Museus de ciência brasileiros apontam valorização do professor

Programas de formação de professores oferecidos por centros e museus de ciências no Brasil começam a abandonar modelos clássicos e hierarquizados e passam a valorizar a reflexão autônoma e a participação ativa dos professores.

Os programas de formação de professores oferecidos pelos centros e museus de ciências brasileiros estão cada vez mais baseados na reflexão sobre a prática, na autonomia docente e na compreensão dos problemas educacionais em um contexto sócio-político e histórico mais amplo. Foi a essa conclusão que chegou Daniela Franco de Carvalho Jacobucci em sua pesquisa de doutorado, defendida na Faculdade de Educação da Unicamp.

A pesquisa revelou uma mudança no padrão de formação oferecido aos professores. Jacobucci relata que até o começo da década de 80 havia ênfase no modelo clássico, em que os especialistas das universidades eram considerados os detentores do conhecimento transmitido aos professores para que eles pudessem realizar algum projeto de ensino de ciências na escola. “Hoje – explica ela – a tendência é considerar o professor como um indivíduo com potencial de atuar junto à equipe técnica do museu, de opinar sobre as exposições e sobre o próprio trabalho que é desenvolvido com os alunos”, explica.

Realizada em onze instituições, a pesquisa avaliou 14 programas de formação, que variavam de cursos de curta duração, de uma ou duas horas, até programas efetivos de formação continuada, que podem durar vários anos. Ela observou nesse campo o predomínio de dois modelos diferentes de formação: o prático-reflexivo e o emancipatório-político.

Seis dos 14 programas analisados por Jacobucci se enquadram no modelo prático-reflexivo, fundamentado na linha teórica conhecida como epistemologia da prática, ou seja, nele o professor aprende com a própria prática e é visto como um indivíduo capaz de pensar sobre as ações pedagógicas que realiza. Ao entendê-las e compartilhá-las com colegas ou com a equipe técnica, ele reflete sobre o que pode ser transformado, estabelecendo-se, portanto, uma relação colaborativa e participativa entre equipe técnica e professores.

O modelo emancipatório-político, por sua vez, focaliza a possibilidade de autonomia do professor e sua capacidade de se tornar crítico em relação ao próprio trabalho e ao mundo. A equipe técnica que opta por esse modelo incentiva a leitura e a discussão. Segundo Jacobucci, esse formato vem de uma base teórica fundamentada na teoria sócio-histórica, que chegou ao Brasil no início da década de 90, mas só se difundiu entre os pesquisadores a partir de 2000. Fazem parte dessa categoria programas como o Projeto Cidadão, do Museu de Ciência e Tecnologia da PUC do Rio Grande do Sul, e a Oficina de Educação Ambiental do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro.

Esses dois programas visam a educação ambiental crítica, e um professor que possa ver sua capacidade própria de mobilizar pessoas não só em termos de problemáticas ambientais, mas também políticas e sociais, além da escola”, explica Jacobucci. A pesquisadora ainda ressalta que membros das equipes técnicas desses dois museus não só são especialistas em determinadas áreas do conhecimento, mas também fizeram mestrado ou doutorado em educação. “Por isso, eles conseguem relacionar formação de professores em ciências com o que há de mais recente em termos teóricos”, argumenta ela.

Jacobucci faz a ressalva que nem sempre uma formação em educação dos membros da equipe técnica resulta num programa de vanguarda. “Há questões políticas e de financiamento, ou outras pessoas que não pensam do mesmo jeito, que acabam influenciando a decisão de oferecer um programa dessa natureza”, pontua.

Outros seis programas analisados, entretanto, ainda se encaixam no modelo clássico, ou tradicional de ensino, onde o professor é visto pela equipe técnica do museu como um aluno passivo, estabelecendo uma relação hierarquizada. Fundamentados em pressupostos teóricos de formação de professores da década de 50, esses programas persistem, segundo Jacobucci, porque, dentro dos órgãos de fomento governamentais, existem pesquisadores que ainda acreditam que pode ser vantajoso esse tipo de formação. “Não que não seja. Só que tem que ficar claro para o professor que esse tipo de formação é limitada”, explica.

Importância

Na opinião da pesquisadora, as atividades voltadas aos professores têm importância fundamental para garantir o público dos museus de ciência. “No Brasil, a maioria das visitas é escolar, uma vez que não temos aquela cultura de ir com a família ao museu, ao contrário do que acontece no exterior”. A formação oferecida aos professores é importante tanto para a equipe técnica do museu, que passa a entender mais sobre o cotidiano da escola e suas dificuldades, quanto para o professor, que tem contato com um conhecimento mais especializado e com atividades desenvolvidas para transmiti-lo de forma mais palatável.

Jacobucci vê com entusiasmo o papel dos museus de ciência na formação de uma cultura científica. “O museu vai aproximar o público em geral que está ligado na televisão, mas não têm a dimensão do conteúdo científico que está embutido no que é informado pela mídia”, aponta. “Os centros e museus de ciência estão aí para tentar transformar essa linguagem, essa forma muito técnica do conhecimento, em algo mais facilitado”, explica.

Ela ressalta, entretanto, que existe um fosso muito grande entre a produção do conhecimento científico e as pessoas comuns. “Isso foi construído historicamente. A gente não tem uma cultura ou o hábito de visitar museus e centros de ciências”. A Pesquisa Nacional de Percepção Pública da Ciência, realizada em 2006 e promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, fornece estatísticas nesse sentido: apenas 4% dos entrevistados haviam ido a um museu de ciência nos últimos 12 meses. Para Jacobucci, uma das formas de reverter esse quadro é não desvincular esse tipo de experiência da diversão. “É importante estar embutido nesses museus que aprender ciências pode ser divertido, pode ser uma experiência prazerosa”, conclui.

Medicina da Unicamp discute bioética e espiritualidade

O grupo de Bioética e Ética Médica do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp está coordenando uma série de encontros sobre bioética e espiritualidade. As palestras têm como proposta ampliar a divulgação da bioética a todos os interessados, de profissionais de saúde a pacientes.

A Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos da Unesco, de 2005, diz que “a identidade de um indivíduo inclui dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais”. Baseado nessa idéia, o grupo de Bioética e Ética Médica do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp está coordenando uma série de encontros sobre bioética e espiritualidade. As palestras têm como proposta ampliar a divulgação da bioética a todos os interessados, de profissionais de saúde a pacientes.

No último censo demográfico do IBGE, 92,74% dos entrevistados declararam-se religiosos. “A religiosidade é, sem dúvida, um componente muito forte, senão o mais forte, na formação das convicções morais não só das pessoas, mas de toda a nossa cultura”, afirma Venâncio Pereira Dantas Filho, médico neurocirurgião, diretor clínico e presidente do Comitê de Bioética do Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp. Para ele, o tema “espiritualidade” envolve desde as concepções e convicções religiosas relacionadas com a vida, a doença e a morte, bem como os rituais associados, até a visão que valoriza a integralidade da pessoa, incluindo seus aspectos biológicos, psicológicos, sociais e espirituais. “Essa visão estaria muito mais adequada para responder às novas expectativas dos pacientes e familiares que procuram os médicos”, diz.

Como a doença fragiliza e evoca a possibilidade da morte, a busca de um sentido para a situação favorece e exacerba a manifestação da espiritualidade na maioria das pessoas. “Infelizmente, a maioria dos médicos desta nossa geração não foi preparada para lidar com os aspectos espirituais e religiosos dos seus pacientes, o que consolida e confirma uma visão parcial de ser humano ensinada tradicionalmente nas faculdades”, lamenta.

Segundo os especialistas, de uma maneira geral as pessoas interpretam todos os acontecimentos de sua vida sob uma visão espiritual e conhecer e respeitar esta interpretação é de grande ajuda para o doente e para o profissional que o assiste. Por isso, assistir espiritualmente bem ao paciente é de grande contribuição para sua recuperação. “O paciente que está espiritualmente bem, é menos sujeito a depressão e a dor, coopera com o tratamento e tem mais ânimo”, acredita o pastor evangélico João Sílvio Rocha, do Serviço de Capelania do HC da Unicamp.

Apesar de ser um assunto polêmico, muitos pesquisadores já apontam um papel positivo da espiritualidade e religiosidade em doenças coronarianas, hipertensão arterial, ansiedade, depressão, função imune e mortalidade em geral. Existem evidências que pessoas com algum tipo de espiritualidade apresentem menor incidência dessas doenças e vivam mais, recuperem-se mais rapidamente quando doentes e apresentem menos complicações durante o tratamento.

Esses possíveis benefícios da espiritualidade sobre a saúde podem estar associados desde a reações fisiológicas mais simples, como a redução da tensão muscular, da freqüência cardíaca e da pressão arterial, como também reações mais complexas como maior capacidade para o controle da dor e do sofrimento e a diminuição da reações ao estresse, levando a um maior equilíbrio das respostas imunologicamente moduladas. Podem ser considerados ainda os possíveis benefícios da expansão dos vínculos sociais relacionados à religiosidade.

“Entende-se hoje cada vez mais que os problemas existenciais, que têm como pano de fundo a questão do sentido da vida, portanto, questões também de ordem espiritual e religiosa, estão associados senão com todas, pelo menos com a grande maioria das doenças psicossomáticas que acometem as pessoas em todo o mundo”, afirma Dantas Filho. Aqueles que reconhecem a espiritualidade e a oração como um esforço humano para auxiliar o tratamento, sugerem que as evidências dos estudos científicos recentes sobre o assunto são interessantes o suficiente para justificar novas pesquisas. “Os efeitos da espiritualidade sobre a saúde podem envolver mecanismos fisiológicos úteis além dos nossos conhecimentos atuais que, com o tempo, possam vir a ser entendidos”, acredita.

Muitas proposições terapêuticas para o tratamento das doenças já incluem a espiritualidade, particularmente na forma de meditação e oração, e também como tratamento adjuvante ou alternativo para, pelo menos, diminuir a ansiedade, aliviar preocupações, dar conforto e motivação, tanto a nível domiciliar quanto hospitalar. “Conhecer melhor as convicções das pessoas, inclusive as de cunho religioso, fornecem mais recursos para lidarmos com novas situações que deparamos freqüentemente e podem se tornar bastante conflituosas”, completa o médico da Unicamp.

Oferecer compreensão, compaixão e esperança são as bases das profissões da saúde e não são necessariamente dependentes da fé do profissional. “Devemos, antes de tudo, saber reconhecer, coordenar e bem orientar as necessidades espirituais dos pacientes sob nossos cuidados. Essa orientação, quando bem realizada, deve proporcionar maior alívio das angústias e reforço das esperanças do paciente, colaborando, assim, para um melhor resultado final do tratamento”, conclui.

Um caso relatado pelo pastor João mostra como a assistência religiosa pode ajudar num tratamento. “Uma paciente recebeu um transplante de rim bem sucedido mas, passado algum tempo, ela ouviu ou interpretou em sua igreja que o cristão que tem fé não precisa tomar remédio. Por conta disso, ela parou de tomar o medicamento contra rejeição do órgão. Logo ela teve problemas de rejeição, voltou ao hospital e não queria se medicar. Fomos chamados para conversar com ela e mostramos que biblicamente não há incoerência entre ter fé e tomar remédios. Ela ficou convencida e voltou ao tratamento”, relata.

Os encontros sobre temas de bioética acontecem na última segunda-feira de cada mês, às 19 horas, no Salão Nobre da FCM. No dia 29 de outubro, a discussão é sobre a “Assistência espiritual aos enfermos”, com a presença do padre Norberto Bonfim e do pastor João Sílvio Rocha, ambos do Serviço de Capelania HC da Unicamp. A última reunião do ano acontece no dia 26 de novembro, com o tema “Espiritualidade e ciência”. Os encontros são gratuitos e abertos a todos os interessados.

Especialistas discutem gestão das águas e mudanças climáticas

Congresso em Porto Alegre reúne jornalistas, cientistas e estudantes para discutir cobertura da mídia dos temas ambientais.

As evidências cada vez mais concretas sobre a ocorrência do aquecimento global têm movido governos a pensarem nas formas de mitigação de impactos e adaptação a um novo modelo econômico. Voltados a esse tema, especialistas discutiram as medidas que o governo brasileiro deve tomar para evitar grandes problemas no abastecimento de água no futuro. A conferência ‘Gestão das águas frente ao aquecimento global’ ocorreu durante o 2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em Porto Alegre, e reuniu jornalistas, cientistas e estudantes no início de outubro.

Segundo o coordenador nacional do Programa Água Doce, Renato Saraiva Ferreira, da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o governo federal mostra preocupação com a questão das mudanças climáticas ao criar uma secretaria especificamente sobre o tema. Ele destacou ainda a Lei das Águas que, em 1997, instituiu a Política Nacional dos Recursos Hídricos, um importante marco legal na gestão das águas no Brasil.

Ferreira apontou diferenças no modo de pensar antes e depois da Lei das Águas. No passado, o recurso hídrico era uma propriedade particular e a água era vista como um recurso infinito, justificando a produção a qualquer custo. Hoje, a água é tida como um bem público gerido pelo governo, e, pelos princípios da sustentabilidade.

Para ele, o novo modo de pensar está de acordo com a atual crise climática. “A palavra da moda é ‘adaptação’, mas precisamos caminhar para a transição de um novo modelo de desenvolvimento”, enfatizou Ferreira. Ele citou alguns dos vários efeitos das mudanças climáticas na oferta e demanda da água no Brasil e no mundo. “Já está acontecendo. Em Recife, o mar não pára de avançar sobre a praia de Boa Viagem”, exemplificou, se referindo a um dos cartões postais da capital pernambucana.

Um dos principais motivos para a atual crise, na visão do executivo do MMA, é o crescimento populacional. Há 2000 anos, a população mundial era 3% da atual e os recursos hídricos eram os mesmos. “Os problemas atuais não são causados pelo homem, mas pelo modelo econômico vigente”, enfatizou. É o que também pensa o engenheiro civil Marcio Rosa de Freitas, da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Rio Grande do Sul.

“O crescimento humano é comparável ao de uma cultura de bactérias”, enfatizou. Sobrepondo a curva de crescimento das duas espécies, ele explicou que as bactérias têm uma fase de arranque, em que há uma adaptação ao novo ambiente, e uma fase exponencial, quando a quantidade de recursos permite um período de crescimento rápido. “Com o homem foi igual, passamos um período crescendo pouco, mas a população aumentou rapidamente após a revolução industrial”.

No caso das bactérias, após o crescimento acelerado ocorre uma fase estacionária, quando há um acúmulo de toxinas devido ao metabolismo. Posterior a isso, ocorre o declínio da espécie com a morte em massa dos indivíduos. O homem, ao explorar sobremaneira o meio ambiente estaria passando, na comparação do engenheiro, pela fase estacionária.

Questões ambientais

Os debatedores concordaram que, apesar da urgência do tema, o jornalismo ambiental não deve se limitar à cobertura das mudanças climáticas. Foi com esse pensamento que o congresso enfocou outras pautas ambientais que permeiam o dia-a-dia das redações jornalísticas, ou que ao menos deveriam estar mais presentes.

Na conferência ‘Cidades Sustentáveis’, por exemplo, o jornalista André Trigueiro, da Globo News, criticou a cultura do consumismo bem típico da sociedade capitalista em que as pessoas são medidas pelo que tem. “É um crime duplo, pois ostenta-se onde há escassez e os recursos da natureza são exauridos”, enfatizou. Na mesma conferência, o engenheiro civil, Miguel Aloyso Sattler, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, comentou que a principal sustentabilidade a ser pensada é a da própria espécie humana. “Estamos em contato diário com uma quantidade tão grande de produtos tóxicos que criamos cada vez mais novas doenças”, disse.

O debate sobre o papel do jornalista ocorreu na conferência ‘Mudanças Climáticas’. Os especialistas criticaram o sensacionalismo e a imprecisão de muitas matérias sobre o aquecimento global. O 2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental foi realizado pelo Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul e pela EcoAgência – Informações em Rede. Ao final do congresso, foi definido o próximo encontro em Cuiabá (MS), em 2009.