Enzimas passageiras da Missão Centenário

No que depender dos pesquisadores brasileiros, o astronauta Marcos César Pontes, que vem se preparando desde 1998 para viajar ao espaço, tem muito o que fazer a bordo da nave russa Soyuz TMA-8, que parte no 29 de março, do Centro de Lançamento de Baikonour, no Cazaquistão, rumo à Estação Espacial Internacional (EEI).

No que depender dos pesquisadores brasileiros, o astronauta Marcos César Pontes, que vem se preparando desde 1998 para viajar ao espaço, tem muito o que fazer a bordo da nave russa Soyuz TMA-8, que parte no 29 de março, do Centro de Lançamento de Baikonour, no Cazaquistão, rumo à Estação Espacial Internacional (EEI). Na viagem, denominada “Missão Centenário”, em homenagem aos 100 anos do vôo de Alberto Santos Dumont com o 14-Bis, ele foi incumbido de operar oito experimentos desenvolvidos por universidades nacionais.

Entre eles, destaca-se o projeto MEK (Microgravity Enzimes Kinetic), desenvolvido pela Fundação Educacional Inaciana (FEI), de São Bernardo do Campo, SP, para testar a velocidade de reação (ou seja, o movimento cinético) das enzimas lipase – responsável pela quebra de gorduras e óleos – e invertase – específica para atuação em açúcares – no ambiente de microgravidade (na viagem, Pontes estará sob gravidade quase nula). Essas enzimas são amplamente utilizadas pelas indústrias química, alimentícia e farmacêutica, especialmente no exterior, porque seu uso por aqui ainda é muito caro.

O projeto MEK é um mini-laboratório, do tamanho e formato de uma pequena maleta metálica, controlado por dispositivos eletrônicos e software, onde foram instaladas três câmaras de teste. Em cada uma, foram colocados cinco êmbolos (corpos de seringa), em pequenos compartimentos, que lembram gavetas, projetados de modo a conter dois elementos. De um lado a enzima, do outro o líquido que vai ser usado no teste.

 

Numa primeira fase, o astronauta retira a cobertura de proteção, liga o equipamento, pressiona os êmbolos do primeiro compartimento, fazendo com que os líquidos se misturem; em seguida, aperta um outro botão que provoca o aquecimento até 30º para incentivar a reação, aguarda duas horas e interrompe o processo com um aquecimento rápido de 90º. Posteriormente, repete a operação nos compartimentos seguintes, onde foram depositadas concentrações diferentes de cada substância, e aguarda menores tempos (8 e 6 minutos) para a interrupção. O comportamento das enzimas é registrado na memória do equipamento e será analisado e comparado com os resultados do mesmo experimento realizado na Terra (em ambiente com gravidade).

O procedimento parece simples, mas os produtos e/ou benefícios que podem resultar dessa experiência, envolvem um amplo emprego dessas enzimas para produção de cosméticos, perfumes, sabões em pó, etc. E no exterior, elas têm sido pesquisadas para a produção de biodiesel.

“O que nós queremos é que o experimento nos dê indicadores e subsídios para descobrir as razões que podem piorar ou facilitar uma reação enzimática. Esse é o objetivo último de nossa pesquisa, que por enquanto é de caráter eminentemente científico”, explica o coordenador do projeto, Alessandro La Neve, professor titular do Departamento de Engenharia Elétrica da FEI.

Para ele, esse trabalho (e os outros que serão levados na bagagem de Marcos Pontes) deve ser avaliado em vista do que pode representar para o futuro. “Os investimentos devem ser feitos tendo em vista uma aplicação não apenas pontual, mas dentro de uma política mais ampla. Há sempre expectativa de que o trabalho deve trazer resultados imediatos. Mas isso não é verdade. É preciso fazer investimentos numa expectativa de longo prazo. A pesquisa gera conhecimento que hoje é a maior fonte de riqueza que se tem. Então, é necessário produzi-lo”, defende.

Um exemplo apontado pelo professor do que poderia ser essa “política mais ampla” seria a utilização dos minitubos de calor, desenvolvidos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), para controle da temperatura da superfície do mini-laboratório MEK. O projeto desenvolvido para controle de temperatura de superfícies de equipamentos eletrônicos é outro a ser enviado ao espaço para teste em ambiente de microgravidade.

Segurança

Para ser aprovado, o experimento passou por rigorosíssimos testes, primeiramente no Brasil e posteriormente pelos russos. A preocupação era evitar superaquecimento e emissão de gases no ambiente ou ferimentos ao astronauta. Segundo o professor da FEI, há risco de explosão da nave, de contaminação do ambiente ou de danos permanentes aos pesquisadores. “O grau de exigência é uma coisa fantástica, com milhares de detalhes que, só passando pela experiência, a gente consegue identificar. Isso também gera conhecimento e é outro aspecto importantíssimo da missão. Nós adquirimos know-how. É um privilégio de poucos e agora estamos habilitados para isso”, avalia.

Exemplos desse cuidado: embora o experimento tenha sido caracterizado como material biológico e não ofereça risco nenhum dentro do sistema, foi necessária a instalação de uma proteção hermética tripla (um material que se assemelha ao plástico) no equipamento, para evitar quaisquer contaminações. E para não haver u​_m superaquecimento do sistema, que acabaria se transferindo de algum modo para o ambiente, a temperatura da experiência foi limitada a 30º.

Outro aspecto foi garantir uma fácil manipulação de retirada, considerando-se que apenas parte do equipamento será trazida de volta à Terra: os compartimentos com os líquidos e a memória do sistema, para posterior análise. O restante será descartado numa lixeira que entra em combustão quando entra na atmosfera terrestre. Detalhe: a missão brasileira só pode trazer cinco quilos de peso na volta, incluindo todos os experimentos.

Aplicações

A invertase é uma enzima indicada para produção de açúcares em geral, como o açúcar líquido, utilizado em refrigerantes e sorvetes, e xarope de frutose, que tem 30% maior poder de doçura do que a sacarose, o que possibilita ao usuário o consumo de 30% menos calorias. Na indústria química, ela pode ser usada para a produção de etanol. E na farmacêutica, está presente na formulação de xaropes e cremes dentais.

Já a lipase é uma enzima que serve para transformação de óleos e gorduras e ao desenvolvimento de alimentos funcionais, dietéticos e ou probióticos. Entre os benefícios proporcionados pelo uso de enzimas são apontadas a possibilidade que elas oferecem de se utilizar menor pressão e temperaturas mais baixas nos processamentos industriais e a geração de efluentes mais facilmente tratáveis, tornando as indústrias mais limpas.

Segundo La Neve, da FEI, o conhecimento adquirido com a experiência contribuirá para o desenvolvimento de biossensores e biorreatores enzimáticos industriais mais eficientes. O problema, aponta, é que embora as enzimas constituam uma alternativa atraente para a síntese química, elas não competem em custo com a indústria química. Mesmo assim, ele acredita que “o sucesso do projeto poderá contribuir para um melhor desempenho deste setor, que é um importante segmento da pesquisa em biotecnologia”.

Exército brasileiro instalará escritório-piloto na Unicamp

O exército brasileiro instalará, em abril deste ano na Unicamp, um escritório-piloto responsável pelo levantamento de tecnologias em áreas de interesse para o exército.O escritório deve atuar na busca por projetos das áreas de comunicações, desenvolvimento de sistemas de informática, criação de simuladores virtuais e de governança da tecnologia e da informação.

O exército brasileiro instalará, em abril deste ano, um escritório-piloto junto à Unicamp para atuar na prospecção de oportunidades para o sistema de C&T. A missão desse escritório é fazer um levantamento de possíveis institutos e laboratórios que poderão vir a ser parceiros do exército. O pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, Geraldo Lesbat Cavagnari Filho, afirma que as parcerias entre o exército brasileiro e instituições civis ligadas à pesquisa são comuns e vantajosas para os dois lados.

O vice-chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do exército brasileiro, general de Divisão Ubiratan Athayde Marcondes, explica que o objetivo da implantação do escritório-piloto na Unicamp é criar condições para que um centro de desenvolvimento de sistemas de alta tecnologia possa se instalar, em breve, no Parque Tecnológico de Campinas.

Marcondes detalha que, inicialmente, o escritório-piloto está interessado em buscar projetos das áreas de comunicações, desenvolvimento de sistemas de informática, criação de simuladores virtuais e de governança da tecnologia e da informação.

O general destaca que a Unicamp foi a instituição escolhida para sediar o escritório por se tratar de um universidade referência no campo da pesquisa em ciência e tecnologia. No entanto, a escolha pela Unicamp, segundo ele, não descarta a possibilidade de parcerias com outras instituições da região.

Nesta primeira fase, o exército brasileiro vai investir aproximadamente R$ 250 mil reais em equipamentos, veículos, mobília e material de consumo para a instalação do escritório. A Unicamp, por sua vez, cederá salas do prédio do Centro de Inovação em Software (Inovasoft) para a instalação do escritório.

Parceria é antiga e vantajosa

O pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, Geraldo Lesbat Cavagnari Filho lembra que a o exército brasileiro foi uma das instituições pioneiras a incentivar pesquisas em ciência e tecnologia no país já no início do século XX. Segundo Cavagnari, até a década de 50 a cooperação entre militares e sociedade no âmbito de pesquisas científicas deu-se de forma pontual. Foi nessa época e com a criação do curso de engenharia naval na USP, que as parcerias contínuas entre os militares e a sociedade civil tiveram início.

Após analisar o histórico de incentivos à ciência e tecnologia do exército, Cavagnari avalia que entre as principais vantagens para que as parcerias entre instituições militares e civis ocorram estão o intercâmbio de conhecimentos e de pessoal qualificado. “Os dois lados ganham. O Exército não precisa realizar uma série de pesquisas que a universidade já tem prontas. Por outro lado, a universidade pode ter verbas asseguradas com as parcerias”, conclui.

Laboratórios lucram com banalização da hiperatividade

Venda do metilfenidato, medicamento indicado para crianças com hiperatividade (TDAH), cresceu 940% entre 2000 e 2004. Embora não haja explicação concreta para esse aumento, alguns especialistas creditam o aumento à melhor divulgação do transtorno, enquanto outros consideram que a indústria farmacêutica investiu pesado em marketing.

Uma pesquisa divulgada no início do ano pelo Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos (Idum), constatou que entre os anos de 2000 e 2004 a venda do metilfenidato, indicado para o tratamento de crianças hiperativas, teve um expressivo crescimento de 940%. Embora não haja explicação concreta, alguns especialistas creditam o aumento à melhor divulgação do transtorno pela mídia, enquanto que outros o consideram um reflexo de investimentos da indústria farmacêutica no marketing do produto.

“Não há nada que justifique um pico tão alto como esse, não se trata de uma pandemia”, comenta Antônio Barbosa, Coordenador do Idum e membro do Conselho Federal de Farmácia. Segundo ele, é comum aumentar a venda de alguns remédios sazonais, como os para a gripe nos meses de inverno, ou em situações emergenciais, como uma pandemia. Mas este não é o caso do metilfenidato. “Não foram os médicos que resolveram mudar seus procedimentos. Vemos que existe uma forte ação dos laboratórios sobre esses profissionais. Indiretamente, a prescrição é feita por essa propaganda”, reforça Barbosa.

Segundo ele, o ideal seria que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) agisse quando acontecem esses picos na venda de certos remédios, regulamentando as ações dos médicos e das indústrias. “O que consideramos mais grave neste caso é a falta de responsabilidade social, especialmente em se tratando de medicamentos para crianças”, diz.

O Transtorno de Déficit de Atenção – Hiperatividade (TDAH) é uma perturbação mental de base neurobiológica caracterizada pela desatenção, hiperatividade e a impulsividade. Nos últimos anos houve um crescente interesse da mídia em divulgar o TDAH. Por um lado, isso ajudou muitos pais a compreenderem o problema e ajudarem no tratamento dos seus filhos, entretanto, também banalizou o diagnóstico. “Hoje se rotula muito. Em uma sala de aula, metade das crianças é considerada disléxica e a outra metade, com TDAH. Parece que os normais estão fora da escola”, aponta a neurologista Sylvia Ciasca, pesquisadora do Departamento de Neurologia da Unicamp.

Tanto a escola como as instituições de saúde estão lidando com um conceito extremamente complexo de uma forma banal, sem muito rigor e “os laboratórios começaram a investir nesse filão”, lamenta a neurologista da Unicamp. A postura agressiva que a indústria farmacêutica tem assumido para aumentar a venda do medicamento acentua esse quadro preocupante.

Sylvia Ciasca coordena um grupo multidisciplinar de pesquisas sobre o TDAH em crianças, no Hospital das Clínicas da Unicamp, e alerta que o tratamento com o remédio só é eficiente se a criança tiver acompanhamento integral de outros profissionais, como psicólogos e pedagogos. “Nós não medicamos a criança sem que ela esteja inserida em um sistema multidisciplinar de tratamento. O acompanhamento facilita o parar de tomar o remédio”.

Márcia Maria de Toledo, psicóloga da equipe, explica que o tratamento depende ainda da idade da criança. “Na idade pré-escolar, a criança ainda está aprendendo habilidades sociais, nesse caso, o tratamento é mais voltado para os pais e professores e, de preferência, sem medicações”. A partir dos sete anos, Toledo defende que a criança tenha um tratamento multifacetado, que envolva os profissionais da saúde com os pais e os professores, que precisam atuar como co-terapeutas.

Em alguns casos, no entanto, a psicóloga acredita que o remédio seja imprescindível. “Mas ele tem que ser usado por pouco tempo, até a criança aprender a viver sem a medicação. O remédio só remove o sintoma”, adverte.

O metilfenidato age reduzindo os três sintomas básicos do transtorno: desatenção, hiperatividade e impulsividade. Os efeitos colaterais conhecidos são a diminuição do sono e do peso, além de dores de cabeça. Mas eles devem ser passageiros e suportáveis, caso contrário, a medicação precisa ser 2019suspensa pelo médico. O remédio é eliminado do organismo em aproximadamente cinco horas.

O neurobiologista César de Moraes defende a necessidade do medicamento, independente de haver ou não acompanhamento. “Embora o ideal seja que a criança tenha um tratamento integral, com profissionais de diversas áreas atuando em conjunto, o risco de não tratar é muito maior que o risco de tratar somente com o medicamento. O metilfenidato, apesar de não curar, ajuda a melhorar os sintomas”. De acordo com ele, metade das crianças leva o transtorno para a vida adulta.

A Novartis, um dos laboratórios que fabrica o medicamento, acredita que o aumento das vendas se justifica pelo maior conhecimento dos profissionais da saúde sobre o transtorno e considera que, mesmo assim, o número de pacientes medicados é ainda muito pequeno. Segundo informou a assessoria de imprensa da indústria, eles estimam que 25.000 pacientes tenham sido tratados em 2005, mas, em contrapartida, dados de prevalência da doença (3% a 6% em crianças e 2% em adultos) apontam para cerca de 4 milhões de pessoas com TDAH no país. “Portanto, ainda que tenha havido aumento nas vendas, existem milhões de pacientes não diagnosticados ou não tratados”, informa.