Antidepressivo não normaliza humor

Pesquisa realizada na USP revela que antidepressivos administrados a pessoas consideradas normais podem alterar seu humor e comportamento, provocando sensação de bem-estar, mesmo que a pessoa não tenha depressão. A descoberta indica que o antidepressivo não é um normalizador do humor, elevando-o em situações de “normalidade”.

Medicamentos antidepressivos administrados a pessoas consideradas normais podem alterar humor e comportamento, provocando sensação de bem-estar mesmo que a pessoa não tenha depressão. Isso é o que revelam os dados preliminares do estudo realizado pela equipe da professora Clarice Gorenstein, do Instituto de Ciências Biomédicas, da Universidade de São Paulo. Para Rubens Coura, psicanalista e psiquiatra, a pesquisa da USP confirma o que ele já constatava em sua clínica, ainda que a corrente médica dominante pense o contrário. “O uso de antidepressivo não tem como indicar se a pessoa é deprimida ou não, pois ele eleva o humor de qualquer pessoa”, afirma. “Os antidepressivos não são um normalizador do humor, e sim um elevador do humor”, enfatiza.

O grupo de Gorenstein, que já vem estudando esses efeitos desde 1998, observou diminuição da irritabilidade e tensão nas interações sociais, aumento da sensação de bem estar, mudança na tolerância, desempenho, concentração, sensação de confiança, de eficiência cognitiva, de melhora na tomada de decisões e na habilidade de priorizar demandas em voluntários que receberam baixas doses de clomipramina. “Cerca de 30% das pessoas saudáveis que tomam o antidepressivo vão ter esse tipo de resposta”, revela Clarice. A mudança foi relatada não só pelos próprios voluntários, mas também por pessoas próximas è eles, além de serem constatadas através de acompanhamento psicológico.

A pesquisadora faz questão de lembrar que, observar essas mudanças tem como intuito apenas gerar conhecimento científico. “Não estamos preconizando o uso para quem não tem necessidade”, enfatiza Clarice, descartando a psiquiatria cosmética como finalidade.

A clomipramina, princípio ativo utilizado no estudo, é um dos mais antigos antidepressivos no mercado. No Brasil, é encontrado em medicamento de marca e também em genéricos. Sua utilização no estudo deveu-se a experiência prévia do grupo com relatos de efeitos extra-terapêuticos obtidos com a droga.

Em estudos anteriores, pacientes com síndrome do pânico tratados com baixas e médias dosagens do princípio ativo relataram mudanças inesperadas em seu estado de humor. Segundo eles, os antidepressivos os deixavam ainda mais dispostos do que antes de estarem doentes. De acordo com esses relatos e o atual estudo, os antidepressivos afetariam o humor das pessoas independente da presença de psicopatologias.

Os resultados preliminares do estudo foram publicados em carta aos editores na edição de junho do Journal of Clinical Psychopharmacology. Financiada pela Fapesp, a pesquisa ainda está recrutando voluntários. Parte do princípio ativo usado no estudo foi doado pela Novartis, empresa produtora do medicamento de marca.

Normalidade?

“Nossos critérios de inclusão de voluntários na pesquisa são muito rígidos”, explica Clarice. Os voluntários selecionados são pessoas saudáveis do ponto de vista clínico e mental, que não apresentam queixas ou sintomas e não têm histórico pessoal ou familiar de qualquer tipo de alteração psiquiátrica.

A triagem dos voluntários conta com um questionário, entrevista psiquiátrica, questionário de histórico familiar, exames laboratoriais, eletrocardiograma e exames físicos. Os voluntários também não podem ter nenhuma doença crônica, doença de absorção, presente ou passada, ou obesidade.

A captação de voluntários para a pesquisa se deu através de divulgação na mídia leiga. Descritos na pesquisa como saudáveis ou normais, os voluntários fazem parte de uma seleta parcela da população. “Na verdade, dentro da normalidade eles não estão”, brinca Clarice, ao revelar que das duas mil pessoas que se voluntariaram até o momento, apenas 200, ou seja, 10%, foram consideradas aptas.

Construção social

“Normalidade é uma construção social”, afirma Daniel Pereira Andrade, doutorando em sociologia na USP, que está desenvolvendo a pesquisa “Da melancolia à depressão” e faz parte do grupo de pesquisa “Sintoma Social”, que discute os novos sintomas psíquicos do ponto de vista sociológico.

Segundo Andrade, o controle afetivo das pessoas que impera na sociedade atual cria uma nova forma de normalização na qual são supervalorizados a iniciativa, o consumo e a diversão. “O tipo de pessoa que nossa sociedade precisa é aquela que está disponível para novas experiências”, o que a depressão impediria.

Rubens Coura pensa de maneira semelhante. Nos últimos vinte anos, segundo ele, vem havendo um uso indiscriminado dos antidepressivos, fato que atribui à ideologia da qualidade total. “Você tem que estar sempre jovem, belo, saudável, feliz”. Quem não se enquadra perfeitamente nesse ideal se sente deslocado, é visto como “depressivo” pela sociedade e acaba recorrendo à medicação.

O antropólogo francês David Le Breton analisa essa fabricação psicofarmacológica de si e do corpo em seu livro Adeus ao corpo: antropologia e sociedade, publicado no Brasil em 2003. Para ele, o corpo e o próprio comportamento das pessoas passa a ser uma matéria-prima modelável para se submeter ao design do momento. Para se enquadrar na sociedade, a pessoa poderia realizar uma modelação química de seus comportamentos e de sua afetividade através da medicalização do humor cotidiano.

Para Coura, o grande problema dos antidepressivos, que pode ser prescrito pelos mais diversos especialistas, é esse uso indevido ou abusivo. “Muitos médicos e pacientes confundem angústia e depressão”, lembra Coura. Ele também salienta a importância do acompanhamento constante do paciente. “Sem acompanhamento, além de ficar mais sociável, falante, desinibida, a pessoa pode estar ficando mais superficial. Ela tende a superficializar-se”. Ainda que reticente quanto ao mau uso dos fármacos, Coura recorda que “os antidepressivos podem ajudar, e certamente ajudam, muita gente”.

CRQ cria selo de qualidade para escolas técnicas de química

Lançado oficialmente no dia 11 de agosto, o projeto Selo de Qualidade entra agora em fase de aperfeiçoamento, segundo o Conselho Regional de Química IV (CRQ IV), que abrange os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

O Conselho Regional de Química IV lançou oficialmente no início de agosto uma certificação de qualidade para instituições de ensino técnico em química. Segundo Paulo César de Oliveira, diretor da Escola Técnica Estadual Conselheiro Antônio Prado (Etecap) de Campinas e um dos idealizadores do projeto, o objetivo é disseminar a cultura da qualidade nas escolas técnicas de Química e adequar o projeto pedagógico do curso avaliado aos objetivos e compromissos da instituição de ensino técnico (IET).

O projeto teve início em 2004, quando o CRQ IV promoveu o I Fórum Regional de Ensino Técnico da Área Química, organizado com o objetivo de ouvir as impressões das indústrias e das escolas a respeito do perfil desejado para o profissional químico de nível técnico. No evento, os representantes das empresas haviam enfatizado a necessidade de desenvolver as competências pessoais nos alunos, além da parte técnica propriamente dita.

Durante dois anos, foi feito um extenso trabalho para desenvolver um instrumento de avaliação. Como resultado foi criado um manual, já disponível no site do CRQ IV, contendo os principais tópicos orientadores do processo, a definição dos critérios para cada indicador de qualidade e a forma de avaliação calculada através de pontos. O manual ainda está em de testes e aperfeiçoamento.

O processo de certificação é composto por duas partes principais: a auto-avaliação e a avaliação externa. Na primeira parte, a IET acessa o material disponível no portal do CRQ IV e checa seus indicadores. Considerando-se apta, a instituição passa para a fase da avaliação externa. Ela então requer ao CRQ a análise dos seus dados e o envio de uma Comissão de Certificação para validar suas informações.

O Selo de Qualidade é aplicado somente nos dois Estados abrangidos pelo CRQ IV, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Nada impede, contudo, que os conselhos das outras regiões adotem a certificação. “Na verdade isso seria muito bom”, diz Oliveira. Indagado sobre a aplicação de processo semelhante em outros setores profissionais, o diretor ressaltou que, embora não tenha conhecimento de trabalhos similares, ele espera que num futuro próximo outros conselhos também desenvolvam seus procedimentos de avaliação. Segundo Oliveira, assim que forem obtidos os resultados completos sobre o processo, o CRQ IV enviará um relatório ao Conselho Federal de Química. O documento será encaminhado a título de sugestão para uma possível adoção por outras regionais.

Software-livre brasileiro para medicina é destaque internacional

Entre os dias 24 e 29 de setembro, ocorreu em Portugal o evento Prototipagem Virtual Rápida 2007. Com três trabalhos sobre o software InVesalius, a equipe brasileira do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA) ganhou destaque pelo trabalho conjunto de médicos e programadores e também pelo fato do software ser livre.

Entre os dias 24 e 29 de setembro, ocorreu em Portugal o evento Prototipagem Virtual Rápida 2007 (VR@P, na sigla em inglês). Realizado no Instituto Politécnico de Leiria, o fórum tinha como objetivo promover a integração entre as várias disciplinas envolvidas na pesquisa de protótipos físicos e virtuais. Com três trabalhos sobre o software InVesalius, a equipe brasileira do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), localizado em Campinas (SP), ganhou destaque pelo trabalho conjunto de médicos e programadores e também pelo fato do software ser livre.

A Prototipagem Rápida (RP) é uma tecnologia que utiliza desenhos ou modelos virtuais projetados em computador para a produção de modelos com fidelidade absoluta. Esta técnica é utilizada na área de engenharia industrial para o desenvolvimento de peças e partes nas áreas automobilísticas, aeronáutica, naval e de bens de consumo. A partir do desenho virtual, o protótipo é construído com a ajuda de máquinas que produzem os modelos através do depósito de camadas de polímeros – macromoléculas formadas pela união de substâncias simples.

Esta tecnologia vem sendo aplicada na medicina há 20 anos. No CenPRA, dentro da Divisão de Desenvolvimento de Produtos, surgiu em 2001 o projeto Prototipagem Rápida na Medicina (Promed), que visa a aplicação da computação gráfica e a prototipagem rápida no planejamento de cirurgias complexas de ortopedia, reconstrução bucomaxilofacial e cranial. O protótipo facilita a intervenção médica, pois possibilita uma melhor visão clínica, além de permitir a construção de próteses específicas para cada caso.

O software funciona da seguinte maneira: ele usa uma série de imagens bidimensionais captadas por ressonância magnética ou tomografia computadorizada para a construção de um modelo tridimensional virtual. Existem outros programas que cumprem esta mesma função, mas apresentam grandes desvantagens para a aplicação em hospitais brasileiros, por terem um custo elevado, exigirem computadores de altíssima performance para rodar e sua interface ser em inglês. A realidade brasileira sempre permeou o desenvolvimento do InVesalius. O programa é gratuito, opera em computadores comuns e, principalmente, possui uma interface em português e de fácil operação, já que foi desenvolvido com a cooperação constante de médicos.

Após a construção da imagem tridimensional, o software exporta esses dados para uma máquina que constrói os modelos reais. No CenPRA, utiliza-se uma máquina de Sinterização Seletiva a Laser (SLS). Esta faz uso de pó de poliamida para produzir os modelos, através do depósito de camadas que, pouco a pouco, formam um protótipo preciso do desenho virtual do software.

O InVesalius permite que o médico trabalhe nas imagens com grande liberdade. É possível segmentar de diferentes ângulos e obter medidas precisas. Além disso, pode-se utilizar o programa para reconstruir partes danificadas, como por exemplo, em um crânio que tenha sofrido esmagamento, o software projeta o lado sem danos no outro para que se possa fabricar uma prótese muito acurada.

Segundo Tatiana Martins, coordenadora do projeto do programa, o CenPRA já participou do desenvolvimento de mais de 800 protótipos aplicados em casos de diversos hospitais brasileiros. “Seguramente, temos um dos maiores números de casos no mundo”, afirma. Outras aplicação do InVesalius são feitas na paleontologia e antropologia. “Já utilizamos o software para a reconstituição de uma múmia egípcia e de fósseis animais”, conta a pesquisadora. Os planos futuros estão concentrados no desenvolvimento da versão 2.0 do programa, que será bilíngüe. A partir de novembro, Martins acredita que o software se tornará mais popular, pois passará a fazer parte do site http://www.softwarepublico.gov.br.