Tratamento para déficit de atenção propõe suspensão de medicação

Na tentativa de atender a pacientes com Transtorno de Déficit de Atenção, pesquisadores da Unicamp e da USP iniciam neste mês uma pesquisa sobre o uso de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), uma técnica não-invasiva e indolor, que poderá substituir o consumo diário de medicamentos.

Uma criança com dificuldade em prestar atenção ou impulsiva e agitada além do comum pode sofrer de Transtorno de Déficit de Atenção (TDA). Geralmente o tratamento se dá com terapia psicológica e medicação. Porém, algumas não melhoram com o remédio, ou sofrem com eventuais efeitos colaterais. Na tentativa de atender a estes pacientes, pesquisadores do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) iniciam neste mês, uma pesquisa sobre o uso de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) em crianças com TDA.

A EMT é uma técnica não-invasiva e indolor que emite rápidos pulsos magnéticos em regiões específicas do córtex (camada externa do cérebro). O campo magnético gerado pelos pulsos promove a reativação de neurônios ou sistemas neuronais desativados pela doença em questão. O equipamento utilizado na EMT é também capaz de mensurar a atividade de comunicação entre neurônios, o que contribui para estudos sobre funcionalidade do sistema nervoso central (SNC), comportamento e cognição humana.

Figura esquemática da ação da EMT no córtex cerebral. Fonte: Revista Scientific American (adaptado).

Pesquisas brasileiras e internacionais têm obtido resultados favoráveis sobre o uso de EMT no combate à depressão, esquizofrenia, dor aguda e outras doenças neuropsiquiátricas. O desafio agora é testar a técnica em crianças, feito nunca antes realizado no Brasil. Apesar do campo magnético gerado pela EMT ter potência semelhante ao da ressonância magnética, Maria Isabel Morais, neuropediatra e coordenadora do projeto na Unicamp, afirma que “a literatura médica pertinente a estabelece como uma técnica segura que não traz prejuízos a plasticidade cerebral de adultos ou crianças”.

A pesquisa de Morais se divide em duas etapas. Neste primeiro momento, 70 pacientes serão divididos em três grupos: os que possuem TDA do tipo hiperativo, os do tipo desatento e os que possuem os dois. Pacientes com outros distúrbios neuropsicológicos somados ao TDA, não entram na amostra. A partir de 2008, serão analisadas através da EMT, diferenças na atividade neuronal entre estes pacientes e crianças normais em três regiões cerebrais ligadas ao transtorno: núcleo caudato, região pré-frontal e corpo caloso.

Uma vez concluído o modelo biológico da ação do TDA, inicia-se a fase dois da pesquisa que irá testar três espécies de tratamento. O primeiro com uso exclusivo de EMT nas áreas cerebrais citadas acima. O segundo utiliza a medicação atualmente disponível e o terceiro combina os dois primeiros.

“Algumas hipóteses já se têm. Intuitivamente dá para dizer que o TDA desatento não tem tanto problema de inibição cortical. Ele consegue se conter. Já o hiperativo tem problema [de inibição cortical]. O combinado fica em um nível intermediário”, diz Morais. Até o final de 2009 os pesquisadores esperam catalogar os melhores tratamentos para cada tipo de TDA pesquisado de acordo com a faixa etária dos pacientes. EMT vs Metilfenidato

A expectativa dos pesquisadores é confirmar a eficácia da EMT principalmente no tratamento dos pacientes que não respondem ao cloridrato de metilfenidato (conhecido também pelo nome comercial Ritalina). Esse estimulante do grupo das anfetaminas é utilizado no tratamento de TDA há algumas décadas. O metilfenidato restabelece o nível do neurotransmissor dopamina nas regiões do cérebro onde ocorrem sinapses. Desta maneira se consegue ampliar o deficitário poder de concentração e atenção destas crianças.

No entanto, alguns empecilhos restringem seu uso. Entre eles, efeitos colaterais como cefaléia (dor de cabeça), insônia, perda de apetite e peso. A ação do metilfenidato sobre o cérebro dura em média três horas, o que exige o consumo diário de muitos comprimidos. Além disso, a ingestão contínua desse medicamento, fato comum já que o TDA não tem cura, apenas controle, tende a diminuir a sensibilidade do organismo ao composto.

Já a EMT, caso se mostre eficaz, libertará a criança da preocupação constante de tomar o medicamento na hora certa. Sua única obrigação passa a ser a sessão semanal de EMT que dura 20 minutos. O tratamento dura de quatro a seis semanas e os efeitos colaterais atualmente conhecidos são praticamente nulos. Segundo Maria Isabel, a EMT trabalha em acordo à teoria da aprendizagem de Hebb (1949). “Quanto mais se estimula uma via neuronal, mais ela se torna permanente. É isto que o tratamento se propõe. Estimular fibras, reforçar um caminho. Ele é um aprendizado, um reforço no fluxo sináptico”.

Cautela

Paulo Mattos, psiquiatra da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que a EMT é uma técnica que se mostra promissora, mas de aplicabilidade exclusiva na pesquisa até o momento. Trabalhos sobre o seu uso em crianças são válidos “desde que haja comprovação de que a estimulação não gera dano cognitivo ao paciente e que o projeto seja aprovado pelo comitê de ética de cada instituição”.

Ele atenta, porém, para o fato de que se existe quem fabrica equipamentos de EMT, há pessoas interessadas em vendê-los. É preciso cautela na condução de pesquisas que buscam aplicabilidade para a técnica. Pois, na área médica, trabalhos sobre a eficácia de novas drogas são freqüentemente acusados de envolvimento indevido com a indústria farmacêutica. Não se pode permitir que situações semelhantes ocorram em pesquisas com EMT, diz Mattos.

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Gestualidade é fator essencial na recuperação de afásicos

Os gestos estão tão incorporado à fala, que muitas vezes é difícil dissociar um do outro. E é por isso que eles podem ajudar na recuperação de sujeitos afásicos, um dos temas discutidos na VII Jornada Corpolinguagem, que aconteceu de 17 a 19 de outubro no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

Quem nunca gesticulou ao falar ao telefone – mesmo sabendo que a outra pessoa não poderia enxergá-lo – que jogue a primeira pedra. Gesticulamos quando indicamos um endereço, descrevemos um objeto, expressamos algum sentimento em meio a uma conversa. O gesto está tão incorporado à fala, que muitas vezes é difícil dissociar um do outro. E é por isso que os gestos podem ajudar na recuperação de sujeitos afásicos, um dos temas discutidos na VII Jornada Corpolinguagem, que aconteceu de 17 a 19 de outubro no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

Afasia é um distúrbio de linguagem causado por uma lesão cerebral. “Falar de afasia é falar de linguagem, de corpo, de sujeito”, afirmou Maria Irma Hadler Coudry, professora do Departamento de Lingüística da Unicamp e uma das coordenadoras do Centro de Convivência de Afásicos (CCA), em sua palestra no evento. “O ato da linguagem envolve corpo, gestos, percepções, associações e expressões faciais, o que é dito por um e compreendido pelo outro. Na interlocução, enfrentam-se as mais variadas condições em que se dá o dizer, o fazer e o mostrar”, continua.

Na afasia, a evocação das palavras fica prejudicada: conforme a extensão e localização da lesão cerebral, o paciente pode apresentar um ou mais sintomas, entre eles a perda total ou parcial da capacidade de articulação das palavras. É como ter a palavra na ponta da língua, mas não conseguir dizê-la. Portanto, a gestualidade torna-se um aliado importante para que o sujeito afásico entenda e se faça entender durante uma conversação. “Se a afasia afeta certas estruturas e usos da língua e de outros sistemas não verbais, o sujeito afásico busca outros arranjos para significar, ele faz ’gatos’, ou seja, produz processos alternativos de significação”, explica Coudry.

Ela exemplifica com o caso em que conversava com um paciente sobre as frutas na mesa do café da manhã em que estavam. O paciente nomeava cada fruta, mas parou quando chegou ao mamão, não conseguindo dizer que fruta era. Coudry, então, levantou sua mão e a balançou de um lado para o outro. Imediatamente, o paciente conseguiu pronunciar o nome da fruta. “O que ele fez? Ele traduziu do gesto com a mão para a palavra, o que o faz completar a palavra desejada e dizer mamão”, diz.

O gesto é tomado pelos sujeitos afásicos como uma alternativa para dizer o que não conseguem, e ainda possibilita que passem da representação da palavra (uma mão) para a representação do objeto (mamão). Isso compõe um trabalho lingüístico que envolve todo o cérebro e que é fundamental para o rearranjo funcional que restaura as condições impostas pela afasia. Utilizando-se de gestos, é possível ajudar os sujeitos afásicos a restaurarem boa parte da linguagem afetada pela doença e melhorar sua comunicação.

Afasia

Afasia é um distúrbio da linguagem, decorrente de um acidente vascular cerebral (derrames), de um traumatismo crânio-encefálico, de agentes expansivos (como tumor) ou infecciosos (como fungos e bactérias). Essas lesões cerebrais vão afetar o domínio da linguagem no cérebro, na forma como ela é usada – isto é, o indivíduo ainda possui a linguagem, mas tem dificuldades em acessá-la e articulá-la.

A literatura acadêmica aponta vários tipos de afasia. Entre elas, destacam-se a afasia de Wernicke e a de Broca – a primeira afeta a área perceptiva – comprometendo a compreensão e a expressão – e a segunda, a motora – prejudicando a musculatura que age na articulação das palavras. Existem também vários níveis de afasia, podendo haver desde pequenas alterações na linguagem até a perda total da capacidade da articulação das palavras.

Não existe “cura” para a afasia, no sentido clássico de erradicação da enfermidade, mas há diversos meios de se melhorar a qualidade de vida das pessoas afásicas. O indivíduo afásico não chega a recuperar totalmente a sua linguagem, de modo a retomar integralmente o padrão anterior à lesão, mas pode chegar muito próximo disso através da terapia em que se estimule o uso da linguagem por meio da convivência com pessoas afásicas e não afásicas e de diversas atividades em que os indivíduos possam se expressar e trabalhar suas dificuldades.

Expedição à Amazônia testa tecnologias para monitoramento florestal

Entre os dias 16 e 23 de outubro, uma equipe formada por cientistas do Centro de Pesquisas Renato Archer e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia fará uma expedição ao Morro dos Seis Lagos, no Amazonas. A viagem contribuirá com dados para o projeto Cognitus, organizado pela Petrobras, que visa desenvolver e implementar ferramentas cognitivas para proteger a floresta de possíveis derramamentos de óleo.

Entre os dias 16 e 23 de outubro, uma equipe formada por cientistas do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) fará uma expedição ao Morro dos Seis Lagos, 70km ao norte da cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), a cerca de 800km de Manaus. A expedição contribuirá com dados para o projeto Cognitus, organizado pela Petrobras, que visa desenvolver e implementar ferramentas cognitivas para proteger a floresta de possíveis derramamentos de óleo. O maior objetivo da viagem é analisar a atividade de peixes elétricos nos lagos, usando robôs e sensores desenvolvidos pelo projeto.

A empresa petrolífera brasileira extrai gás natural e petróleo da região amazônica e usa seus rios para transportar os derivados de petróleo. Procurar entender melhor a biodinâmica da floresta, ou seja, o comportamento da bacia hidrográfica na época das cheias e de seca, e evitar possíveis derramamentos de hidrocarbonetos, são os objetivos maiores do projeto “Cognitus, Ferramentas Cognitivas para a Amazônia”, iniciado há cerca de três anos.

Para atingir o objetivo de compreender melhor a biodinâmica da floresta, o projeto utiliza uma equipe multidisciplinar: existem pesquisadores na área de mecatrônica, que constroem robôs capazes de navegar pelos rios da região e locomover-se nas suas planícies; um segundo grupo, de nanobiotecnologia, responsável pela construção de sensores para captar as características da floresta, como temperatura, pH (índice de acidez), umidade, presença de hidrocarbonetos, atividade elétrica, entre outras. E, finalmente, há uma equipe composta por filósofos e estudiosos de semiótica que atuam na interpretação destes dados obtidos.

Segundo Roberto Tavares, pesquisador do CenPRA que coordena a equipe de robótica, os maiores avanços, até o momento, são a obtenção de uma tecnologia totalmente nacional que atende às demandas específicas da região amazônica. “Construímos robôs e sensores que são capazes de locomover-se por áreas inundadas, planícies, ir ao fundo dos rios, medir a erosão das áreas desflorestadas e a subida das águas, sempre coletando dados para compreender melhor a floresta”, explica. Tavares ressalta ainda a importância do envolvimento de pesquisadores de diversas áreas, pois isto permite que a complexidade do ecossistema seja estudada através dos prismas de diferentes áreas do conhecimento.

Um dos principais objetos de estudos do projeto e da expedição é o peixe-elétrico, conhecido em línguas indígenas como poraquê. Existem aproximadamente 150 espécies de peixes na bacia amazônica que utilizam sinais elétricos para analisar as características do ambiente. Estas correntes elétricas permitem que os animais se localizem, busquem alimentos, percebam a temperatura, disputem fêmeas na época do acasalamento, defendam-se de predadores e analisem as características das águas em geral.

A equipe de pesquisadores desenvolveu robôs que captam esses sinais para a análise. Em testes de laboratório, já foram identificados dois fatores que alteram os sinais elétricos dos peixes: a temperatura e o pH da água. “Nossa meta ambiciosa e de longo prazo é ter robôs que naveguem de forma autônoma e que captem e interpretem os sinais dos peixes”, afirma Tavares. Isto ainda não é possível, mas no futuro o pesquisador vislumbra que estes robôs poderão perceber as alterações na floresta e, no caso de um derramamento de óleo, enviem sinais por satélite para avisar o acidente ou até mesmo coloquem automaticamente barreiras de contenção na área.

A expedição envolvendo o CenPRA e o Inpa é importante para o projeto da Petrobras, pois servirá para acrescentar novos dados à base do Cognitus. O Morro dos Seis Lagos é um acidente geográfico bastante peculiar na planície amazônica. Trata-se de uma formação rochosa de 16km2 e quase 300 metros de altura. Os lagos são isolados hidricamente do resto da bacia amazônica e cada um tem uma cor, devido a diferentes componentes químicos. Além disto, o Morro é rico em nióbio, um metal raro e caro, utilizado pela indústria aeronáutica, mas que não pode ser extraído, já que o local encontra-se em uma reserva indígena.

A expedição contará com robôs que medirão a atividade bioelétrica dos lagos. Será a primeira vez que tais estudos serão feitos. Devido ao isolamento dessas águas, Tavares acredita que será possível analisar os sinais elétricos dos peixes em um ambiente diferente, dando ao grupo uma nova base de dados que servirá para uma melhor compreensão da “linguagem” dos poraquês.

O exército auxiliará os pesquisadores no transporte por rio até o Morro dos Seis Lagos e na instalação do acampamento. Para chegar até o local, é necessária uma viagem de um dia e meio através dos igarapés até a chegada à base. Para alcançar o alto do morro, o grupo ainda precisa enfrentar uma trilha de aproximadamente seis horas. “Diante das dificuldades, o apoio do exército é essencial, para que nós pesquisadores possamos focar somente nos experimentos”, conclui Tavares.