Células-tronco do tecido adiposo como alternativa às da medula óssea

Projeto que avaliou a capacidade de células-tronco mesenquimais humanas regularem respostas imunológicas in vitro ganhou o 5º “Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica”, na categoria Ciências da Vida, concedido pelo CNPq. Células obtidas tanto da medula óssea quanto do tecido adiposo apresentaram similar atividade reguladora.

O projeto “Estudo da atividade imunomoduladora das células-tronco mesenquimais humanas” ganhou o 5º “Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica”, na categoria Ciências da Vida, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com o British Council. A entrega da premiação aconteceu em Brasília, no último dia 2.

Os pesquisadores isolaram células-tronco mesenquimais a partir de duas fontes – medula óssea e tecido adiposo – com o objetivo principal de estudar a capacidade dessas células humanas regularem respostas imunológicas in vitro. “A observação de que ambas linhagens apresentam similar atividade reguladora e, considerando as dificuldades inerentes à obtenção de células mesenquimais de medula óssea, as obtidas do tecido adiposo podem ser utilizadas como uma fonte alternativa de células mesenquimais, uma vez que são facilmente obtidas e expandidas in vitro”, destaca a pesquisadora Kellen Faé.

Células-tronco mesenquimais, uma população de células do estroma do tecido (parte que dá sustentação às células), têm a capacidade de se diferenciar em diversos tecidos. Por conta desta plasticidade, essas células têm sido utilizadas para reparar ou regenerar tecidos danificados como ósseo, cartilaginoso, hepático, cardíaco e neural. Além disso, essas células apresentam uma poderosa atividade imunosupressora, o que abre a possibilidade de sua aplicação clínica em doenças imuno-mediadas, como as auto-imunes e também nas rejeições aos transplantes. Em adultos, residem principalmente na medula óssea e no tecido adiposo.

Conduzido pela aluna de biologia da Universidade de São Paulo (USP), Carolina Lavini Ramos, e orientado em parceria por Faé e Jorge Kalil, do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (InCor), os pesquisadores observaram que ambas linhagens foram capazes de inibir a proliferação de linfócitos T, células do sistema imune que, em condições patológicas, participam do processo de agressão tecidual. Esta imunossupressão foi observada tanto após um forte estímulo inespecífico (usando um anticorpo anti-CD3) quanto em experimentos que imitam as respostas de rejeição aos transplantes, a chamada reação linfocitária mista.

Analisaram também outros parâmetros como expressão de marcadores de superfície, o tipo de linfócito que a célula mesenquimal regula, quais moléculas (citocinas) são produzidas. Além disso, realizaram um experimento denominado transwell, em que avaliaram se a inibição das células mesenquimais requer contato direto com os linfócitos ou apenas fatores solúveis. Observaram que ambas vias são importantes para a regulação em questão.

Inserido dentro de um projeto maior que estuda a resposta imune de pacientes com insuficiência cardíaca tratados com células-tronco autólogas (próprias), o trabalho passou por uma etapa inicial de padronização do cultivo para obtenção das células mesenquimais.

Iniciação científica

Carolina Ramos, premiada pelo CNPq, destaca que “a iniciação científica é uma oportunidade de vivenciar o dia-a-dia da carreira científica, além de permitir conhecer diversas áreas da Biologia, e escolher a que mais lhe interessa”.

“Este prêmio também mostra a qualidade do programa de iniciação científica do CNPq, programa único do mundo, que contempla mais de 20.000 estudantes em todo o Brasil. Como orientadora, é o reconhecimento de todo um trabalho de muita dedicação e a esperança de poder contribuir para a formação de novos pesquisadores para o nosso país”, ressalta Kellen Faé.

O prêmio, criado em 2003, tem o objetivo de reconhecer os trabalhos de destaque entre os bolsistas de iniciação científica do CNPq, sob os aspectos de relevância e qualidade do seu relatório final, e as instituições participantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) que contribuíram de forma relevante para o alcance das metas do Programa.

Segundo Jorge Kalil, “a ciência normalmente não enche o bolso de dinheiro, mas sim o coração de alegria e reconhecimento pelos pares, e satisfação profissional, tudo no caminho da felicidade pessoal. O trabalho da Carolina é de tema super atual que trata da repercussão das células-tronco no sistema imune com grandes conseqüências terapêuticas”.

Durante a cerimônia de premiação, que aconteceu junto com a abertura da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, os bolsistas vencedores receberam um prêmio em dinheiro (valor equivalente a 12 meses de bolsas de iniciação científica) e a garantia de uma bolsa de mestrado, além de passagem e hospedagem para participarem da reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de 2008.

Jornal inaugura nova modalidade de artigo científico

O Journal of Visualized Experiments abriu um novo canal de comunicação audiovisual com o mundo da pesquisa e suas peculiaridades. Por meio de artigos científicos publicados na forma de vídeos, os vídeos-artigos, é possível conhecer um pouco mais como a pesquisa de laboratório em biologia é realizada.

Bruno Latour e Steve Woolgar, no livro A vida de laboratório – A produção de fatos científicos, já havia nos aproximado do dia-a-dia dos cientistas. O Journal of Visualized Experiments (JoVE) faz o mesmo, abrindo um novo canal de comunicação audiovisual com o mundo da pesquisa e suas peculiaridades. Por meio de artigos científicos publicados na forma de vídeos de livre acesso (vídeos-artigos), é possível conhecer um pouco mais como a pesquisa de laboratório em biologia é realizada. Para o público em geral, é uma maneira de se aproximar da prática científica. Para os cientistas, uma forma de visualizar detalhes técnicos pouco explorados na resumida sessão de “Materiais e Métodos” dos artigos científicos.

Lançado em dezembro de 2006, o periódico estadunidense foi idealizado pelo biólogo Moshe Pritsker enquanto fazia seu doutoramento na Universidade de Princeton. “Eu sofria para reproduzir experimentos a partir dos artigos impressos, até que percebi que eles não funcionam por não descreverem de maneira clara a complexa realidade dos experimentos”. Surgiu, então, a idéia de apresentar as mais diversas experiências na forma de vídeos-artigos. “Percebi que, para aumentar a reprodutibilidade, os experimentos precisavam ser mostrados”, explica o editor-chefe.

Com 300 a 500 acessos diários exclusivos, o JoVE é dividido nas sessões protocolos básicos, neurociência, biologia do desenvolvimento, biologia celular, biologia vegetal, microbiologia e imunologia. Seu conselho editorial conta com a participação de cientistas de renomados centros de pesquisa, como as Universidades de Harvard, Princeton, do Sul da Califórnia, Quioto, Zurique e Wuerzburg, assim como de pesquisadores do Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), na França, e do Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.

Como são feitos os vídeos-artigos

Os vídeos-artigos seguem a estrutura dos papers acadêmicos, com uma breve introdução, metodologia, resultados e uma discussão no final focada nos principais problemas metodológicos da técnica descrita.

Embora alguns vídeos sejam enviados pelos próprios cientistas, hoje em dia o JoVE conta com uma infra-estrutura organizacional que permite filmar em centros acadêmicos de pesquisa de diferentes cidades. A ajuda profissional de produção – filmagem e edição – acontece em 15 cidades nos Estados Unidos e algumas outras como Tóquio e Berlim.

Em meio à erlenmeyers, tubos de ensaios, pipetas, placas, reagentes, células e uma bancada normalmente bagunçada, diferentes metodologias podem ser acompanhadas e também utilizadas em instituições de ensino.

“Sinceramente, não conhecia o JoVE, mas quando olhei a página fiquei impressionado com a qualidade e apostando na idéia. Vou divulgar dentro de meu âmbito”, destaca Gilson Volpato, professor do Departamento de Fisiologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que atua também na área de Redação Científica.

Um pouco de brasilidade pode ser vista no vídeo-artigo publicado no JoVE sobre infecção da mosca drosófila pela bactéria Wolbachia, tema comentado também por Marcelo Leite em sua coluna, no início de setembro, no caderno Mais!, do jornal Folha de S. Paulo.

Carta-compromisso quer acabar com falsa cara do brasileiro

Pesquisadores, organizações indígenas e instituições governamentais redigem carta-compromisso para melhorar a captação de dados sobre os povos indígenas. Uma das idéias é ter a participação dos povos indígenas em todo o processo censitário, incluindo também na coleta de dados.

Um documento que expressa o intuito de melhorar a captação de dados sobre as populações indígenas foi redigido em conjunto no III Seminário de Demografia dos Povos Indígenas no Brasil, organizado pelo Núcleo de Estudos de População (NEPO) durante as comemorações de seus 25 anos. Na redação deste documento estavam presentes representantes de várias organizações, dentre elas, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) e pesquisadores do NEPO e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, ambos da Unicamp.

Da esq para dir: Gersem Baniwa (COIAB), Marta Azevedo (NEPO), Zélia Bianchini (IBGE), Nilza Martins Pereira (IBGE).

Marta Maria do Amaral Azevedo, pesquisadora do NEPO e organizadora do seminário, afirma que o documento tem valor científico, moral, político e ético. “Este documento – diz ela – é uma tentativa de aperfeiçoamento das informações estatístico-populacionais sobre os povos indígenas, para melhorar o censo 2010 e contribuir com as políticas públicas para os povos indígenas”. Azevedo destaca que o seminário conseguiu agregar representantes de várias instituições que trabalham com pesquisas sobre povos indígenas, dando força às recomendações presentes no documento.

Uma das recomendações da carta-compromisso é a participação de indígenas em todo o processo censitário, desde o planejamento até a divulgação dos resultados. Gersem dos Santos Luciano Baniwa, da COIAB, aponta que a inclusão de recenseadores indígenas tem um saldo positivo em seus processos de formação. Ele afirma que na região amazônica há dúvidas sobre se as pessoas efetivamente chegam nas áreas remotas para fazer o recenseamento, já que até hoje os recenseadores têm sido não-índios que provavelmente têm mais dificuldade de ter acesso a essas regiões. Daí a insistência para que os índios sejam treinados e façam parte da coleta de informações. “Isso não só porque falam a língua – diz Gersem – mas porque conhecem e sabem onde estão as comunidades e aldeias. Isso facilitaria e daria muito mais confiança ao resultado obtido”.

A expectativa é que com a obtenção de dados e informações mais adequados, seja possível pensar políticas públicas que expressem melhor as necessidades desses povos: “É preciso ter mais clareza sobre a cara do país – diz Gersem. Até agora o que se tem é uma falsidade neste rosto. É um dever moral trabalhar com essas informações e recuperar a cara brasileira”. Por isso, a divulgação dos resultados do censo nas comunidades indígenas através, por exemplo, de materiais didáticos, também é entendida como fundamental e consta como outra recomendação da carta redigida durante o seminário. A posse destes dados e informações é um instrumento para os povos indígenas.

Diferenças embaralham necessidade de medida comum

Nilza Martins Pereira, do IBGE, aponta que o grande desafio para o censo de 2010 é de que modo será aplicada a democracia aos povos indígenas, dadas as dificuldades próprias do processo de medição: “Os censos requerem padrões de medidas comuns. A questão que se coloca é como poderemos obter a especificidade do segmento indígena, já que nem sempre o que é singular estará à vista e aparecerá de imediato na observação”.

Esta dificuldade ainda não solucionada não afastou a expectativa de que a obtenção de dados trará maior visibilidade aos índios. De acordo com Gersem, a chegada dos recenseadores significa para os índios uma possibilidade de terem visibilidade e serem percebidos como cidadãos.

Dados de 2005 da Funai apontam que o número total de índios hoje no Brasil é de 358 mil, distribuídos por 215 etnias, falando 180 línguas diferentes. Em 1500, na época do descobrimento, a estimativa é de que estes números eram bem maiores: mais de 5 milhões de índios viveriam em solos brasileiros, distribuídos em 1400 etnias, falando 1300 línguas diferentes. A chegada dos povos europeus dizimou a maior parte desta população e deixou como herança uma trágica e progressiva perda de sua identidade. “Existem hoje povos que estão indo à academia pesquisar a possibilidade de voltar a falar a própria língua”, aponta Gersem. Obter dados mais precisos, mostrar quem são, onde estão, e dar suporte às políticas públicas que visem estas comunidades, Da esq para dir: Gersem Baniwa (COIAB), Marta Azevedo (NEPO), Zélia Bianchini (IBGE), Nilza Martins Pereira (IBGE).enfim, lançar luz sobre a cultura indígena significa ajudar a recuperar sua identidade e cidadania.

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