O que acontece quando o diploma de uma instituição quase milenar vale o mesmo que o de uma instituição recente e sem tradição em pesquisa? Esse foi um dos questionamentos que permearam o seminário Políticas de Reforma e Internacionalização do Ensino Superior, promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC) e o Deutscher Akademisches Austauschdienst (Daad), serviço alemão de intercâmbio acadêmico, no dia sete de março.
A pergunta, levantada pelo diretor da Capes, Renato Janine, tem, segundo ele, só uma resposta. “Quem vai contratar o formado se protege. Olha onde ele estudou e dá preferência ao diploma de uma universidade mais reconhecida”, pondera. Essa seletividade entra em contradição com as intenções da Declaração de Bolonha, tratado firmado pelos ministros de educação europeus em 1999, visando a reestruturação das universidades européias através de um modelo comum, que facilite a mobilidade de pesquisadores e alunos.
A chamada Declaração de Bolonha é uma resposta às transformações, sobretudo políticas e econômicas, que o mundo vive desde o fim dos anos 80. “O fim da Cortina de Ferro, a liberalização econômica, a globalização em todos seus aspectos e a unificação européia colocaram a internacionalização também na ordem do dia das universidades”, diz o assessor de Marketing da Daad, Márcio Weichert.
O documento já foi ratificado por 45 países, inclusive não-europeus, e propõe a adoção de um sistema de créditos, que serão reconhecidos em todos os países participantes, a introdução de um suplemento ao diploma e um modelo curricular com duração de cinco anos. É um sistema de 3+2+3: três anos para a graduação, dois anos para o mestrado e três para o doutorado. Salvo algumas exceções, como o curso de medicina, que terá o período de graduação estendido.
O modelo, entretanto, vem sofrendo críticas de reitores de vários países europeus. Na Grécia, por exemplo, o Conselho de Reitores manifesta, desde novembro de 2000, o seu desagrado face aos pressupostos de Bolonha. A academia alemã também considera importante algumas adaptações no decorrer do processo. “Estamos em fase de discussão sobre a implantação de sistemas de avaliação e garantia da qualidade de nossas instituições”, observa Weichert.
As universidades alemãs são, na sua grande maioria, públicas. O sistema está em processo de mudanças e algumas universidades, que anteriormente só cobravam uma taxa administrativa semestral em torno de 150 euros, passaram a cobrar até 550 euros por semestre. Por outro lado, as universidades alemãs e européias em geral querem se tornar mais atraentes para estudantes e docentes estrangeiros, e adaptar-se ao Tratado de Bolonha faz parte deste processo.
Hoje, na Alemanha, 35% dos estudantes com o terceiro ano universitário completo já passaram por alguma experiência de educação no exterior, como por um semestre em outra universidade, ou mesmo um intercâmbio lingüístico. “A multiculturalidade contribui para a formação de todos os colegas. Daí a introdução na Alemanha, por exemplo, de cursos de bacharelado e mestrado ministrados em inglês, facilitando os estudos de estrangeiros no país”, explica Weichert.
A equivalência de diplomas entre as universidades, prevista na Declaração de Bolonha e questionada no evento promovido pela Capes, não é o único ponto polêmico. Durante o seminário no Brasil, outro ponto consensual de desacordo ao modelo de Bolonha, apontado tanto por Janine, quanto pelo secretario geral do DAAD, Christian Bode, é o período de doutoramento. Apesar de o doutorado na Alemanha ser, tipicamente mais curto do que no Brasil (dois anos), o título tem muito valor no país. Para Bode, Bolonha se aplica ao ensino superior nos níveis de graduação e mestrado, mas não ao doutorado, que seria o primeiro ciclo da pesquisa e não o terceiro ciclo do ensino superior.
“A idéia de que o doutoramento não esteja subordinado aos três anos de Bolonha converge com nossas convicções”, afirma Janine. Para ele, três anos podem ser insuficientes para a obtenção do título. “Três anos são um período exíguo para um bom doutorado. Não que ele seja impossível, mas será exceção”, afirma.
Segundo Janine o importante na intenção de Bolonha é estabelecer uma plataforma para maior mobilidade de alunos e pesquisadores, mas a realidade não corresponderia a esse propósito, porque para se ter o reconhecimento dos créditos e títulos seria necessária uma avaliação comum. “Se ela não existir, como uma universidade alemã irá – na prática, e não na teoria – reconhecer um título de uma instituição desconhecida de um país desconhecido?”, questiona.
Apesar das dúvidas que o novo modelo suscita, o ponto comum da discussão é que a internacionalização da educação é inevitável e altamente positiva. “Hoje, a criação do conhecimento significa, em larga medida, quebrar fronteiras”, avalia Janine. Segundo o diretor, a discussão e possível aplicação da Declaração de Bolonha é importante para o Brasil na medida em que cresce a necessidade de dialogar com os melhores do estrangeiro e de nos fazer ouvir por eles. “Para isso não bastam iniciativas individuais ou segmentadas. É preciso fortalecer a interlocução no país, inclusive em certos casos transbordando as áreas, para que assim se consiga a melhor relação com o exterior”, conclui.