É relativa a diminuição da desigualdade divulgada em 2005

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, divulgada no final de 2005, revela uma diminuição da miséria e uma suposta redução da desigualdade social no país. Em 2004, o índice Gini, que mede a concentração da riqueza, foi o mais baixo desde 1981. Para o professor do Instituto de Economia da Unicamp e ex-secretário municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo (2001-2004), Marcio Pochmann, no entanto, apesar de apresentar dados interessantes sobre remuneração dos trabalhadores, a pesquisa não contempla toda a realidade de distribuição de renda do país.

A PNAD entrevistou 400 mil pessoas e visitou pouco mais de 139 mil domicílios em todo o Brasil. É a primeira vez que áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá são cobertas pela pesquisa. Enquanto 50% dos ocupados com menores rendimentos tiveram ganho real de 3,2%, a outra metade teve perda de 0,6%. A renda média da população ocupada manteve-se em R$ 733, interrompendo a trajetória de queda iniciada em 1997.

Redução da desigualdade

Para esclarecer o que a pesquisa do IBGE permite observar, Marcio Pochmann explica que a PNAD oferece subsídios importantes relacionados à renda do trabalho, mas não contempla outras formas de renda (como as derivadas de faturamentos, aplicações financeiras e aluguéis), em sua maior dimensão. Segundo o economista, a renda pessoal declarada pela PNAD representa 60% da renda pessoal das contas nacionais.

Na avaliação do pesquisador, a conclusão de que houve diminuição da desigualdade social é “bastante limitada” já que os ricos não fazem parte da PNAD. Nas pesquisas feitas em domicílios, há subestimação das maiores rendas. Além disso, existe maior facilidade para o assalariado com carteira assinada precisar sua remuneração em comparação àqueles que têm rendas variáveis, sobretudo os autônomos. O crescimento do desemprego e do desassalariamento dificulta ainda mais a determinação do tamanho da queda da concentração de renda.

“O bom da redução da desigualdade é quando todas as rendas crescem, mas a renda dos mais pobres cresce em maior ritmo. Não foi isso que a PNAD mostrou em 2004”, diz o economista. A redução da desigualdade apontada pela pesquisa deve-se, entre outros fatores, à queda do rendimento dos trabalhadores com maior renda, em relação aos que recebem menos. Segundo Marcio Pochmann, a geração de postos de trabalho de baixa remuneração e os programas de distribuição centrados nos mais pobres, como o Bolsa-Família, levaram à redução da desigualdade.

Estabilização da renda

“Nós estamos vivendo um quadro em que, a despeito da inflação ser relativamente muito baixa, não há garantias de correção passada aos salários”, diz Pochmann, comentando a estabilização da remuneração média em R$ 733.

Embora a PNAD mostre que o Brasil não está “condenado” a viver com desemprego e desigualdade – em 2004, houve retomada do emprego industrial e o trabalho assalariado com carteira assinada cresceu significativamente -, para o professor da Unicamp é preocupante considerar que enquanto, por um lado, a economia cresceu quase 5%, a renda do trabalho, por sua vez, não cresceu e apenas manteve seu valor real.

Demarcação das terras indígenas deve ser primeiro passo para negociações em mineração

Em tese de doutorado apresentada ao Instituto de Geociências da Unicamp, Eduardo Vale apóia a necessidade da demarcação dos 895 mil quilômetros quadrados de terras indígenas para a partir de então serem definidas as regras para a exploração dos minérios nelas. Ele acredita que essa exploração poderia ser usada em benefícios desses povos.

A demarcação das terras indígenas é o primeiro passo em direção à efetiva negociação para o estabelecimento de parâmetros para a exploração dos minérios existentes nas terras indígenas. As terras indígenas, principalmente as concentradas nas regiões Norte e Centro-Oeste, são ricas em jazidas de minérios como ouro, níquel e zinco, que podem ser exploradas, contanto que as comunidades indígenas se bebeficiem. Esta é a opinião do pesquisador Eduardo Vale, defendida em sua tese de doutorado sobre o tema, em dezembro de 2005, no Instituto de Geociências da Unicamp.

As reservas indígenas ocupam 895 mil quilômetros quadrados, o que corresponde a 12,5% do território nacional, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai). O pesquisador lembra que a Constituição Federal de 1988 estabelece que a exploração das terras indígenas depende da aprovação do Congresso Nacional. A demarcação dessas terras deveria ter sido aprovada até 5 de outubro de 1993, mas ainda hoje está emperrada no Congresso. Além disso, o texto assegura que os índios devem receber um percentual sobre o que for explorado. Como as terras indígenas não estão regulamentadas, não há como iniciar as negociações para exploração dos minérios.

Eduardo Vale afirma que somente a partir da demarcação de terras e do estabelecimento de normas para as negociações, as conversas entre as mineradoras e as comunidades indígenas poderiam começar efetivamente. Para um primeiro momento, ele ressalta a importância do apoio do governo para elaborar pelo menos um projeto de mineração em terras indígenas que poderia ser o piloto.

Ele diz ser favorável à consulta das comunidades indígenas que teriam poder para vetar o projeto quando as negociações entre índios e mineradoras ocorrerem.

O que diz a Funai

A Funai, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que os processos de regularização das terras indígenas são lentos e podem demorar anos. As 606 terras indígenas brasileiras estão sendo regularizadas uma a uma porque cada um dos casos exige uma avaliação diferente, que exige, por exemplo, a contratação de antropólogos. São eles que fazem o estudo junto à comunidade, para compreender o ambiente de deslocamento dos indígenas, descobrir há quanto tempo eles estão naquele espaço, entre outras características que vão determinar que a terra realmente pertence àquela população.

Outra justificativa dada pela Funai para a demora das demarcações está nas ações de reintegração de posse de terras indígenas ocupadas por posseiros que as utilizam para atividades diversas. De acordo com um levantamento concluído em novembro de 2005, a Funai já havia regulamentado 64,02% das terras indígenas no Brasil até aquele período.

Experiências de outros países

O pesquisador da Unicamp acredita que o Brasil poderia se espelhar nas experiências de outros países para construir os caminhos de relacionamento entre as comunidades indígenas e a mineração. Ele cita o Canadá, a Austrália e os Estados Unidos como bons exemplos no que se refere a esse tipo de relacionamento. Sendo que o primeiro, segundo ele, possui as relações mais avançadas. Ele relata que no Canadá existe, por exemplo, uma consultoria formada por índios, que é contratada pelas outras comunidades indígenas para assessorar nas decisões sobre mineração.

Novo índice avalia sustentabilidade das empresas

O Índice de Sustentabilidade Empresarial lançado pela Bolsa de Valores de São Paulo busca avaliar o desempenho das empresas em termos de responsabilidade social e sustentabilidade financeira e ambiental. Vinte e oito delas foram selecionadas para integrar o índice. Nenhuma delas pertence aos setores de tabaco, armas ou bebidas alcoólicas, cuja possível inclusão ao índice gerou muita controvérsia durante seu processo de criação.

Desde o início de dezembro, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) conta com um novo índice aplicado ao mercado de ações – o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). Esse é o quarto índice desse tipo que existe no mundo, e sinaliza uma tendência das bolsas de valores. O ISE visa destacar as empresas (e, conseqüentemente, valorizar suas ações) que, segundo avaliação da Bovespa, apresentam melhores desempenhos em termos de responsabilidade social e sustentabilidade financeira e ambiental.

Para este primeiro ano de existência do índice, 28 empresas foram selecionadas para integrar o índice. Nenhuma delas pertence aos setores de tabaco, armas ou bebidas alcoólicas, cuja possível inclusão ao índice gerou muita controvérsia durante o processo de criação do ISE.

O novo índice, de acordo com a Bovespa, atende a uma demanda crescente de investidores preocupados em aplicar seus recursos nos chamados investimentos socialmente responsáveis (SRI, sigla em inglês). “O ISE tem por objetivo refletir o retorno de uma carteira composta por ações de empresas com reconhecido comprometimento com responsabilidade social, sustentabilidade empresarial, e atuação na promoção de boas práticas no meio empresarial brasileiro”, afirma a Bovespa em documento explicativo sobre o novo índice. Para os investidores, o ISE também serve como uma referência para indicar quais ações, dentre as negociadas pela Bovespa, são mais seguras a longo prazo, já que empresas que seguem os critérios de sustentabilidade empresarial tendem a representar menor risco ao investimento.

As 28 empresas cujas ações fazem parte do índice (34 ações no total) foram eleitas a partir das respostas dadas a um questionário enviado às 121 companhias responsáveis pelas 150 ações mais negociadas na Bovespa. O questionário e a metodologia do índice foram elaborados pelo Centro de Estudos de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (Gvces) a partir do conceito “triple bottom line”, que contempla critérios relacionados às dimensões econômico-financeira, social e ambiental da sustentabilidade empresarial. Foram também incluídas questões referentes a mais duas dimensões (totalizando 5 grupos de indicadores): governança corporativa e informações gerais sobre as políticas de sustentabilidade da companhia e a natureza dos produtos que comercializa. Enquanto a primeira trata, por exemplo, da participação de acionistas minoritários nas decisões da empresa, a outra dimensão aborda, entre outras questões, se tais produtos geram riscos à saúde de quem os consome.

Critério de não-exclusão gerou polêmica

Embora empresas de tabaco, armas e bebidas alcoólicas não estejam entre as 28 que integram o ISE, a não-exclusão prévia desses setores da avaliação feita pela Bovespa foi alvo de críticas por parte de entidades da sociedade civil organizada. A decisão de que, a princípio, qualquer empresa (dentre as 121 que participaram da avaliação) pudesse ser incluída no índice, independente da natureza do produto comercializado, foi tomada pelo conselho deliberativo responsável pela criação e acompanhamento do índice. Das 9 instituições que integravam inicialmente o conselho, apenas o Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas (IBASE) e o Ministério do Meio Ambiente eram a favor da exclusão a priori dos setores empresariais cujas atividades representassem riscos elevados à saúde ou ao meio ambiente.

Com a vitória do critério da não-exclusão prévia, o IBASE decidiu, em abril de 2005, retirar-se do conselho. Em nota de esclarecimento publicada à época, a entidade justificou sua saída argumentando que incluir determinados setores seria uma contradição em relação aos princípios de responsabilidade social que o índice almejava avaliar. Junto com o IBASE, outras entidades da sociedade civil organizada passaram a pressionar a Bovespa para que a decisão a favor da não-exclusão prévia fosse revertida.

Segundo a socióloga Paula Johns, coordenadora da Rede Tabaco Zero (RTZ), uma das organizações que liderou o movimento, “seria inaceitável e lamentável que o primeiro índice dessa natureza no país não levasse em consideração o produto comercializado pelas empresas que pleiteiam essa forma privilegiada de agregar valor aos seus papéis”. Apesar do critério de não-exclusão continuar valendo, a socióloga diz que a pressão exercida sobre a Bovespa fez com que o questionário do ISE enviado às empresas fosse modificado, dificultando que os setores tabagista, armamentista e de bebidas alcoólicas entrassem no índice devido ao acréscimo de perguntas relativas aos riscos a saúde e segurança oferecidos pelos produtos comercializados.

“Da forma como o primeiro questionário tinha sido elaborado, tenho certeza que a Souza Cruz (indústria de tabaco) estaria neste grupo”, afirma. “No final, o resultado do índice acabou sendo satisfatório para nós”, avalia a coordenadora da RTZ, referindo-se ao fato da indústria citada não estar entre as 28 que integram o ISE. Para ela, entretanto, ainda há um ponto importante que deve ser pleiteado para que o índice cumpra adequadamente seu papel: transparência. Segundo a socióloga, é preciso que os questionários respondidos pelas empresas sejam divulgados, para que a sociedade possa monitorar se as respostas dadas por elas correspondem de fato à realidade de suas práticas.

A ausência dos setores de tabaco, armas e bebidas alcoólicas não impede, todavia, que o ISE continue sofrendo algumas críticas. A lista de empresas integrantes do ISE contempla setores como papel e celulose, energia elétrica e siderurgia, cujas atividades causam impactos ambientais significativos e, portanto, possuem práticas questionáveis em termos de sustentabilidade.

Para saber mais:

Veja a lista das empresas componentes do ISE

Conheça a metodologia do ISE