Na Capes, Biológicas concentram cursos com os conceitos mais altos

Divulgado nessa quarta-feira, em Brasília, relatório da Capes avalia cerca de 3,4 mil cursos, relativo ao triênio 2004-2006. A área de Ciências Biológicas concentrou a maior parte dos cursos com os mais altos conceitos, com cerca de 35% dos 81 cursos com notas 6 e 7. Em seguida, aparecem empatados os cursos das grandes áreas Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, com 25% destes de excelência internacional, Ciências Humanas, 21% e Ciências Agrárias 16%.

Os rumores são muitos entre os membros da comunidade científica no período da publicação do resultado da avaliação trienal dos cursos de pós-graduação do Brasil, feita pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/MEC). A expectativa sobre a colocação cria um clima de ansiedade e muitas vezes levanta discussões sobre os critérios utilizados pela Capes.

relatório de 190 páginas divulgado no último dia 10 é resultado de um exaustivo trabalho de 700 consultores de 45 áreas do conhecimento, que avaliaram cerca de 3,4 mil cursos, relativo ao triênio 2004-2006. É também produto do envolvimento dos chefes dos cursos de pós-graduação que se dedicaram ao preenchimento dos formulários da Capes.

Não foram apresentados neste relatório os resultados dos cursos com conceitos 1 e 2, considerados insuficientes e que implicam desativação do programa, uma vez que esses ainda podem recorrer da nota. Os 2.175 cursos que aparecem no relatório foram avaliados com os conceitos de 3 a 5 – regular, bom e muito bom, respectivamente – e 6 e 7, que demonstram excelência internacional e podem ser atribuídos apenas a programas que tenham doutorado.

A área de Ciências Biológicas concentrou a maior parte dos cursos com os mais altos conceitos, com cerca de 35% dos 81 cursos com notas 6 e 7. Em seguida, aparecem empatados os cursos das grandes áreas Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, com 25% destes de excelência internacional, Ciências Humanas, 21% e Ciências Agrárias 16%.

 

Dentre os 94 cursos das Ciências Sociais Aplicadas, apenas 14% apresentaram notas 6 e 7. O mesmo aconteceu com os 246 cursos de Ciências da Saúde e com os 67 cursos de Linguísticas, Letras e Artes. Já entre os 41 programas em “Ensino de ciências e matemática” e “Multidisciplinar”, colocados dentro da área “Outros”, nenhum atingiu conceitos 6 e 7.

Como explicar tal discrepância com a área de Ciências Biológicas? De acordo com Léa Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, o problema é que a Capes “está tentando pegar o modelo das ciências paradigmáticas, internacionalizadas, consensuais e fazendo com que todas as outras áreas se adaptem a esse modelo”.

“Cada área tem bastante liberdade para definir como vai operar a sua avaliação”, destaca Renato Janine Ribeiro, diretor de avaliação da Capes, na página da Capes. Ribeiro explica ainda que “cada área do conhecimento estabelece a sua hierarquia de revistas (e de outras produções) e publica um Qualis, isto é, sua classificação delas”.

No entanto, Velho argumenta que o que realmente define se um programa vai subir de 5 para 6 ou 7 é a publicação internacional em periódicos classificados com Qualis A e B, ou alto fator de impacto. Os classificados como internacional C valem muito pouco. No entanto, o fator de impacto, que depende do número de citações, é um fenômeno social na ciência e depende da dinâmica de produção do conhecimento nas diferentes áreas. Ela explica que, em áreas pequenas, multidisciplinares e novas, como os estudos sociais da ciência e tecnologia, alguns programas tendem mais para economia da inovação, outros tendem mais para história social da ciência, outros mais da antropologia da ciência: não há paradigmas estruturados. Trata-se de uma comunidade pequena, com grande número de periódicos mas pouco citados, pois a comunidade publica nas mais variadas revistas. O número de citações possíveis para esses periódicos, portanto, é muito menor, uma vez que o número de citantes é reduzido e por isso o fator de impacto é muito pequeno.

Velho defende também que, quando se trabalha com indicadores, é preciso levar em conta a dinâmica da produção de conhecimento das áreas. “Dependendo de como a área se organiza, o canal apropriado para comunicar os resultados de pesquisa, a audiência que se quer atingir e os canais que se usam para atingir essa audiência variam substantivamente”, pondera ela. “A iniciativa da Capes de avaliar os programas dar um selo de qualidade para é fundamental. O programa de avaliação é uma instituição que presta serviços muito importantes. A questão é que não existe um modelo único, as especificidades das áreas têm que ser respeitadas”, conclui.

Como é feita a avaliação

Iniciada pelo diretor-geral Cláudio de Moura Castro, em 1976, a avaliação passou por uma série de mudanças ao longo dos anos. Hoje “leva em conta a produção científica dos docentes e discentes, a formação do corpo docente, a qualidade da formação dos alunos e, agora, também o impacto social do programa”, ressalta Ribeiro. “Com a introdução do quesito inserção social, demos um passo adiante: queremos também ver como mestres e doutores, e como a pesquisa deles e dos orientadores, atuam em desafios decisivos para a sociedade”.

A Capes conta com representantes, nomeados para cada área, que participam de discussões acerca da avaliação. Para cada área é criada uma comissão, de acordo com os seguintes critérios: qualidade científica de seus membros; engajamento com a pós-graduação; representatividade das sub-áreas que compõem a área e da diversidade que nelas exista; e representação das regiões do país em que há programas naquela área. De acordo com Ribeiro, “os conceitos emitidos durante a Avaliação Trienal são sempre formulados pela comissão, por maioria de votos. Isso quer dizer que o representante de área pode ser ‘derrotado’ na votação, o que efetivamente acontece em alguns casos”.

Percepção da democracia influi na aceitação do aborto

Existe uma correspondência entre a percepção dos indivíduos sobre a democracia e a aceitação do aborto. Essa foi a conclusão da cientista política Rachel Meneguello ao analisar os dados do latinobarômetro (2006), durante o Ciclo Comemorativo de 25 anos do NEPO. O evento trará outras discussões no decorrer de outubro.

Existe uma correspondência entre a percepção dos indivíduos sobre a democracia e a aceitação do aborto. Essa foi a conclusão da cientista política Rachel Meneguello, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, ao analisar os dados do latinobarômetro de 2006. Segundo ela, no Uruguai, onde a percepção sobre a democracia se mostrou maior, a aceitação do aborto também foi mais alta que nos outros países observados.

A análise foi apresentada no seminário internacional “Estudos sobre a questão do aborto em países da América Latina com ênfase no Brasil” – uma parceria entre o Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Unicamp e instituições internacionais como o Centre de Population et Développement (CEPED), o Institut de Recherche pour le Développement (IRD) e El Colegio de México (COLMEX). O evento ocorreu como parte do Ciclo Comemorativo dos 25 anos do núcleo, e é o oitavo debate dentro das comemorações que prosseguem durante todo o mês de outubro.

Ainda de acordo com Meneguello, as experiências autoritárias que os países compartilham deixaram como herança um baixo movimento cívico, uma baixa confiança institucional e a manutenção de valores e de uma percepção sobre a vida pública que são contraditórios ao próprio processo de construção do Estado democrático.

Embora com a redemocratização do Brasil tenha havido maior visibilidade e ampliação do debate sobre o aborto no país, na legislação ainda não ocorreram mudanças significativas na lei de 1940, que permite o aborto em casos de estupro ou risco de vida à mulher. No entanto, ocorreu avanço no sentido de garantir o acesso ao aborto previsto em lei e o atendimento das mulheres que chegam aos hospitais em situações de abortamento. Essa é a conclusão de Maria Isabel Baltar de Rocha, pesquisadora do NEPO e coordenadora do evento. Para ela, a tensão no parlamento entre tendências opostas tem, praticamente, paralisado decisões que envolvam mudanças legais. “Não se avança na legislação, mas também não se retrocede”, diz ela.

Baltar da Rocha afirma que o objetivo do seminário foi construir um panorama da situação do aborto em alguns países da América do Sul. “A abordagem considerou as estimativas e a atuação do Estado e da sociedade civil com o intuito de reportar os avanços que existem nas pesquisas e discutir questões metodológicas com relação a esse tema”, explicou Rocha.

Da esp para dir: Regina Barbosa, Maria Isabel Baltar de Rocha, Rosana Baeninger, Peter Schultz, Susana Lerner, Agnès Guillaume.

FOTO: Daniela Lot

Ainda em relação ao debate legislativo, Leila Linhares, da organização “Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação” (CEPIA), do Rio de Janeiro, apontou que ocorreram outros avanços que devem ser contabilizados. Batizada em homenagem a uma mulher que lutou durante 20 anos para que seu marido agressor fosse condenado, a Lei Maria da Penha (lei 11340 de 2006) reconhece que a mulher pode sofrer abuso sexual dentro do seu relacionamento conjugal.

Linhares esclarece que a década de 80 foi importante para o debate, pois já havia uma questão identitária definida pelo lema “nosso corpo nos pertence”. Dessa forma, as feministas acrescentam aos direitos sociais discutidos neste período de redemocratização, os direitos individuais. “Essa combinação de direitos individuais com direitos sociais a partir da década de 80 – diz ela – marca a trajetória do movimento de mulheres na questão do aborto, colocando-o como direito e como uma questão de saúde”. “A sociedade deve dar à mulher o direito de decidir sobre a reprodução”, acrescenta Clyde Soto, do Centro de Documentación y Estudios do Paraguai.​_

Novos atores entram em cena

A polêmica questão da liberalização do aborto esteve por muito tempo polarizada por dois tipos de debate: o religioso e o jurídico. No campo da moral e da religião, a preocupação é definir quando a vida começa. Nesse caso, as pessoas defendem o início da vida a partir da formação do embrião, na junção do óvulo com o espermatozóide. Assim, a retirada do embrião em qualquer etapa da gestação é considerada crime contra a vida.

Ângela Araújo, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH), afirma que esse é um argumento definido como científico e cabe aos cientistas sociais questionar a própria definição de ciência que está por trás dele. Para Maria José Fontelas, do departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), o argumento de fato não é teológico, e sim materialista, pois a única referência no catolicismo para definir o início da vida vem da biologia.

Já no campo ético e jurídico, inserido na agenda política do debate sobre a democracia, o início da vida não é um ponto central para esses atores, e sim questões como o direito da mulher de decidir sobre sua gestação.

Nos últimos anos no entanto, um novo grupo vem encampando esse debate com intuito de defender o uso de células-tronco embrionárias em pesquisa. “Determinar o início da vida individual como sendo o momento da fecundação é tão arbitrário quanto colocá-lo em qualquer outro ponto”. Este argumento, apresentado em um documento elaborado por três membros da Academia Brasileira de Ciências, Marco Antonio Zago, Mayana Zatz e Antonio Carlos Campos de Carvalho sinaliza um novo arranjo de forças na discussão sobre a legalização do aborto e a complexificação do debate.

Avaliação do Bolsa Família quer priorizar benefícios além da renda

Em seminário na Unicamp, a socióloga Maria Inês Caetano Ferreira apresentou uma proposta inovadora de avaliação do programa Bolsa Família. Seu objetivo é verificar os efeitos do programa para além da renda. Partindo das experiências dos beneficiários, ela pretende avaliar se o programa facilita o acesso das famílias a direitos sociais como saúde e educação.

Nos anos 80, um trecho da música Comida dos Titãs soou como crítica aos formuladores de políticas públicas no Brasil: “a gente não quer só comida”. Naquela época, o agito e reflexão social promovidos pela redemocratização do país favoreciam a percepção pública do assistencialismo que impregnava muitas ações de combate à pobreza, que costumavam dar comida. Em resposta, nos anos 90 começaram a pulular programas de transferência de renda: Renda Mínima, Bolsa-Escola e, agora, Bolsa Família, que ganhou magnitude no governo Lula.

No novo cenário, outro trecho da mesma música parece continuar válido, atual e crítico: “a gente não quer só dinheiro”. É consensual a idéia de que acabar com a pobreza requer mais do que recursos. Muitas avaliações sobre o Bolsa Família medem seu impacto apenas sobre a renda das famílias pobres. O que escapa a essas avaliações?

Beneficiária de Santo André exibe o cartão do Bolsa Família: seria o programa um passaporte para a cidadania?
Foto: Carolina Justo

Essa é a inquietação de Maria Inês Caetano Ferreira, socióloga, que desenvolve projeto de pós-doutoramento junto ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp. No dia 17 de setembro, ela apresentou um enfoque inovador para analisar os efeitos de programas como o Bolsa Família.

Na palestra, proferida no auditório do Nepp, Ferreira mostrou sua preocupação em avaliar os efeitos do programa para além da renda. Na pesquisa, circunscrita à capital paulista, mais especificamente ao bairro do Grajaú, ela fará entrevistas qualitativas com os beneficiários do programa. Em seu roteiro, mais do que perguntas sobre a forma como gastam o dinheiro recebido, ela procura saber dos beneficiários o que pensam do programa, se o consideram justo ou não, se sabem como, para que e para quem ele foi criado, e se ele estimula ou não o exercício da cidadania.

Quanto a este último item, seu interesse principal é saber se o programa promove um estreitamento das relações das pessoas de baixa renda com o Estado, facilitando, por exemplo, seu acesso à escola e serviços de saúde, entre outros. Com isso, a pesquisadora procura apreender possíveis efeitos dos programas de transferência de renda sobre outras dimensões da pobreza, como a política, social e cultural.

Cobrar das famílias ou do Estado?

Enquanto a opinião pública cobra o controle mais efetivo sobre o cumprimento pelas famílias beneficiárias das condicionalidades impostas pelo Bolsa Família, Maria Inês se preocupa em averiguar se participar do programa permite às famílias pobres terem acesso a direitos sociais, ainda que “forçadas” pelo programa. As contrapartidas funcionariam, assim, como uma “obrigação positiva”. “No Bolsa Família, as condicionalidades têm como principal objetivo reforçar o acesso aos direitos sociais. O acompanhamento e a punição de quem não obedece a regra é parte obrigatória para que a proposta deixe de ser apenas ‘proposta’ e para que o tal acesso aos direitos se concretize”, explica ela.

Apesar disso, talvez seja mais importante avaliar se o Estado está conseguindo garantir o acesso aos direitos sociais previstos como condicionalidades do Bolsa Família – basicamente saúde e educação para as crianças – do que se as famílias estão fazendo a sua parte. Como pondera a socióloga, “o não cumprimento das condicionalidades pelas famílias pode estar vinculado ao problema de o próprio Estado não oferecer condições para tanto (não oferecer escola e saúde pública, por exemplo)”. Seria justo cobrar das famílias quando é o Estado que deixa de cumprir suas responsabilidades?