Mestrado profissionalizante divide docentes, mas é tendência nacional

O número de mestrados profissionalizantes oferecidos pelas universidades públicas cresce a cada dia no país. Porém, nem todos os docentes são a favor dessa iniciativa, que deve ser ampliada no Brasil.

A Universidade Federal de Viçosa (UFV) está com inscrições abertas até 15 de maio para seu primeiro mestrado profissionalizante em zootecnia. Os responsáveis pela criação do novo curso buscam estabelecer parcerias com o setor produtivo, adaptando o conhecimento científico às necessidades do mercado. Apesar deste tipo de pós-graduação estar em uso há quase dez anos no país, nem todos apóiam a iniciativa. “O que há por trás do ensino superior profissionalizante é a mercantilização do ensino e a complementação salarial dos docentes envolvidos, com a quebra da dedicação exclusiva.” acredita Aloízio Soares, professor do departamento de zootecnia da UFV.

No caso do curso da universidade mineira, o receio do pesquisador está relacionado à participação de quinze professores que também lecionam nos cursos de graduação e pós-graduação. Segundo Soares, eles ficarão sobrecarregados com as atividades da nova modalidade. Mas Sebastião Campos Valadares Filho, coordenador da pós-graduação na UFV, justifica que “se um docente der aula uma vez por semana, em um ano, não prejudicará suas atividades, já que as aulas presenciais ocorrerão em módulos, a cada dois meses”.

Outro temor dos que são contrários ao mestrado profissionalizante oferecido nas instituições públicas está no processo seletivo dos alunos, vinculado a empresas financiadoras dos cursos e que acabam tendo suas atividades desenvolvidas com infra-estrutura das universidades públicas mas diretamente voltados para os interesses privados. “A seleção é feita através das empresas que podem pagar para seus funcionários cursarem o mestrado profissional e não por méritos acadêmicos, e ao final se formam empregados, não pesquisadores preocupados com a ciência”. lamenta Soares.

Ao final desse tipo de mestrado, os alunos recebem diploma e podem atuar, inclusive, como docente de universidades, apesar deste não ser o objetivo inicial do programa. A possibilidade gera mal estar na academia, uma vez que o curso não capacita para a atividade de pesquisa científica.

Vantagens e diferenças

Quando se iniciou a pós-graduação no Brasil, a idéia era desenvolver cursos de mestrado que atendessem tanto a academia como o mercado. Depois veio a especialização lato sensu, também com fins mercadológicos, a exemplo de modelos desenvolvidos em países como os Estados Unidos, que também exportaram o Master in Business Administration (MBA), que originalmente é um mestrado profissionalizante.

Apesar de similares na duração e nos objetivos, a principal diferença entre um mestrado profissionalizante e a especialização está na avaliação pela a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), órgão pertencente ao Ministério da Educação (MEC). Ela informa o nível do mestrado, de acordo com critérios próprios. Isto, ao menos em tese, garante cursos de melhor qualidade. Apesar de ter os mesmos objetivos, a especialização lato sensu não é avaliada pelo MEC. Portanto, nem a Capes, nem o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) sabem estimar a quantidade de cursos oferecidos no país.

Tendência nacional

Atualmente, dos mais de 3.400 cursos de pós-graduação recomendados pela Capes, 2.067 são de mestrado acadêmico, 1.182 de doutorado e 175 mestrados profissionalizantes. Esta última modalidade envolve mais de 5 mil alunos e a expectativa do órgão é que, em cinco anos, esta participação cresça dos atuais 8% para 25%.

De acordo com Jorge Guimarães, presidente da Capes, as empresas que contratam profissionais com essa formação com certeza elevam sua eficiência e produtividade. “Com os mestrados profissionais a Capes contribui para o crescimento econômico brasileiro e abastece melhor o setor social, a administração pública e o setor privado com recursos humanos de alto nível.” diz.

Em 2005, o órgão recebeu 159 projetos de novos cursos de mestrado profissional. As áreas mais procuradas foram administração, odontologia, engenharias e saúde coletiva, área na qual o órgão pretende formar 6 mil profissionais.

Mesmo com resistência de parte dos docentes, a Capes quer incentivar até o doutorado profissional, em áreas como contabilidade, cirurgia, odontologia e administração. “Por que não, já que tais profissionais vão atuar num mercado tipicamente não acadêmico?” finaliza Guimarães. Resta saber se o curso não será apenas mais uma novidade do mercado educacional.

Pesquisadores ou biopiratas?

Nos últimos meses, pesquisadores foram acusados de biopirataria no curso de seu trabalho. A comunidade científica se queixa da rigidez da legislação, que impediria o avanço do conhecimento acerca da biodiversidade brasileira.

Acusações de biopirataria são cada vez mais freqüentes, através de representantes da biodiversidade brasileira flagrados em pacotes enviados ao exterior. A opinião pública reage com fúria, afinal há exemplos de produtos nossos patenteados no exterior, como foi o caso do cupuaçu em 2000. Protestos menos noticiados são os dos pesquisadores, que alegam que a Lei dos Crimes Ambientais (nº 9605/98) impõe enormes entraves à produção científica do Brasil.

Entre os casos recentes está o do pesquisador Carlos Jared, do Instituto Butantan em São Paulo. Em abril deste ano ele enviou a um colaborador alemão um pacote com 13 onicóforos, parentes distantes e pouco conhecidos das minhocas. Como conseqüência, o pesquisador foi multado e está sob investigação pela Polícia Federal pelo crime de biopirataria. O caso suscita uma discussão importante. A infração de Jared é real, pois ele não obteve a documentação necessária para o envio de material biológico. Mas o caso dele é comparável aos que enviam centenas de borboletas ou madeira-de-lei extraída ilegalmente da Amazônia, por exemplo?

Pesquisadores como Célio Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, e Miguel Trefaut Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP), acreditam que não. E declaram que aqueles que fazem tráfico ilegal de produtos vegetais e animais em grande escala não são detidos pelo Ibama ou pela Polícia Federal. Os prejudicados são os cientistas, que trabalham em prol da preservação da natureza, não de sua extinção. Haddad enfatiza que os penalizados são os pesquisadores mais ativos, incluindo aí o próprio Jared, que recentemente publicou um artigo na revista científica Nature em colaboração com o mesmo alemão que receberia os onicóforos (veja notícia na ComCiência).

Uma das dificuldades que os biólogos enfrentam no cotidiano de seu trabalho é esbarrar com o fato de só ser permito coletar espécies que não estejam ameaçadas. Segundo o especialista em anfíbios Célio Haddad, para identificar corretamente um sapo é necessário sacrificar o animal, examiná-lo no laboratório e só então checar a qual espécie pertence. Em muitos casos, conta, espécies ameaçadas só são reconhecidas como tal após medições e comparações com espécimes de museu. Para evitar as sanções da lei o pesquisador teria que se desfazer do espécime, em vez de estudá-lo. Além disso, de acordo com Haddad as leis que regulamentam coleta e trânsito de material biológico são tantas que ninguém sabe ao certo como fazer seu trabalho de forma legal. O resultado é, diz ele, que a maior parte dos biólogos comete crimes – seja porque a legislação é intransponível, ou porque os profissionais desconhecem aspectos do regulamento.

Miguel Trefaut Rodrigues concorda que Jared errou ao enviar os espécimes sem obter a devida licença. No entanto, ele ressalta que a troca de material biológico é extremamente comum em colaborações internacionais, e muitas vezes resulta em publicações conjuntas com maior abrangência do que se fossem realizadas por um único pesquisador. “A lei recente foi bolada por meia dúzia de pessoas sem conhecimento de biologia, e impôs um freio ao desenvolvimento científico e tecnológico do país”, lamenta Rodrigues. O biólogo exemplifica com sua demora de um mês em obter licença para mandar material para uma aluna que fazia pesquisa fora do país, e de seis meses para outra aluna conseguir autorização de levar material para seu próprio pós-doutorado no exterior. No caso de Jared, Rodrigues afirma que com esse atraso o material se teria estragado e o colaborador na Alemanha talvez não tivesse a disponibilidade para realizar o trabalho. Por regulamento do Butantan, somente a assessoria de imprensa do instituto pode manifestar-se sobre o caso. Seu argumento é de que houve um erro de natureza burocrática, não um crime ambiental.

Segundo o pesquisador da USP, a fase atual é maravilhosa para o avanço científico e tecnológico no Brasil em termos de recursos financeiros. “Mas tudo depende do estudo da diversidade biológica”. Para ele, a Lei dos Crimes Ambientais “não presta para nada, não vigia 99% das coisas”. Isso ocorre porque, apesar de recomendação do Ministério do Meio Ambiente, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) não incorporou sugestões feitas por pesquisadores. “No estrangeiro aqueles que estão na vanguarda do conhecimento são ouvidos”, compara.

O especialista em direito ambiental Hélcio Gil Santana afirma que numa democracia os cidadãos têm voz para influir no poder decisório. “O que deve ser levado ao Legislativo é o conhecimento da licitude, importância, legitimidade e nobreza da pesquisa científica realizada dentro da pesquisa tradicional, secular, que nada tem de ‘biopirataria’”, afirma. Santana lembra que durante a Idade Média, cientistas e estudiosos foram perseguidos e mal-compreendidos, o que os levou para as fogueiras e, conseqüentemente, ao “atraso em séculos no desenvolvimento da Humanidade”. “Hoje, é o nosso papel não deixarmos que a ignorância ou o desconhecimento continuem a prevalecer e as fogueiras de outrora sejam substituídas por legislação e atitudes governamentais draconianas, que transformarão em trevas o desenvolvimento científico nacional”. Rodrigues diz que não se trata de biopirataria: o problema é “biomesquinharia, bioparanóia e bioincompetência”.

Leia mais:

  • Biopiratas, criminosos ambientais e pesquisadores: ‘farinha do mesmo saco’?, artigo de Alexandre Aleixo no Jornal da Ciência e-mail
  • Crítica à proposta de regulamentação do Ibama sobre coleta e conservação de material biológico, artigo de Hélcio Gil Santana no Jornal da Ciência e-mail
  • Para conhecer melhor a biodiversidade, artigo de Miguel Trefaut Rodrigues na revista Ciência e Cultura
  • A lei de proteção ao patrimônio genético, artigo de Walter Colli na revista Ciência e Cultura

Trabalho precário é predominante nos pequenos negócios

O que o designer de uma pequena agência de publicidade tem em comum com o proprietário de um bar na periferia? E com o catador de papel que leva seu carrinho junto às sargetas? Todos, certamente, trabalham em pequenos negócios com algum grau de precarização.

O que o designer de uma pequena agência de publicidade tem em comum com o proprietário de um bar na periferia? E com o catador de papel que leva seu carrinho junto às sargetas?Como pessoas jurídicas (PJs) ou como trabalhadores que sobrevivem marginalizados pelo mercado, todos, certamente, trabalham em pequenos negócios com algum grau de precarização. De consultores especializados a limpadores de carro, o número de ocupações em “micro empreendimentos” aumenta no Brasil desde 1980.

O projeto “Trabalho e Pequenos Negócios no Brasil”, desenvolvido na Unicamp por Anselmo Luís dos Santos, professor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), analisa o crescimento e a fragilização das relações de trabalho nesse segmento do mercado, apontando suas principais causas.

Segundo o pesquisador, a expansão do que muitos chamam de “empreendedorismo” no Brasil é reflexo do elevado desemprego e de uma crise social agravada ao longo de décadas. A abertura de espaço para micro-empresas modernas, organizadas e eficientes seria bem menos significativa que o crescimento de pequenos empreendimentos atrasados.

“Houve uma precarização enorme do trabalho no Brasil e grande parte disso ocorreu por conta do aumento do peso das ocupações em pequenos negócios, onde se concentra a maior parcela dos trabalhadores sem carteira assinada, nenhum direito trabalhista, poucos benefícios resultantes de acordos sindicais, salários menores, etc”, diz o economista da Unicamp.

Atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e armas, por exemplo, também funcionariam através de pequenas “empresas”, embora não haja sistematização de dados nesses casos.

Enquanto, para alguns, a elevação do trabalho em atividades empreendedoras revela uma tendência mundial positiva, para outros, reflete a falta de oportunidades de trabalho.

Panorama

Como causas do fenômeno, o pesquisador aponta as baixas taxas de crescimento da economia brasileira, as redefinições das estratégias empresariais e a decorrente elevação do desemprego. Na década de 1980, o PIB do país avançou apenas 1,5%, em média. De 1991 a 2000, a taxa arrastou-se em 2,7%.

Por outro lado, o crescimento da população economicamente ativa, embora desacelerado, continuou significativo: de 1981 a 1990, era de 3%; entre 1991 e 2000, foi de 2,9%. Com o baixo dinamismo econômico e a constante entrada de pessoas no mercado de trabalho, o índice nacional de desemprego aberto foi multiplicado por 3,5 vezes, entre 1980 e 2003.

Nesse período, o Brasil ainda abriu sua economia à entrada de produtos estrangeiros e ampliou as possibilidades de ganho do capital financeiro. Enquanto empresas automobilísticas começaram a trazer peças – que antes eram produzidas internamente – de outros países e, além disso, enquanto diversos setores (como o têxtil, de calçados e brinquedos) passaram a sofrer forte concorrência externa com países como a China, por exemplo, o investimento no capital produtivo tornou-se cada vez mais desinteressante.

Mudanças organizacionais, como privatizações e terceirizações de serviços, também contribuíram para um novo desenho do mercado de trabalho. De acordo com Anselmo dos Santos, a estagnação econômica aliada a transformações técnico-produtivas (mudanças tecnológicas, gerenciais e de articulação entre a grande, média e pequena empresa) “enxugaram” os postos de trabalho.

O movimento contraditório de aumento da população economicamente ativa e incapacidade econômica de geração de empregos teria promovido uma proliferação enorme de ocupados em pequenos negócios precários, segundo o professor.

Precarização

A pesquisa indica que, no Brasil, os pequenos negócios que se utilizam do alto desemprego são os que crescem mais. Sem alternativa de sobrevivência, as pessoas tendem a aceitar qualquer trabalho. Por isso, há aumento de negócios que remuneram mal, não oferecem segurança, garantias ou benefícios.

Vendedores ambulantes, limpadores de terreno, flanelinhas… Uma série de atividades precárias aumenta, inclusive as ilegais, como prostituição e tráfico. Crescem também ocupações que exigem mais capital, como estabelecimentos nas periferias (manicures, cabelereiros, armazéns e pequenos armarinhos) e serviços de transporte alternativo (mototáxis e vans). Em menor quantidade, o mesmo acontece com empresas melhor localizadas (lojas em shoppings, academias e consultórios).

Já o número de ocupações em pequenos negócios que demandam maior qualificação e tecnologia (área de informática, telecomunicação, pesquisa e produção de softwares, vídeos e músicas) são bem mais baixos. “Ao contrário de Taiwan, Coréia, Itália e mesmo do Japão – países em que as pequenas empresas em crescimento são industriais ou prestadoras de serviços modernos -, esse movimento, embora exista, é muito pequeno aqui no Brasil”, aponta Santos.

Dados divulgados em 2005, pelo economista Marcio Pochmman, também da Unicamp, já mostravam que o principal motivo para abrir um novo empreendimento (não considerando regiões rurais, moradores de rua, empregados domésticos e ilegais) é não ter encontrado emprego.

Desde 1987, a falta de clientes é o principal obstáculo à operacionalização dos negócios, segundo entrevistas realizadas pelo IBGE em microempresas. Em 2003, quase 90% de microempresários informais não utilizavam serviços de informática em seus negócios, segundo o instituto.