Parceria científica com empresa fortalece programa de neurociências

O Programa de Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe) acaba de fechar um acordo de parceria científica com a empresa Philips. O acordo de pesquisa e desenvolvimento implica que os equipamentos de Ressonância Magnética a serem fornecidos pela empresa serão sistemas abertos para os pesquisadores do Programa CInAPCe.

O Programa de Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe) acaba de fechar um acordo de parceria científica com a empresa Philips. A parceria consiste basicamente de um programa específico de treinamento e de um acordo de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico. O programa de treinamento envolve também a operação e a manutenção de equipamentos de Ressonância Magnética (RM).

O acordo de pesquisa e desenvolvimento implica que os equipamentos de RM fornecidos pela empresa serão sistemas abertos para os pesquisadores do Programa CInAPCe, ou seja, não serão simplesmente utilizados para estudos clínicos, mas funcionarão como verdadeiros laboratórios em que se poderá criar, testar e desenvolver novos métodos de aquisição de dados e de processamento de imagens. Além disso, os pesquisadores do programa passarão a ter acesso às pesquisas desenvolvidas por outros centros que têm o mesmo tipo de acordo com a empresa.

“Normalmente, as empresas ou serviços que possuem equipamentos desse tipo podem apenas operá-los de acordo com certos protocolos preestabelecidos. No nosso caso, esses equipamentos serão laboratórios de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico. Com isso, o Programa CInAPCe e a Unicamp em particular passam não só a ter acesso a esse tipo de tecnologia, mas poderão atuar no seu desenvolvimento. Surge, com isso, a possibilidade do desenvolvimento de novos métodos e processo, podendo gerar inovações e patentes”, afirma Roberto Covolan, professor do Instituto de Física da Unicamp.

Uma outra vantagem tem a ver com a possibilidade de empregar tecnologia de ponta em estudos clínicos que serão realizados no âmbito do CInAPCe. Espera-se, com isso, ter meios mais eficientes para elucidar os aspectos neurobiológicos associados às patologias a serem estudadas.

“Além de atender as necessidades de diagnósticos avançados na rede de saúde, pode-se esperar um impulso considerável na área de RM, inclusive aquisição de novos equipamentos por clínicas e hospitais que ainda não possuem nem um sistema da modalidade até a atualização de equipamentos existentes”, diz Bernd Foerster, físico responsável pelos projetos científicos junto à empresa.

Segundo ele, a empresa mantém uma rede internacional de sites de pesquisa, e essa comunidade está se expandindo constantemente, abrangendo os mais diversos projetos científicos. “A excelência das instituições envolvidas no grupo CInAPCe, cada uma em sua especialidade, se encaixa perfeitamente nessa rede internacional, além de promover o avanço tecnológico dos equipamentos da empresa”, afirma.

O CInAPCe é formado por seis instituições de ensino e pesquisa do estado de São Paulo e, destas, a Unicamp e a USP – campi de São Paulo e de Ribeirão Preto – receberão os equipamentos de RM. “O processo de importação dos equipamentos já foi iniciado permitindo que a instalação possa ser efetuada no final deste ano ou no começo do próximo.

Inicialmente, será executado o treinamento padrão, que se divide em duas fases: básica e avançada. Em seguida, serão oferecidos treinamentos específicos para os projetos científicos a serem realizados em sites da rede cientifica da empresa e nas sedes em Holanda e Cleveland. Os trabalhos serão acompanhados constantemente durante a vigência da parceria científica. “Penso que em meados do próximo semestre esse equipamento já estará operando plenamente e em tempo integral”, diz Covolan.

Além dos aparelhos de RM dessa parceria com a Philips, o Programa CInAPCe também conta com um equipamento do Hospital Albert Einstein que foi fornecido pela Siemens.

Descoberta de bactéria multicelular intriga pesquisadores

Microorganismo encontrado em 1982 na lagoa do Araruama, no Rio de Janeiro, por equipe de cientistas brasileiros, só agora pode ser melhor compreendido e reúne características peculiares suficientes para ser classificado como uma nova espécie.

Lendas antigas sempre falam de estranhas criaturas que habitam o fundo dos lagos ao redor do mundo. E foi justamente em uma lagoa brasileira que uma dessas criaturas foi encontrada. Longe de ser um dos lendários monstros, o Magnetoglobus multicellularis é apenas uma bactéria, mas está desafiando uma equipe de cientistas que há 25 anos tenta compreender esse ser bastante peculiar que é diferente de todos os outros microorganismos conhecidos até então. A bactéria habita as águas salgadas da lagoa do Araruama, no Rio de Janeiro, e foi encontrada por uma equipe de pesquisadores brasileiros em 1982, mas só agora pode ser melhor compreendida.

Magnetoglobus multicellularis (literalmente, “bola magnética multicelular”) é uma criatura tão intrigante que o artigo que o descreve foi capa da edição de junho da revista International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, publicado pela Sociedade de Microbiologia Geral do Reino Unido. “O organismo parece desafiar. Ele não se ’encaixava’ em nenhuma forma de classificação e foi preciso muito trabalho na microscopia eletrônica, no estudo comportamental, no estudo de propriedades magnéticas para melhor compreendê-lo”, conta Henrique Lins de Barros, físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e um dos autores do artigo sobre a bactéria.

O organismo é tão diferente das outras bactérias que foi classificado como uma nova espécie. “Tudo mostra que ele é uma espécie nova no filo das Proteobacteria”, afirma Barros. Porém, para que seja oficializado como uma nova espécie, é preciso que as bactérias sejam cultivadas em uma cultura pura – o que ainda não foi alcançado pela equipe de pesquisadores. “Para ir adiante, é preciso conseguir amostras mais ricas: conseguir um meio de enriquecimento ou, idealmente, um meio de cultura. Aí estaremos entendendo o metabolismo e poderemos estudar detalhes que com as atuais amostras não é possível”, explica o físico. Deste modo, a nomenclatura atual do microorganismo recebe a indicação Candidatus na frente, para apontar que seu nome ainda não é definitivo.

O trabalho está sendo tão complexo que exige a participação de pesquisadores de diversas áreas. Além de Barros, a equipe é composta por Fernanda Abreu, Juliana Lopes, Carolina Keim e Ulysses Lins, do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da UFRJ, e Frederico Gueiros Filho, do Departamento de Bioquímica da USP, que se uniram para a difícil tarefa de descrever e compreender este intrigante organismo. “Sem este grupo de pesquisadores de alto nível, seria simplesmente impossível trabalhar com as amostras que temos”, declara Barros.

Particularidades

A lista de excentricidades da nova criatura é bem comprida. O primeiro fato que chamou a atenção dos cientistas é que ele é formado por um aglomerado de cerca de 20 células procariontes (sem membrana nuclear) – até então todos os organismo procariontes conhecidos são unicelulares. A questão gerou dúvidas se o organismo não seria uma colônia de bactérias interdependentes, mas as análises mostraram que não. “Juntar física com biologia foi um passo importante”, diz Barros. “A física mostrava que o comportamento observado só poderia ser explicado se houvesse um altíssimo grau de organização, o que nos levava a supor que estávamos diante de um organismo que só seria viável enquanto indivíduo. A biologia, em particular a microbiologia, mostrava que as células estavam juntas, compactas, e que não podiam existir isoladas”, completa.

Outra peculiaridade é o fato da bactéria crescer, aumentando seu número de células para 40, e logo depois se dividir em dois novos organismos. “Estes organismos são esféricos. Cada uma das células cresce (todas ao mesmo tempo) e se dividem (todas ao mesmo tempo). E aí ele se deforma e dá origem a dois novos organismos esféricos. É um processo raro de reprodução”, explica Barros.

Um dos aspectos mais interessantes é a capacidade da bactéria interagir com seu campo magnético. As bactérias magnéticas são comuns: elas possuem minúsculos cristais de magnetita no interior de seus corpos e utilizam seu magnetismo para navegar nos sedimentos e na água, como se fossem bússolas microscópicas.

Porém, o Magnetoglobus multicellularis tem um comportamento muito mais complexo. Diferente das outras bactérias magnéticas, ele não é dominado pelo campo magnético, podendo até mesmo nadar contra ele. Além disso, o organismo produz ao mesmo tempo dois tipos de cristais com ferro, a magnetita e a greigita – a produção de ambos os cristais por um único organismo ainda não foi descrita. E mais: a bactéria é capaz de controlar o tamanho, a forma e a composição química do cristal, transformando o ferro do ambiente nesses cristais em um processo de biomineralização. “Tem muito mais coisa nesta área e ainda estamos bem distantes de entender”, afirma o pesquisador.

Novos horizontes

A descoberta dessa interessante criatura não é apenas intrigante, mas também pode apontar novos horizontes para diversas áreas da ciência. Seus estudos podem ajudar a compreender a evolução da vida na terra, podendo até mesmo, em uma visão otimista, preencher uma lacuna evolutiva. “O Magnetoglobus multicellularis representa uma forma de organização de bactérias que até então não tinha sido vista, dando origem a um indivíduo multicelular. É interessante pensar como isto ocorreu e o que levou a que isso ocorresse”, declara Barros. Mas adverte: “Afirmar que o organismo é um hiato evolutivo é prematuro, ainda existem muitas perguntas a serem respondidas”.

Outra nova porta que poderia ser aberta com a pesquisa desta bactéria diz respeito a seu magnetismo. A compreensão do processo com que transforma o ferro do ambiente em cristais de magnetita e greigita pode possibilitar o desenvolvimento de um método para produzir cristais magnéticos muito puros e de excelente qualidade. Em outras palavras, o Magnetoglobus multicellularis pode ensinar físicos e tecnólogos como produzir nanocristais magnéticos que poderão ser empregados nas futuras gerações de computadores. Isso é o que pode ser vislumbrado com o que já se sabe sobre essa criatura hoje. Mas ainda há muito mais a se descobrir a respeito desse organismo misterioso, o que pode significar novos horizontes para a ciência.

Céus brasileiros poderão ter seu cão de guarda

UFMG desenvolveu o protótipo de um veículo aéreo não-tripulado capaz de navegar a partir de uma missão de vôo, sem a intervenção humana. As possibilidades de aplicações da aeronave, que recebeu o nome de Watch Dog (cão de guarda em inglês), podem ser ambientais, industriais e ainda estratégico-militar.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveram o protótipo de uma aeronave não tripulada, capaz de realizar vôos autônomos a partir de uma missão, isto é, um comando de vôo que recebe ainda em terra. O Watch Dog (cão de guarda em inglês), que possui 4 metros de envergadura (distância entre as extremidades da asa), já é testado desde fevereiro deste ano, mas ainda não pousa e nem decola sozinho. Neste momento, os pesquisadores continuam trabalhando para aprimorar sua autonomia de vôo. As aplicações de uma aeronave como esta podem ser ambientais, como o controle do desmatamento ou o monitoramento de queimadas; industriais, como a pulverização de colheitas ou a contagem de rebanho; e ainda estratégico-militares, no sobrevôo de fronteiras ou até mesmo, de cidades. A vigilância da movimentação humana, que pode servir para aumentar a segurança, pode também ter como efeito o aumento do controle aéreo sobre as populações, contribuindo para a consolidação de uma sociedade cada vez mais vigiada.

Os veículos aéreos não-tripulados (VANT’s), ou, do inglês, unmanned aerial vehicles (UAV’s), podem chegar às mesmas altitudes das aeronaves comerciais. Em comum, elas têm também o piloto automático, mas de acordo com Mário Campos, um dos coordenadores do projeto que resultou no protótipo, esta tecnologia vai além, porque é possível passar para o computador de bordo uma missão. “É como se você entrasse num avião que não tem piloto e que já sabe aonde ir quando decola ”, diz ele.

Quando uma missão é dada para o computador de bordo dessa aeronave, ela passa a fazer tudo sozinha, sem que seja preciso dar qualquer outra informação. De acordo com Campos, neste projeto da UFMG foi desenvolvida a tecnologia para permitir que o avião seja autônomo, para que ele tome as decisões baseadas nos diversos sensores que ele tem embarcado, como o sistema de posicionamento global (GPS, em inglês), as imagens por câmera ou os sensores de altitude. “Essas informações são usadas pelo processador interno e é a partir delas que ele decide sozinho o que fazer”, explica o coordenador. Por enquanto, embora a aeronave possa seguir sua missão quando está em vôo, para decolar e pousar é ainda preciso o auxílio manual.

Watch Dog
Foto: arquivo SiDeVAAN

 

Antes de chegar ao protótipo do Watch Dog, modelos de prateleira, ou seja, modelos de aeronaves comercialmente disponíveis, foram utilizados para testar a inteligência de vôo autônomo que estava sendo desenvolvida pelos pesquisadores. A inteligência necessária para fazer o vôo autônomo vinha sendo desenvolvida desde quando começaram a trabalhar com o primeiro modelo testado, o Piper J3, mas ela foi alcançada com o motoplanador, um modelo mais leve e menor. De acordo com Campos, a eletrônica embarcada nesse motoplanador tem competência suficiente para navegar outros aviões, que é o caso do Watch Dog.

A equipe de trabalho do Watch Dog foi dividida entre aqueles pesquisadores que se dedicavam à inteligência e autonomia do avião, e outros, que trabalhavam com o desenvolvimento da plataforma, do projeto da aeronave. De acordo com Luis Aguirre, que também coordena o projeto, foi um grande avanço conseguir integrar o conjunto de equipamentos existentes para executar uma tarefa, e essa integração, que é totalmente nacional, é que é a novidade. “Aí entra o pessoal da computação na definição de tarefas, na área de robótica, capacitando o avião para executar tais tarefas de forma autônoma, que é o nosso grande alvo. Essa é a ação inovadora”, destaca ele.

O protótipo é resultado de uma pesquisa que teve início a partir de um edital da UFMG de 2003 para o desenvolvimento de projetos estruturantes de pesquisa e de pós-graduação. O edital tinha por objetivo estimular pesquisas que agregassem pesquisadores de áreas diferentes para que eles se unissem na realização de projetos considerados inovadores, recebendo o financiamento da própria universidade. Um dos projetos contemplados pelo edital foi o do grupo chamado Simulação e Desenvolvimento de Veículos Aéreos Autônomos e Não-Tripulados (SiDeVAAN), que agrega pesquisadores dos Departamentos de Ciência da Computação, Engenharia Eletrônica, Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica.

Controle aéreo

Uma aeronave não tripulada pode ser utilizada para diversos fins. Campos exemplifica citando o monitoramento da costa brasileira e o controle de possíveis vazamentos de óleo, de imigração ilegal, com a vigilância de fronteiras, como da Amazônia. Ele enumera ainda o monitoramento do curso do próprio rio e outros usos ligados à agropecuária, como contagem do rebanho e pulverização de colheitas. “Essas são operações difíceis e atualmente realizadas por operadores humanos. Com um avião autônomo – explica Campos – pode-se estabelecer locais os quais o equipamento deve sobrevoar, instalar câmeras para monitoramento, e controlar tudo à distância, não correndo o risco de perder passageiros ou tripulação”.

De acordo com Campos, o Watch Dog foi projetado para navegar pelo espaço aéreo não necessariamente compartilhado com linhas comerciais, mas quando a aeronave for utilizada, pode ser que suas rotas se cruzem com as rotas comerciais. Podendo navegar nas mesmas altitudes, é necessário, conforme aponta Campos, que haja uma operação conjunta, de modo que os aviões autônomos sejam monitorados pelos mesmos controladores de aviões tripulados – este estudo de operação conjunta vem sendo feito nos Estados Unidos, cujo uso de UAV’s em missões militares no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque é conhecido.

Os usos militares demonstram que existe a possibilidade das novas tecnologias da informação serem utilizadas para fins estratégicos e de controle. Consideradas todas as vantagens de uma inovação como essa, e dos benefícios que pode trazer, fica no ar a pergunta: o Watch Dog acabará sendo, um dia, nosso cão de guarda também?