Debate sobre rádios digitais a portas fechadas

Dois modelos de rádio digital, o norte-americano Iboc e o europeu DRM, estão em fase de testes no Brasil. Entretanto, a discussão ainda não foi aberta à comunidade e os impactos dessa nova tecnologia nas rádios pequenas e comunitárias são desconhecidos.

Os testes para implantação das rádios digitais já estão sendo realizados por algumas emissoras comerciais. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já concedeu licenças para emissoras comerciais testarem o padrão norte-americano, chamado de In Band On Chanel (Iboc). A Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB) também obteve autorização para verificar a viabilidade do modelo europeu Digital Radio Mondiale (DRM). Ambos são recomendados pela União Internacional de Telecomunicações (UIT). Nesse processo, dois aspectos têm provocado polêmica: a análise desse novo padrão tecnológico deveria ser aberta à comunidade, mas está reduzida à Anatel e a um pequeno grupo de radiodifusores; e os possíveis impactos dessa nova tecnologia, nas pequenas rádios comerciais e comunitárias, ainda não são conhecidos.

De acordo com Diogo Moysés, coordenador executivo do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o processo de digitalização da rádio tem sido muito pior do que foi o da TV digital, pois não houve, até o momento, qualquer possibilidade de participação da sociedade civil. Em sua opinião, não há a intenção de implantar um sistema brasileiro de rádio digital com a constituição de espaços onde a sociedade possa se expressar, como foi o caso do Comitê Consultivo da Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD).

Moysés defende a abertura do debate para que a população tenha consciência do impacto da transição do sistema analógico para o digital. Isso poderia acontecer através de seminários e audiências públicas, com a discussão do assunto em diferentes perspectivas: política, econômica, cultural e social. Evitando assim, “que a análise do novo padrão se reduza apenas a dimensão tecnológica, como tem sido feito pela TV aberta, desconsiderando, entre outros aspectos, a política industrial do país”, ressalta.

Flavia Lúcia Bazan Bespalhok, pesquisadora e professora de radiojornalismo da Universidade Estadual de Londrina (UEL), destaca ainda que nem os pesquisadores da área estão sendo chamados para a discussão sobre o melhor sistema a ser adotado. Ela expressa sua preocupação ao prever que o debate público poderá ser convocado quando as coisas já estiverem definidas.

Na notícia “O Sistema Transgênico Iboc” , publicada na Rede de Informações para o Terceiro setor, Claudia Abreu conta que várias entidades estão se mobilizando para questionar a implantação do sistema de rádio digital. No dia 22 de fevereiro, realizaram uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro com a participação de pesquisadores do setor, Ministério Público e Ministério das Comunicações. Essa foi uma tentativa de chamar a atenção para as conseqüências e impactos da adoção desse sistema e denunciar o atropelamento da decisão de adoção do padrão Iboc, mesmo que este ainda esteja sendo “testado”, como afirmou Ara Apkar Minassian, Superintendente de Serviços de Comunicação de Massa da Anatel. Eles denunciam a possibilidade de exclusão das pequenas rádios comerciais e das rádios comunitárias se sistema digital for adotado. Vale ressaltar que o padrão Iboc ainda não está regulamentado em seu país de origem.

Rozinaldo Antonio Miani, professor do Departamento de Comunicação da UEL, acredita que, pelo menos no estágio atual, a digitalização não terá impacto nas rádios comunitárias. Ele comenta que, no Paraná, as pessoas que trabalham nas comunitárias estão concentradas em outras pautas como, por exemplo, conseguir financiamento para garantir a sustentação financeira das rádios e viabilizar sua existência como um instrumento de comunicação das comunidades. “Isso mostra que quem trabalha com as rádios comunitárias ainda está preocupado com as questões internas”, destaca.

A Anatel considera que apenas o padrão Iboc e o DRM serão adotados no Brasil, pois atendem às necessidade do que a Agência considera melhor para o país. Afirma também que esses dois sistemas possibilitam o uso das infra-estruturas já existentes como a canalização de cabos, otimização das faixas de freqüência e possibilidade de redução de custos do receptor.

Leia mais:

Takashi Tome, no texto IBOC – Sistema de Radio Digital nos Estados Unidos, faz uma discussão ampliada sobre as características técnicas de cada um dos sistemas.

Medicamento para diminuir risco de parto prematuro causa efeito oposto

O medicamento metronizadole foi testado na Inglaterra em 900 gestantes e provocou parto precoce em 62% delas, o que levou os cientistas a interromperem o estudo antes do final. Ele é utilizado para tratar infecções femininas e no Brasil o uso está de acordo com os padrões da Anvisa.

Estudo realizado com 900 gestantes na Inglaterra foi interrompido antes do previsto. O antibiótico testado para diminuir a possibilidade de parto prematuro antecipou o nascimento dos bebês. De acordo com Marcelo Nomura, do departamento de Tocoginecologia da Unicamp, o metronizadol – como é vendido no Brasil – é muito utilizado e não e necessário alarde. Isso porque as mulheres que participaram do estudo tinham um perfil específico, ou seja, corriam risco de parto precoce e estavam entre a 24a e 27a semana de gestação.

A pesquisa da ONG britânica Tommy, que se dedica a recém-nascidos, tratou parte das pacientes com o metronizadole por uma semana e a outra com comprimidos de placebo. Enquanto no segundo grupo 39% deram a luz antes da hora, no primeiro o número de partos precoces foi de 62%, o que assustou os cientistas a ponto de interromperem a análise. Trata-se de um medicamento recomendado para tratar a vaginose bacteriana, que está presente em 20% das gestantes e pode levar a complicações na gravidez .

Venda no país

No Brasil, o Metronidazol é comercializado por laboratórios e na forma de genéricos. Nas bulas não há indicação terapêutica de que ele evita o parto prematuro, conforme os veículos de comunicação reproduziram na semana em que o estudo foi publicado.

Indicado para giardíase, amebíase, tricomoníase, vaginites e outras infeccções genitais femininas que podem prejudicar o ritmo da gravidez e antecipar o parto, o remédio pode ser considerado um mecanismo que evita o parto prematuro de forma indireta, por combater infecções vaginais que possam prejudicar o feto. Em algumas mulheres as vaginoses surgem e desaparem, por vezes, sem que a paciente note. Nas grávidas, porém, sem o tratamento os microrganismos no colo do útero podem penetrar na bolsa amniótica e rompê-la – principal fator de parto prematuro. A própria resposta do organismo à infecção também pode gerar partos precoces.

A Anvisa informou que a pesquisa inglesa, publicada no início do ano na revista especializada International Journal of Obstetrics and Gynaecology (vol. 113), não gera mudanças na orientação quanto ao uso do medicamento, uma vez que só é vendido com receita médica e na bula é informado que suas reações sobre o feto não são totalmente conhecidas.

Sem alarde Nomura, da Unicamp, reforça que o metronizadol é muito utilizado e as mulheres não precisam se preocupar, uma vez que a população do estudo incluía mulheres com risco de parto prematuro, com histórico de parto prematuro ou problemas no colo do útero e que apresentaram exame positivo de fibronectina fetal – proteína presente na placenta, que promove a implantação do óvulo fecundado no útero. Ao final da gestação, a fibronectina perde suas propriedades aderentes, permitindo o descolamento da placenta e das membranas amnióticas, que envolvem o feto. A presença dessa proteína na secreção vaginal é sinal de que o parto está prestes a acontecer, o que ajudou os especialistas da pesquisa inglesa a delimitarem a amostra. “O remédio continuará sendo utilizado, porque é eficaz. Do jeito que a imprensa divulgou, pode alarmar as consumidoras sem necessidade”, conclui.

Novas análises chacoalham árvore genealógica dos anfíbios

A classificação dos anfíbios do mundo todo acaba de passar por uma grande reforma. A nova proposta está em monografia recém publicada pelo Museu Americano de História Natural em Nova Iorque, resultado do trabalho de uma equipe internacional de pesquisadores.

Filogenia
Filogenia mostra que análises não alteram relações entre grandes grupos de vertebrados

Uma equipe internacional, liderada por pesquisadores do Museu Americano de História Natural em Nova Iorque, acaba de rever a classificação dos anfíbios. Trata-se de uma filogenia (semelhante a uma árvore genealógica) que engloba todas as famílias conhecidas de anuros (sapos, rãs e pererecas), salamandras e cobras-cegas. Célio Haddad, do Laboratório de Herpetologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e co-autor do estudo, ressalta que a nova filogenia é a maior já feita para vertebrados e deverá “chacoalhar” a sistemática tradicional do grupo.

A monografia foi publicada este mês no periódico do museu norte-americano Bulletin of the American Museum of Natural History (no 297). A análise inclui 532 espécies de anfíbios, de um total de cerca de 5.800 hoje descritas. Todas as famílias, e quase todas as sub-famílias (com exceção de uma), foram consideradas. Além disso, consta da monografia boa parte dos gêneros que se conhece. O intuito foi utilizar uma amostragem bem distribuída para verificar se os agrupamentos em famílias correspondem à realidade evolutiva de terem sido originados por um ancestral comum, ou seja, se são monofiléticos. Os resultados mostram que muitos grupos não são monofiléticos, o que torna os conjuntos incorretos de acordo com as regras da taxonomia. Para fazer uma analogia em escala humana, só os descendentes do fundador de uma família podem fazer parte dela. Assim, um grupo definido como os descendentes do seu pai não pode incluir os seus tios.

Célio Haddad comenta que muita pesquisa é feita nessa área, mas é freqüente que se detecte erros sem corrigi-los. A conclusão mais comum desse tipo de trabalho é que “são necessários mais estudos para que possamos determinar a classificação correta”. Não foi isso que os autores da monografia fizeram. Ao contrário, sua grande contribuição é propor uma nova classificação, ou taxonomia, dos anfíbios atuais. Para isso, foram criadas várias unidades taxonômicas novas. “Todo mundo reconhece que a classificação não reflete a natureza; mas a área permanece estagnada, sem refletir avanços no conhecimento”, afirma o especialista brasileiro. Para ele, as alterações profundas que foram propostas estimularão pesquisadores a reagir e buscar refutar as mudanças com as quais não concordam. “Assim a ciência progride”.

Os resultados foram obtidos a partir de seqüências de DNA. A vantagem desse tipo de dados é que ele dá acesso a uma quantidade maciça de informação, que permite que se faça inferências filogenéticas. Haddad ressalta que alguns pesquisadores defendem o uso de características morfológicas em vez de genéticas. Porém, ele explica que os anuros são animais simplificados, com adaptações para modo de vida que fazem com que espécies tenham características semelhantes mesmo que não sejam aparentadas. Análises ósseas são úteis, mas muito trabalhosas. A nova classificação pode direcionar futuras pesquisas, com estudos mais detalhados da morfologia em grupos de espécies com classificação controversa, que podem refutar ou confirmar o que foi publicado na monografia. O ideal, diz o herpetólogo, será ter ao fim uma árvore filogenética de consenso, que inclua dados genéticos e morfológicos.

Além do avanço na área específica de conhecimento, uma classificação que reflita a evolução do grupo tem implicações importantes para desvendar diversas questões científicas. Um exemplo é um trabalho em fase de publicação do qual Célio Haddad também participa, que utiliza essa filogenia para ajudar a compreender extinções e declínios populacionais de anfíbios. Investigar se os padrões que se observa têm correlação com o parentesco entre as espécies pode ser uma ferramenta muito importante para compreender suas causas.