Movimento negro encampa bandeira por reparações

Nos últimos anos, o mês de novembro difunde a luta do movimento negro pelos direitos humanos e combate ao racismo em todo país. O debate sobre as reparações históricas e humanitárias deverá ser a bandeira do movimento em 2007.

Nos últimos anos, o mês de novembro registra eventos que difundem a luta do movimento negro pelos direitos humanos e combate ao racismo em todo país. Além das discussões sobre a estruturação das desigualdades raciais e políticas afirmativas no Brasil, o debate sobre as reparações históricas e humanitárias vem ganhando força e deve ser a bandeira do movimento em 2007.

No âmbito das políticas afirmativas, as cotas para negros em postos de trabalho também devem ser consideradas, segundo a pesquisa do economista Vinícius Garcia, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. A análise do mercado de trabalho negro nos últimos 25 anos, feita por Garcia, mostra que os negros só têm possibilidade de ascensão a partir da junção entre o crescimento econômico e políticas de ação afirmativas.).

Dentro da discussão sobre a relação com o Estado, tanto o sociólogo Valter Silvério, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), como a pedagoga Angela Soligo, diretora da faculdade de educação da Unicamp, concordam que apenas políticas de ações afirmativas podem de algum modo auxiliar na reversão das desigualdades raciais no Brasil.

Para a socióloga Gevanilda Gomes, pesquisadora da Fundação Armando Alvares Penteado e presidente da Soweto orgnização negra, a luta anti-racista passa pela parceria entre a universidade e os movimentos sociais “a partir desse diálogo, o negro deixa de ser apenas objeto das ciências humanas e torna-se sujeito pesquisador”, afirma Gomes. “É justamente o sistema de cotas nas universidades – tão criticado por alguns segmentos da sociedade – que está viabilizando pesquisas que estão resgatando a história do povo afro-brasileiro, o que dá a base para a reividicação de reparações”, explica a socióloga Ruth Pinheiro, diretora do Centro de Apoio ao Desenvolvimento do pequeno e micro empreendedor negro do RJ (CAD) e membro do Colymar – órgãos que objetivam a inserção sócio-econômica da comunidade afro-brasileira.

A socióloga explica que a luta por reparação aos povos africanos e da diáspora teve início ainda no início do século XX por meio das cruzadas pan-africanas que foi o movimento precursor da independência de países na África. Mas somente em 1990, o nigeriano Bashorron M.K.O. Abiola inicia o discurso por reparações financeiras, no Black Caucus (congresso afro-americano). Abiola defendia o perdão da dívida externa dos países africanos e reconhecimento de crimes cometidos contra os africanos.

Como exemplos de reparações, Pinheiro cita que em 1990 os Estados Unidos pagaram 20 mil dólares para cada nipo-americano, enquanto a Áustria pagou 25 milhões de dólares para sobreviventes do holocausto judeu, assim como, em 1988, o Canadá cedeu 250 mil milhas quadradas de terras para os índios esquimós. “Todos reconhecem o holocausto judeu, mas não o africano”, argumenta a socióloga.

No Brasil, o movimento por reparações, sugere o pagamento de 102 mil dólares para cada afro-descendente. Além do reconhecimento da escravidão como crime contra a humanidade pela Organização das Nações Unidas em 2001, os militantes defendem as reparações pela violação dos direitos humanos desde a abolição da escravatura e acreditam que a indenização seja viável.

Observadora brasileira na primeira conferência pan-africana de reparações, Pinheiro explica que uma das dificuldades nessa luta está no próprio discurso do governo. “O Brasil foi oficialmente convidado para o evento (1993), mas alegando que não existe racismo no Brasil, uma vez que a constituição não permite, não enviou uma delegação. É verdade que a cultura africana está completamente inserida na sociedade brasileira, mas no momento de conceder um empréstimo diferenciado ou cotas todos reclamam”, critica a socióloga.

Origens históricas da discriminação

Por que os negros são tão apartados dos processos de desenvolvimento, quando elementos da sua cultura estão tão presentes e misturados à brasileira? “Desde a abolição há políticas públicas voltadas para a exclusão do negro no Brasil que proibiam desde a organização coletiva de negros, a exclusão da cidadania e do voto e políticas de saúde pública voltada primordialmente aos brancos e excluindo os negros do acesso à saúde”, afirma o historiador Sidney Chalhoub, pesquisador da Unicamp.

Segundo a diretora do CAD, a eugenia (teoria criada pelo cientista inglês Francis Galton, que defendia a melhoria da raça humana baseada em discriminação racial), por exemplo, foi adotada pelo Brasil (de forma velada no artigo 148 da constituição brasileira de 1934) para valorizar a cultura branca. Por outro lado, já na república, o código penal previa como crime a vadiagem atribuída em especial a população negra no país. O efeito de sentido dessas ações, marginalizou os afrodescendentes, fazendo até que refutassem a sua identidade. Para o artista Fausto Antônio, uma estratégia para combater a visão européia e etnocêntrica é o ensino de capoeira na escola. “Não como uma extensão da educação física, mas como uma questão interdisciplinar”, completa ele.

Consciência Negra

Pinheiro acredita que a mudança da percepção da população brasileira em relação ao negro não se deve somente ao dia da consciência negra, que foi instituído em território nacional para ser comemorado em 20 de novembro pela lei nº 10.639 (2003), mas a uma série de ações, principalmente àquelas voltadas para o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, que se se tornou obrigatório no país por meio da mesma lei. “O acesso a esse estudo, em todos os níveis de escolaridade, permite que a população tenha mais conhecimento e interesse pelas questões negras”, defende a socióloga.

Segundo dados da Polícia Militar (PM), 12 mil pessoas participaram da parada negra na Avenida Paulista em São Paulo no dia 20, o qual foi determinado feriado em mais de 200 cidades, de acordo com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Contudo, atividades relativas ao movimento da consciência negra se estendem até início de dezembro em todo país, como o Etnicidades na capital paulista.

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Crise da água atinge os mais pobres

“A maioria dos países dispõe de água suficiente para satisfazer as necessidades domésticas, industriais, agrícolas e ambientais. O problema está na gestão”, afirma o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2006, divulgado dia 09 de novembro pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O estudo considera essa situação “uma crise dos pobres”.

Estima-se que, no mundo, existem aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas sem acesso a água limpa e 2,6 bilhões sem acesso a sistema de esgoto. O problema, contudo, não está relacionado à escassez física da água, mas sim à pobreza. “A maioria dos países dispõe de água suficiente para satisfazer as necessidades domésticas, industriais, agrícolas e ambientais. O problema está na gestão”, afirma o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2006, divulgado dia 09 novembro pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O estudo, intitulado “Além da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água”, destaca que essa é, acima de tudo, “uma crise dos pobres”.

Devido sobretudo à falta de água potável e saneamento, 1,8 milhão de crianças menores de cinco anos morrem com diarréia por ano, o equivalente a uma criança a cada 19 segundos. É a segunda principal causa de morte na infância, só atrás de infecções respiratórias. “Ainda que possa ser evitada com medidas simples, a diarréia mata mais do que tuberculose e malária, seis vezes mais que os conflitos armados e, entre as crianças, cinco vezes mais que a Aids”, calcula o relatório, enfatizando que água limpa e saneamento estão entre os mais eficientes métodos preventivos para reduzir a mortalidade infantil. Incluindo adultos, são registrados 5 bilhões de casos de diarréia por ano nos países em desenvolvimento .

Dentre os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos pela ONU, está a redução pela metade, até 2015, da proporção de pessoas que não desfrutam desses recursos. Contudo, as projeções do RDH 2006 apontam que, no ritmo atual, o compromisso será atingido somente em 2016 no caso da água e em 2022 para o saneamento. A análise por região mostra ainda diferenças marcantes. A América Latina já cumpriu a meta da água e deve cumprir a de saneamento em 2013. A África Subsaariana, porém, só atingirá a meta da água em 2040 e a de esgoto em 2076.

No Brasil, aproximadamente 90% da população tem acesso à água potável, número semelhante ao de países com alto Índice de Desenvolvimento Humano, como Coréia do Sul (92%) e Cuba (91%). A taxa de atendimento da coleta de esgoto no país é de 75%, inferior à do Paraguai (80%) e à do México (79%). Os dados do PNUD mostram que ambos indicadores evoluíram entre 1990 e 2004 no Brasil, mas ratifica o peso da pobreza neste cenário, afirmando que os 20% mais ricos da população brasileira desfrutam de níveis de acesso a água e saneamento comparáveis ao de países ricos, enquanto os 20% mais pobres têm uma cobertura inferior à do Vietnã.

De acordo com o relatório, os investimentos necessários para atingir as metas dos Objetivos do Milênio são de cerca de US$ 10 bilhões por ano até 2015, o que corresponde de cinco a oito dias de despesas militares no mundo. “A Índia, por exemplo, gasta oito vezes mais da sua riqueza nacional em orçamentos militares do que em água e saneamento. O Paquistão gasta 47 vezes mais. A Etiópia, um dos países mais pobres do mundo e com uma das taxas de cobertura mais baixas (e algumas das taxas de mortalidade infantil por diarréia mais elevadas), ainda consegue mobilizar um orçamento militar quase 10 vezes superior ao da água e saneamento”, revela.

Mais do que uma questão de recursos e tecnologia, o subfinanciamento da área refletiria, assim, a falta de vontade política dos governos em colocar água e esgoto como prioridade. O RDH 2006 cita como exemplo a possibilidade de, em 2015, a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) enviar a Júpiter uma sonda espacial que investigará a composição de vários lagos de água salgada debaixo de superfícies de gelo daquele planeta. E observa: “A ironia que representa a despesa de milhões de dólares por parte da humanidade na exploração do potencial de vida em outros planetas seria imensa, e trágica, se, ao mesmo tempo, permitíssemos a destruição da vida e das capacidades humanas no planeta Terra por falta de tecnologias muito menos exigentes: a infra-estrutura para fornecer água potável e saneamento para todos”.

O relatório recomenda, assim, que os governos estabeleçam um mínimo de 1% do PIB para investir em água e saneamento, seguindo um plano nacional com estratégias bem definidas, para acelerar o progresso nessa área; e que também trabalhem para reverter a desigualdade social. Sugere, ainda, a criação de um Plano de Ação Global, liderado pelos países do G8, que concentre os esforços para a mobilização dos recursos e coloque a água e o saneamento no centro da agenda de desenvolvimento, partindo da premissa que a água é um direito humano básico. “Todos deveriam dispor de pelo menos 20 litros de água por dia, e as pessoas pobres deveriam obtê-la gratuitamente”, recomenda o PNUD.

Projeto busca fortalecer sistema de Ciência e Tecnologia

A Finep e o governo do estado de São Paulo estão investindo cerca de cinco milhões de reais em um projeto para fortalecer os sistemas de ciência, tecnologia e inovação. A iniciativa é coordenada pela Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e pela Fapesp.

A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o governo do Estado estão investindo cerca de cinco milhões de reais no projeto “Estratégia para Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo: Universidades, Institutos de Pesquisa e Empresas”, coordenado pela Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e pela Fapesp. O projeto foi aprovado no edital “Projetos Estruturantes” da Finep, cujo objetivo é fortalecer os sistemas de ciência, tecnologia e inovação.

O projeto, iniciado em março deste ano, é dividido em quatro subprojetos e possui caráter “estruturante”. “Os temas são importantes para pensarmos o desenvolvimento do sistema paulista de inovação”, explica Sérgio Queiroz do Instituto de Geociências da Unicamp e um dos coordenadores do projeto.

O primeiro subprojeto é o Plano Diretor para o Ensino Público Superior no Estado, que pretende estabelecer metas e meios para que o sistema público possa ampliar sua participação no conjunto das vagas disponíveis no estado, estudando também sua diversificação. “O desafio é fazer essa expansão com qualidade. É necessário planejamento eficiente. Temos metas voltadas para o ano de 2020”, avalia Queiroz.

Outro subprojeto trata do Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, visando coordenar a implantação de cinco parques no estado, para alavancar regiões que já são centros de inovação: Campinas, Ribeirão Preto, São Carlos, São José dos Campos e São Paulo. Cada um dos parques terá sua área específica de atuação, determinada a partir da vocação local e articulada dentro do conjunto do sistema.

O terceiro subprojeto, sob coordenação de Roberto Lotufo, diretor da Agência de Inovação da Unicamp (Inova), trata da definição de estratégia para cooperação público-privada em licenciamento de tecnologia em universidades e institutos de pesquisa. “O objetivo é desenvolver a capacidade de lidar com as questões relacionadas à propriedade intelectual e transferência de tecnologia”, afirma Queiroz.

Por fim, há o subprojeto que trata da promoção dos investimentos diretos estrangeiros em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), sob coordenação de Queiroz. Um dos propósitos é buscar estratégias para atrair centros de P&D de empresas estrangeiras para o estado. O subprojeto ainda desenvolve uma metodologia de prospecção, que orienta o setor público sobre a atração de atividades científicas e tecnológicas para São Paulo.

Atrair investimentos deve ser política de estado

O subprojeto de atração de IDE (Investimentos Diretos Estrangeiros) é uma grande oportunidade no cenário internacional. Empresas internacionais e que investem fortemente em tecnologia, estão estruturando suas atividades no sentido de criar redes internacionais de P&D, “Essa rede vai se concentrar em alguns países, hoje está na China e na Índia. Por que o Brasil não pode ter uma posição nessa situação, a partir de políticas apropriadas?”, argumenta Sérgio Queiroz, coordenador do projeto.

Por outro lado, as empresas multinacionais estão solidamente consolidadas no Brasil, então convencê-las a criar ou ampliar seus departamentos de P&D é mais fácil para o Brasil. Este é um foco natural no cenário brasileiro. “Algumas empresas não fazem tecnologia, mas devem fazer. O projeto é estímulo às atividades tecnológicas, de modo geral. Além disso, o projeto também quer desenvolver uma metodologia para trazer empresas que ainda não estão no Brasil. Para as empresas, é preciso mão-de-obra qualificada e aí entra o Plano Diretor”, afirma Queiroz.

O IDE resulta numa atividade permanente do estado. Há um conselho técnico científico, formado por representantes de universidades, para garantir que a política não seja apenas de governo, isto é, que haja continuidade institucional.

O projeto desenvolve e aplica metodologia para atração de investimentos, explicitando como o governo pode atuar junto às empresas. Sua atuação é ampla, estudando políticas públicas que favoreçam investimentos. Há um conjunto de ações de políticas públicas mais gerais, como o Plano Diretor. E também ações mais específicas, voltadas para empresas que já são alvos precisos. “Por isso é que eu chamo de política de ação de atacado e varejo”, explica Queiroz.

O projeto trabalha com três frentes de ação: políticas, isto é, entender o que os concorrentes do Brasil estão fazendo, por meio de análise comparativa, empresas, buscando a lógica de localização e investimento das empresas, ou seja, quais são os fatores motivadores, e indicadores,metodologia para atração de investimentos, que será aplicada e sinalizará como o governo deve atuar para atrair as empresas. Haverá trabalho de campo em algumas empresas selecionadas por meio de questionário eletrônico, a fim de trazer estatísticas para um trabalho mais qualitativo. Todos os dados são sigilosos e serão divulgados estatisticamente.

Já há resultados iniciais: países bem sucedidos têm políticas seletivas, contínuas, infra-estrutura de C&T, investimentos em RH, ambiente regulatório amigável e adequado, estrutura governamental e continuidade institucional. O Brasil está no caminho certo, mas precisa articular agentes e ações, para a eficiência do Sistema Paulista de Inovação.