os resultados de sua pesquisa de campo com informações levantadas em arquivos, bibliotecas e centros de ciência no Rio de Janeiro, em uma interface com pesquisas de etnoastronomia, estabelecendo análise de âmbito antropológico, integrando-as em atividades interdisciplinares.

Segundo Faulhaber a racionalidade das operações e métodos científicos que são considerados universais, do ponto de vista de disciplinas específicas, sempre pode ser relativizada. Certas denominações astronômicas convencionadas como universais foram concebidos por povos particulares como fenícios, egípcios, etc. “Julgo que o que se entende como científico diz respeito a concepções específicas de cosmologia, que podem ser comparadas com cosmologias de povos particulares. O próprio Big Bang, normalmente aceito como princípio explicativo de um ‘começo’ para a história do universo, também pode ser entendido como um ‘mito de origem’ e, enquanto tal, comparável com mitos de origem de povos específicos”, explica.

Os relatórios científicos do IPCC, que divulgaram através de documentos científicos “a verdade” sobre os impactos das transformações do clima, são um exemplo. Para Faulhaber, tais verdades são baseadas em formas convencionais de ver o meio ambiente e também as mudanças climáticas. Porém, ela chama a atenção que do ponto de vista antropológico, as convenções podem sempre ser remetidas a princípios estabelecidos com base em consensos, que, “enquanto tais podem ser vistos como arbitrários, uma vez que existe um grande grau de dissenso entre diferentes percepções das chamadas mudanças climáticas globais”, afirma.

Na definição atual de ciência, para que um conhecimento possa ser considerado científico é necessário traçar as operações que possibilitam a verificação de um dado fenômeno, ou seja, determinar claramente o método usado para se chegar a esse conhecimento. A pesquisa de Faulhaber traz à tona uma outra forma de percepção e apresenta outras possibilidades de interpretação sobre o clima. A pesquisadora do Museu Goeldi, analisa a religiosidade climática, ou seja, as manifestações religiosas de determinado povo, relacionadas à percepção de fenômenos climáticos ou ambientais, presente nos rituais dos povos indígenas da tribo Ticuna.

Faulhaber, explica, em seu artigo, que a relação com a natureza e as mudanças ambientais para os Ticuna passa pela interação com as forças e os seres desconhecidos e pela mediação de especialistas nativos, como os xamãs (ou, para os índios brasileiros, pajés), responsáveis pelo controle das técnicas e saberes adquiridos de geração a geração que configuram sistemas de pensamento, visão e reflexão do mundo.

Ciência cresce, mas age pouco na economia do Brasil

A ciência no Brasil vem crescendo de forma significativa, mas ainda não se transformou em riqueza e crescimento econômico para a nação. Essa é a opinião de Alaor Chaves, da Universidade Federal de Minas Gerais e o novo presidente da Sociedade Brasileira de Física, que definiu ações para sua atual diretoria na 59º Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

A ciência no Brasil vem crescendo de forma significativa, mas ainda não se transformou em riqueza e crescimento econômico para a nação. Essa é a opinião de Alaor Chaves, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o mais novo presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), que definiu ações para sua atual diretoria na 59º Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorreu entre 08 e 13 de julho, em Belém (PA). A nova gestão pretende trabalhar por uma maior inclusão da ciência na vida do país, melhoria no ensino de ciências e pela regulamentação da profissão de físico.

De acordo com Chaves, embora o Brasil esteja crescendo rapidamente em pesquisa científica, poucas empresas atuam no ramo, ao contrário do que acontece nos países mais competitivos: “Nossos programas de pós-graduação vêm formando pessoal em números crescentes. Em 1981, o Brasil contribuía com 0,44% das publicações científicas mundiais, índice que subiu para 1,92% em 2006, fazendo do país o 15º maior produtor de artigos. Entretanto, apenas 11% dos pesquisadores brasileiros trabalham em empresas, enquanto nos países desenvolvidos esse percentual é de pelo menos 60%. Com isso, as empresas inovam pouco e perdem competitividade”, afirma o físico.

A afirmação pode ser comprovada pelo baixo número de patentes registradas por empresas brasileiras. O Brasil está na 27ª posição em produção de patentes, perdendo para países como Cingapura, com apenas quatro milhões de habitantes. Enquanto nos países mais inovadores as empresas respondem por pelo menos dois terços dos gastos em P&D, no Brasil sua contribuição é de apenas 36% do total. Ou seja, o Brasil já sabe fazer ciência, mas ainda não aprendeu a transformá-la em crescimento econômico.

Para Chaves, além de ações governamentais, como renúncias fiscais, incentivos à internacionalização de tecnologia e atuação direta do Estado no desenvolvimento tecnológico, também é fundamental investir em educação. “Para nos adaptarmos ao mercado empregador, temos formado poucos cientistas aptos para atuar em empresas e poucos engenheiros pesquisadores. No caso da física, mais da metade dos profissionais é téorico, enquanto no mundo desenvolvido pelo menos dois terços dos físicos são experimentais. Temos de aumentar o número de físicos experimentais, sem reduzir os físicos teóricos.”

Na visão de Sérgio Paulino, pesquisador do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a ausência de um sistema efetivo de patentes no país está diretamente ligada ao próprio histórico da indústria brasileira. A mesma se desenvolveu com facilidades de acesso à tecnologia externa, barateada por uma política cambial para reduzir os custos de bens de capital e tecnologia. “Neste contexto, a dinâmica e competitividade da indústria nacional ligaram-se aos mecanismos de proteção e baixos salários, o que se modificou com a abertura econômica dos anos 90, quando as empresas, defasadas em tecnologia, precisaram fazer frente à concorrência de produtos contemporâneos. A alternativa foi aprofundar a incorporação de tecnologia externa, ampliando a participação de componentes não-nacionais nos produtos brasileiros”, explica Paulino.

O pesquisador concorda com Chaves no que diz respeito à concentração da capacidade de pesquisa nas universidades e institutos públicos de pesquisa, ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos, onde as próprias empresas criaram, com apoio do setor público, capacidade de realizar P&D. “No Brasil, isso não acontece. É preciso, via política industrial e de inovação, induzir um processo de mutação dos traços genéticos da indústria brasileira a fim de transformar a capacidade de inovação em força motriz do desenvolvimento econômico sustentável”, conclui.