Quilombolas se fortalecem com nova lei de regulamentação

As comunidades remanescentes de quilombos ganharam força com a mudança constitucional no processo de regulamentação de suas terras, sancionada em 2003. Os resultados da nova lei começaram a ser vistos no ano passado, quando mais de 250 processos de legitimação de terras foram abertos, o maior número de toda a história nacional. Apoiados na nova conjuntura política, eles reivindicam a devolução de suas terras e o fim de monoculturas que desgastam o meio ambiente em que vivem.

As comunidades remanescentes de quilombos ganharam força com a mudança constitucional no processo de regulamentação de suas terras, sancionada em 2003. Os resultados da nova lei começaram a ser vistos no ano passado, quando mais de 250 processos de legitimação de terras foram abertos, o maior número de toda a história nacional. Um pequeno passo, entretanto, diante das mais de 2 mil comunidades estimadas – muitas ainda desconhecidas – existentes no país, que resistem às perdas crescentes de seus territórios.

Apoiados na nova conjuntura política, eles reivindicam a devolução de suas terras e o fim de monoculturas que desgastam o meio ambiente em que vivem. No Espírito Santo, os quilombolas exigem o direito a cerca de 50 mil hectares, ocupados por empresas como a Aracruz Celulose, com plantios de eucalipto, a Destilaria Itaúnas S/A (Disa) e a Alcon, com cultivos de cana-de-açúcar. Quase 85% do território do norte do estado está coberto por monoculturas de eucalipto e, em menores proporções, de cana. As comunidades acusam a Aracruz, a maior empresa de celulose do mundo e responsável pela movimentação econômica do estado, de maus tratos, perseguição, e protestam contra as ações movidas pela empresa contra elas.

Uma pesquisa solicitada pelo Incra à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) mostra que os negros que viviam nas áreas do antigo Território de Sapê do Norte, ES, formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, foram forçados a sair região. De acordo com o estudo, cerca 1,2 mil famílias atualmente resistem entre os eucaliptais, de onde se extrai a celulose, canaviais e pastos da região. Um numero dez vezes menor que na década de 70, época em que a Aracruz Celulose se instalou na região. “Mas, por serem cerca de 1.200 famílias organizadas e conscientes, a mobilização desses grupos está conseguindo avanços”, aponta o antropólogo e historiador José Maurício Arruti.

Um grande avanço que está para acontecer é em Conceição da Barra, onde tramita um projeto de lei que proíbe o cultivo do eucalipto em 20% dos arredores dos quilombolas. Lá, 76% do território é ocupado pelo eucalipto e 15% pela cana. “Se conseguirmos essa diminuição, ainda que pequena, seria muito bom. Existem pessoas que têm eucalipto plantado praticamente dentro de casa”, diz Kátia Santos Penha, 25, membro da Comissão Quilombola (criada em 2005 com o objetivo de integrar as comunidades da região). Ela conta que, no momento, cinco comunidades estão em processo de regulamentação na região. “A nossa maior conquista é a luta. É chegar em uma comunidade e ouvir as pessoas dizerem ’eu sou quilombola’, ’eu vou lutar pela terra que foi do meu pai, do meu avô’. Cada território regulamentado é uma grande conquista, porque fortalece mais ainda as comunidades”.

Assim como seus pais e avós, Kátia nasceu e cresceu na comunidade quilombola de Vila Espírito Santo, no município de São Mateus. Segundo ela, atualmente 15 quilombolas estão sofrendo alguma ação judicial ou já foram processadas pela Aracruz. “Eles (a Aracruz) se dizem bons vizinhos, mas nós não temos essa integração com eles. Somos perseguidos a todo momento”, afirma.

Alacir Bernadete Denadai, técnica da ONG Fase, que assessora os movimentos quilombolas, comenta que, no Espírito Santo, 32 comunidades vivem oprimidas pela Aracruz e a monocultura do eucalipto, isoladas de qualquer apoio governamental. “Eles vivem em pequenos fragmentos da terra, uma terra que não produz mais nada. A muitas famílias, o que resta é recolher os resíduos do eucalipto para fabricar o carvão. Aqui ainda acontecem coisas absurdas”.

Em nota oficial, enviada por e-mail à reportagem da ComCiência, a Aracruz argumenta que até o presente não há um diagnóstico consolidado nem comprovação científica sobre a ocupação de territórios quilombolas. A empresa teria adquirido as terras diretamente dos seus “legítimos proprietários ou possuidores, segundo documentação idônea comprobatória da cadeia fundiária”. A empresa de celulose ressalta que “respeita as comunidades remanescentes dos quilombos, reconhecidas como uma de suas partes interessadas” e menciona uma série de programas sociais em andamento.

Regulamentações

Desde 1988, o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (que determina que o Estado deve emitir o título das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos) assegura os títulos de posse às comunidades oriundas de antigos quilombos (formados por escravos fugidos) que ocupam essas terras desde a abolição da escravidão. Mas até o decreto de 2003, o artigo abria brechas para contestações porque não determinava um procedimento padrão.

Arruti conta que em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso baixou um decreto para corrigir as falhas no artigo.Em sua opinião “um decreto retrógrado ao extremo, que inviabilizava a regulamentação dessas comunidades”. No texto de FHC, as famílias dessas comunidades deveriam comprovar descendência linear e a posse da terra por mais de 100 anos, o que impossibilitou a abertura de qualquer processo. Em 2003, o Presidente Lula regulamentou o decreto e extinguiu a necessidade de registros em cartórios ou laudos antropológicos sobre a linhagem da população pertencente àquela terra.

O processo, agora, se inicia com uma declaração da própria comunidade de que eles são remanescentes de quilombos. Com isso, essas comunidades conquistaram representatividade e sua palavra não está mais submetida ao “crivo da Ciência”. O conhecimento científico no processo passou a ser solicitado apenas na segunda fase do processo, quando é feito um relatório técnico de delimitação e demarcação da terra.

Esse relatório, antes responsabilidade da Fundação Cultural Palmares, passou a ser elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com a colaboração de antropólogos. “O antropólogo é importante nesse estágio do processo para argumentar sobre a natureza cultural terra”, defende Arruti. Depois de pronto, o relatório é publicado no Diário Oficial e passa por um período de contestação de 90 dias. Se ninguém protestar, as terras são tituladas e indenizadas.

Arruti argumenta ainda que o novo procedimento favoreceu os quilombolas porque a maioria deles não possui, nem nunca possuiu, o título da terra, nem acesso à documentação. “Se isso for adiante, será uma das maiores conquistas nessa área no Brasil”.

IBGE homenageia geógrafo que estabeleceu divisão do país em regiões

Publicação do IBGE traz textos de um de seus fundadores, o geógrafo Fábio de Macedo Soares Guimarães. A seleção inclui o artigo que estabeleceu a divisão regional do Brasil, assim como o estudo sobre a mudança da capital do país para o Planalto Central.

 

Painel produzido pelo IBGE

A divisão do Brasil em cinco regiões e a localização da capital federal são aspectos tão estabelecidos da nossa realidade que muitos não sabem – ou esqueceram – de que não foi sempre assim. É o que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) busca remediar com a publicação do volume 7 dos “Documentos para Disseminação – Memória Institucional”, que reúne os textos mais importantes de Fábio de Macedo Soares Guimarães, um dos pioneiros do Instituto.

O volume foi lançado no último dia 24, por ocasião do seminário em homenagem aos 100 anos do nascimento de Dr. Fábio, como é conhecido entre os geógrafos. Parte das comemorações dos 70 anos do IBGE, o evento reuniu depoimentos de familiares e pesquisadores. Cláudio Egler, coordenador de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que Guimarães foi uma das pessoas que construíram o pensamento nacional em geografia, com implicações para o planejamento nacional. O geógrafo citou, como textos fundamentais na área, aqueles que tratam justamente da divisão regional do Brasil e da localização da capital federal.

A geografia no Brasil

De acordo com João Rua, geógrafo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Guimarães “era um difusor da geografia no Rio de Janeiro”, através de iniciativas em formar parcerias e fundar unidades onde se praticasse a geografia. Uma delas foi o Conselho Nacional de Geografia (CNG), que ao ser incorporado pelo Conselho Nacional de Estatística daria origem ao IBGE, em 1938.

Além disso, sua carreira no ensino superior incluiu a chefia do Departamento de Geografia da PUC, que ajudou a solidificar e no qual estimulou o desenvolvimento da pesquisa.

As regiões do Brasil

O artigo “Divisão regional do Brasil”, publicado pela Revista Brasileira de Geografia em 1941, é considerado um trabalho seminal na geografia deste país. Segundo Egler, o texto é hoje em dia lido por estudantes de graduação da UFRJ como texto introdutório essencial. O artigo marcou época não somente por sua contribuição intelectual mas também prática, já que no ano seguinte a divisão foi adotada pelo governo.

A divisão foi baseada em zonas fisiográficas para planejamento do uso do solo, conceito ainda usado hoje para regulamentar a ocupação dos diversos biomas brasileiros. Apesar de dar importância às relações entre sociedade e natureza, Guimarães defende em seu artigo que as “’regiões naturais’, de acordo sobretudo com os fatos da geografia física”, devem ser usadas para definir as grandes regiões do país. O geógrafo acreditava que as “regiões humanas”, que incluem aspectos econômicos, são demasiado instáveis, de forma que uma divisão que se baseasse nela poderia tornar-se obsoleta com o passar do tempo.

Capital federal

Publicado em 1949 também na Revista Brasileira de Geografia, “O Planalto Central e o problema da mudança da capital do Brasil” relata um dos primeiros estudos detalhados desta região do país, na época quase completamente desabitada. Egler ressalta que problemas apontados no artigo, como a questão da escassez de água, revelaram-se de fato importantes.

Oito áreas foram analisadas, afim de determinar a melhor localização para a capital. O documento resultante foi imediatamente entregue ao Congresso Nacional, para servir de base para as discussões.

Além desses dois artigos fundamentais, o volume editado pelo IBGE inclui outros cinco textos daquele que, segundo Cláudio Egler, “como geógrafo, era um visionário”.

Gestão territorial é ferramenta contra aftosa

Técnicos da Secretaria de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, começaram a usar um sistema de gestão territorial da faixa fronteiriça entre Brasil, Paraguai, Bolívia e Peru: são 25 quilômetros da fronteira com os estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O objetivo é gerir o risco sanitário da febre aftosa.

Os técnicos da Secretaria de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento têm uma ferramenta a mais contra a febre aftosa: o sistema de gestão territorial da faixa de fronteira do Brasil com Paraguai, Bolívia e Peru. Serão monitorados 25 quilômetros do lado brasileiro da faixa fronteiriça localizada nos estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Na base de dados desse sistema constam imagens obtidas por satélite, com detalhamento de 10 metros dessas regiões. “As informações permitirão que a gestão do risco sanitário seja melhor organizada nessas áreas”, afirma Evaristo de Miranda, chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, que está organizando o sistema.

De acordo com Miranda, o sistema de gestão territorial consiste em fazer um levantamento de dados (numéricos, cartográficos e infográficos) que podem ser abastecidos com novas imagens de satélite, segundo a necessidade de cada técnico operador do sistema. “O técnico que irá operar o sistema poderá solicitar imagens, em tempo real, das regiões suspeitas de transporte ilegal de gado”, exemplifica ele. Apesar da aftosa ser o foco das atuais pesquisas, o sistema também poderá auxiliar na gestão de risco sanitário vegetal.

Miranda salienta que as informações geradas serão úteis ainda para elaborar ações de prevenção e controle de aftosa, tanto em nível local, quanto internacional. Ele esclarece que cada município localizado na fronteira brasileira receberá um dossiê com detalhes do uso que é feito de suas terras e dos riscos sanitários existentes. Com essa medida, o monitoramento de outros aspectos como matas em ciliares, conservação de florestas e situações de rios, também poderá ser proporcionado.

O chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite enfatiza que o projeto está dividido em três etapas sendo que o trabalho teve início na fronteira com o Peru, Bolívia e Paraguai por ser local de grande risco de aftosa. A segunda fase do trabalho consiste em elaborar a base de dados para as fronteiras com a Argentina e o Uruguai. As fronteiras da região norte do Brasil são o alvo da terceira fase do projeto. Miranda espera que, pelo menos a segunda fase do trabalho seja concluída ainda neste ano.

Ao todo o Brasil possui 16.886 mil quilômetros de fronteiras. O levantamento de dados dos limites brasileiros com o Paraguai, a Bolívia e o Peru corresponde a quase 7 mil quilômetros, aonde existem cerca de 400 municípios.

Sistema paralelo prevê rastreabilidade de veículos

O coordenador do sistema de gestão territorial da faixa de fronteira do Brasil com Paraguai, Bolívia e Peru, Alexandre Camargo Coutinho, menciona que um sistema de gestão de rastreamento de veículos por satélite está sendo organizado pela Secretaria de Defesa Agropecuária. Segundo ele, existe a possibilidade de a Embrapa repassar os dados que atualmente estão sendo organizados no sistema de gestão territorial da fronteira para a estrutura desse rastreamento. Ele explica que a idéia do rastreamento é apoiar as equipes da defesa sanitária em suas ações de campo agilizando os deslocamentos, por exemplo.

Quanto ao rastreamento de produtos como bois ou caminhões de soja, Coutinho não vê relação direta com os riscos sanitários nas fronteiras. “A questão de rastreamento de bois é mais significativa para os mercados consumidores do que efetivamente para a questão de monitoramento de risco sanitário de aftosa na fronteira”, afirma.