Hoje no Brasil, a grande maioria dos casais que querem adotar procuram bebês de colo e brancos. Porém, tal fato se contrapõe a uma realidade bem diferente, já que a grande maioria das crianças disponíveis para a adoção tem mais de dois anos, são negras ou pardas. Esse é um dos assuntos expostos na tese “Escolhas na adoção: o processo de acolhimento da criança na família adotiva”, defendida no último dia 13 de fevereiro, na USP de Ribeirão Preto, pela pesquisadora Caroline Eltink.
A pesquisadora aborda o medo, que alguns casais revelam, de adotar crianças mais velhas, relatando que muitos justificam esse temor com a crença de que enfrentarão futuros problemas no que se refere a construção de vínculos afetivos. Sobre esse aspecto, a pesquisadora defende que a construção de vínculos pode ocorrer em diferentes momentos da vida da criança e não está restrito a uma única pessoa, como a mãe biológica, por exemplo. “O fato de a criança ser mais velha não significa que não construirá mais vínculos afetivos fortes com outras pessoas, inclusive com os pais adotivos”, diz ela.
Eltink acredita que a cultura brasileira de valorizar o modelo da adoção fechada, a qual é mediada pelo Fórum e ocorre sob proteção do segredo de justiça, contribui para esse temor, pois impossibilita o contato entre as famílias adotante e biológica. A esse conceito a pesquisadora contrapõe aquele que prevalece nos EUA, o modelo de adoção aberta, que possibilita o contato entre as famílias.
Os encontros podem ser marcados entre o adotante, quando completar 18 anos, e os pais biológicos. Eltink ressalta como um elemento interessante desse modelo o fato de que nesses encontros, o filho se aproxima mais ainda de seus pais adotivos. Muitas pessoas poderiam imaginar que o adotado se aproximaria mais de seus pais biológicos, distanciado-se dos pais adotivos, mas o que ocorre é justamente o contrário.
Eltink argumenta ainda que o fato de 70% dos casais candidatos a adoção preferirem bebês deve-se a crença de que poderão controlar melhor as crianças. “Tendo uma história pregressa menor, os bebês representam para esses pais uma possibilidade de deter um maior controle sobre o passado da criança, do qual não participaram, e sobre seu futuro, aproximando-a ao máximo daquilo que os pais querem ou projetam”, explica ela.
Para exemplificar essa questão, a pesquisadora citou um caso no qual os pais adotivos queriam “devolver” uma adolescente ao juizado, depois de 12 anos de convivência. Eles argumentavam que ela “não estava se comportando como eles queriam”, e atribuíam isso a sua história de vida antes da adoção.
De forma geral, a pesquisadora explica que os pais questionam até que ponto o passado da criança (possíveis espancamentos, mãe biológica prostituta ou viciada em drogas) já não a afetou de alguma forma, e por isso têm necessidade do apagamento desse passado. Na opinião dela, a busca de semelhança entre pais adotivos e crianças adotadas também tem um papel muito importante nesse processo de apagamento da origem da criança adotada e de aceitação da inserção dessa criança na família adotiva.
Eltink destaca ainda dois momentos que definem visões diferentes sobre adoção: a adoção clássica e a adoção moderna. Segundo a pesquisadora, enquanto no primeiro, procurava-se garantir a descendência de casais sem filhos biológicos, privilegiando os interesses dos adultos, na adoção moderna, enfatiza-se a solução para a crise da criança abandonada, usando como fundamento possibilitar uma família para uma criança, invertendo a lógica do período anterior.
Porém, a pesquisadora revela que por mais que essa idéia de se privilegiar as necessidades do adotado sobre as do adotante já esteja estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda está engatinhando na prática. Eltink propõe ao final de sua tese, a divulgação e ampliação desta nova visão sobre a adoção, pois embora o ECA traga vários benefícios, as mudanças ainda são bastante recentes quando comparadas com a história de adoção em nosso país. “Desta forma crianças maiores, negras e pardas também terão a possibilidade de ter uma família”, diz a pesquisadora.