Lei sobre aborto não muda desde os anos 40

O aborto é legalizado no Brasil em duas situações: em caso de risco de vida para a gestante ou de gravidez provocada por estupro. No entanto, a prática do aborto legal é baixa e o aborto ilegal tem uma incidência muito maior. Segundo a pesquisadora Maria Isabel Baltar da Rocha, do Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Unicamp, esse é o perfil da prática do aborto no Brasil.

O aborto não é punido no Brasil em duas situações: em caso de risco de vida para a gestante ou de gravidez provocada por estupro. No entanto, enquanto a prática do aborto legal é reduzida, a do aborto ilegal, portanto inseguro, ocorre com uma incidência muito grande. Os números da prática ilegal são inexatos, mas a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 1 milhão de abortos clandestinos acontecem anualmente no Brasil. Segundo a pesquisadora Maria Isabel Baltar da Rocha, do Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Unicamp, esse é o perfil da prática do aborto no Brasil. “Essa situação não muda, em parte, porque a legislação também não muda”, diz. “Desde meados do século passado surgem proposições no Congresso Nacional que tentam modificar a lei, mas como o tema gera muita polêmica, os projetos são arquivados ou são rejeitados na votação”, diz. A pesquisadora fez um levantamento sobre as proposições relacionadas ao tema que chegaram ao Congresso desde o fim da década de 1940.

A conseqüência mais imediata dessa situação é o risco à vida ou à saúde das mulheres que praticam o aborto ilegal. De acordo com Baltar da Rocha, existe hoje um projeto de lei, o PL 1135, na Câmara dos Deputados que prevê alterações na legislação, mas não há previsão de data para a votação. O documento incorporou a proposta elaborada por uma comissão tripartite composta por membros do governo, da sociedade civil e do próprio Congresso. O trecho que gera mais controvérsia diz respeito ao direito da interrupção voluntária da gravidez, ou seja, a descriminalização do aborto. “Como estamos em ano eleitoral, os deputados não querem se envolver em votações de temas polêmicos”, afirma Baltar da Rocha.

Para se ter uma idéia, a primeira versão dessa proposição foi enviada ao Congresso em 1991 e, desde então, vem sofrendo modificações e incorporando o conteúdo de outros projetos, sem nunca entrar efetivamente em votação.

Para a pesquisadora, os projetos nunca saem do papel porque as forças que jogam contra e a favor da descriminalização são poderosas. Considerando a legislatura atual (2003 a 2007) e a anterior (1999 a 2003), foram feitas 33 proposições no Congresso relacionadas ao aborto (até abril de 2006). De acordo com Baltar da Rocha, esse é um dos períodos da história do país de maior discussão política sobre o tema.

Ainda de acordo com o levantamento da pesquisadora, os projetos contra a idéia da interrupção da gestação como um direito da mulher foram apresentados, em sua maioria, por setores religiosos liderados pela Igreja Católica. Uma das proposições, por exemplo, garante o direito à vida desde o momento de sua concepção, outra propõe um sistema de assistência à mulher vítima de violência sexual e à criança fruto da gestação resultante do estupro e há, ainda, uma proposta para instituir a data de 25 de março, como dia do nascituro (nove meses antes do Natal).

Já os projetos de lei a favor da descriminalização foram apresentados por grupos liderados ou com o apoio do movimento feminista. Alguns são mais abrangentes como o citado projeto, e outros mais pontuais como a permissão do aborto em caso de anomalia fetal (alguns casos de anencefalia já são autorizados via ordem judicial). Ainda há as proposições que permitem o aborto em casos da gestante ser portadora de HIV e de lesão irreversível ao corpo da mulher.

O resultado desse jogo de forças é que nenhum projeto é aprovado. Até o momento apenas um passou: o que garante o abono no trabalho para faltas que acontecem em decorrência do aborto, mesmo que este seja praticado de forma clandestina.

Democracia

Para Baltar da Rocha, mesmo que não haja previsão para definições no campo legal, há um grande avanço na discussão sobre o tema. “Desde a redemocratização do país, as discussões se ampliam e isso é bom para todos”, diz. Antes disso, a discussão era muito incipiente e quase sempre influenciada por uma visão religiosa que pregava o fim da prática do aborto, inclusive, reitera a pesquisadora, no sentido de impedir os casos já permitidos por lei.

Com a organização do movimento feminista no Brasil, nos anos 1970, a discussão se ampliou. “Mas somente a partir dos anos 1980, no contexto do processo da redemocratização do país, o assunto foi mais à público”, diz a pesquisadora. Desde esse período, cada vez mais proposições são enviadas ao Congresso e novos setores da sociedade entram no debate. Um exemplo disso é a organização Católicas Pelo Direito de Decidir, composta por mulheres que discordam da posição oficial da igreja católica a respeito de questões referentes à sexualidade e à reprodução.

Baltar da Rocha chama a atenção para um outro fato: a reduzida estrutura para atender os casos de aborto legal. Segundo levantamento da referida organização são 37 hospitais, em 21 estados e no Distrito Federal, sendo que o primeiro programa foi implantado no Hospital do Jabaquara, em São Paulo, em 1989. “Atendimentos especializados diminuem o risco de lesão ou morte da mulher, mas ainda são relativamente poucos”, diz a pesquisadora.

De acordo com o documento da Comissão Tripartite, a maioria dos abortos inseguros ocorre com mulheres de baixa renda, sobretudo mulheres negras, e os principais danos à saúde desse tipo de prática são perfuração do útero, hemorragia e infecção. Em 2004, o SUS (Sistema Único de Saúde) atendeu 240 mil casos de mulheres com lesões pós-aborto. “Em muitos países onde houve a descriminalização, a quantidade de abortos foi reduzida”, diz Baltar da Rocha.

Diferentes discursos encontram nicho na divulgação da ciência

Uma é mercadológica, a outra, institucional, mas ambas tem o objetivo de divulgar ciência. Estudo sobre o discurso das revistas Pesquisa Fapesp e Superinteressante mostrou que as linguagens seguem regras que não estão em um manual, mas funciona como uma rede de restrições.

Apenas com os textos à mão é possível delinear alguns aspectos do perfil editorial de publicações. Por meio da Análise do Discurso, a pesquisadora do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcela Fossey, identificou a existência de regras que não estão no papel mas que delimitam as possibilidades do dizer das revistas Superinteressante e Pesquisa Fapesp. Ao examinar o conteúdo dos periódicos, ela concluiu que a primeira apresenta maior distância entre cientistas e jornalistas e na segunda há mais interação entre o pesquisador e o divulgador.

As falas do cientista e do jornalista são bem marcadas na Superinteressante, por meio de discurso direto, entre aspas ou do emprego de palavras como “segundo”, “explica”, de forma a marcar a distância existente entre esses atores. Já na Pesquisa Fapesp, o texto mistura o discurso de cientistas e jornalistas, dificultando a identificação de autoria das enunciações. “O texto apresenta mais formas de discurso relatado indireto e indireto livre, o que indica mais interação entre ambos”, pontua Fossey.

Certas características textuais não desaparecem com os anos. “A Fapesp nunca vai chamar Alexandre o Grande de ’Xandão’, como fez a Super[interessante]”, exemplifica. A perpectiva utilizada no estudo define regras que não estão no papel, mas que determinam as dimensões do discurso e funcionam também como uma rede de restrições. A análise foi feita em 10 artigos da Superinteressante escolhidos aleatoriamente no período de 1987 a 2005 e em 12 artigos da Pesquisa Fapesp selecionados entre 1996 a 2005.

Diferentes perfis

Com tiragem de 35,7 mil exemplares mensais, a Pesquisa Fapesp nasceu como um boletim institucional, em 1995, e passou a ser vendida em bancas e enviada gratuitamente para 22 mil pesquisadores em 2002. Se no início, o espaço era reservado para a divulgação dos estudos mantidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), hoje a revista se autodenomina uma revista voltada para divulgar e valorizar a pesquisa brasileira. “Ela está fazendo escola e muitas fundações de [amparo à] pesquisa no Brasil estão seguindo o seu caminho”, lembra o professor de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, Wilson Bueno. Entre as fundações que lançaram publicações estão a Minas Faz Ciência da Fapemig (MG), a Amazonas Ciência da Fapeam (AM) e a Ciência em Rede da Facepe (PE) em parceria com as FAPs do Norte e Nordeste. No entanto, essas publicações estão restritas à distribuição pela Fundação e não são vendidas em bancas de jornal.

Já a Superinteressante é uma das revistas que mais vendem na área de divulgação científica, e tem melhor penetração, chegando a uma tiragem superior a 400 mil exemplares por mês. Por isso, Wilson Bueno enfatiza que é necessário prestar atenção ao trabalho que ela realiza para interagir com o público jovem, como a exploração de recursos gráficos e cores. “Ainda que possa ter restrições a sua atual investida por temas que se situam na fronteira da ciência e tenha uma perspectiva muitas vezes enciclopédica, até meio almanaque, [a revista] cumpre bem o seu papel, trazendo informações para um público que normalmente está distante da ciência e da tecnologia”, analisa.

Publicada pelo Grupo Abril desde 1987, com a compra dos direitos de publicar no Brasil a revista espanhola Muy Interesante, a Superinteressante foi uma das primeiras que abordaram temas de ciência e tecnologia no país. Com uma abordagem da ciência mais superficial e centrada nos resultados, ela costuma tratar de um tema e não de uma pesquisa, enquanto a Pesquisa Fapesp faz o oposto e tende a dar espaço para estudos, principalmente os financiados pela própria instituição de fomento.“As duas têm os seus lugares no mercado e cada uma é voltada para um público diferente”, explica.

Fossey concorda com Bueno sobre os papéis diferenciados de cada publicação no jornalismo científico brasileiro. Embora diferentes, são importantes e, “apesar [de a Superinteressante] apostar pouco na capacidade de compreensão das pessoas, a ciência não é a prejudicada por causa disso. Eu não acho que ela seja reponsável por nada ruim em relação à imagem da ciência”, pondera a pesquisadora.

Pavimentação de trecho da Bocaina provoca discussão

O Parque Nacional da Serra da Bocaina, localizado na divisa entre os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (RJ), é foco de um conflito que envolve a pavimentação de um trecho de 9,6 km, que liga os municípios de Cunha e Paraty. O debate se inflama com as diferentes posições de representantes de órgãos federais, estaduais, municipais, e também de ambientalistas e da sociedade civil.

Em toda a flora destacam-se pinheiros, araucárias, cedros, palmitos, imbaúbas; na fauna, espécies endêmicas (peculiares à região) de animais, como o sagui-da-serra-escura, e o tamanduá-mirim. A rica biodiversidade do Parque Nacional da Serra da Bocaina, localizada na divisa entre os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (RJ), é foco de um conflito que envolve a pavimentação de um trecho de 9,6 km, que liga os municípios de Cunha e Paraty (ambos RJ). Novamente, como prática local, a aproximação das eleições traz à tona o debate sobre a possível “estabilização” da estrada (como dizem alguns engenheiros), de modo a torná-la trafegável. Essa é uma reivindicação antiga de moradores das cidades vizinhas, bem como de turistas, caminhoneiros, dentre outros “motoristas/passageiros”. Dependendo da pavimentação há o impedimento da infiltração de águas pluviais, levando a região a pesados impactos, conforme o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do Parque. O debate se inflama com as diferentes posições de representantes de órgãos federais, estaduais, municipais, e também de ambientalistas e da sociedade civil.Créditos: Ibama (Parque Nacional da Serra da Bocaina)

As “campanhas” pró e contra a pavimentação na trilha Paraty-Cunha são anunciadas há mais de 30 anos, mas não trouxeram qualquer tipo de resolução efetiva tanto para o meio ambiente quanto para os transeuntes, segundo ambientalistas. Apesar disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) iniciou o processo de solução para o impasse de anos e contratou em 2001 uma equipe interdisciplinar de 26 profissionais para elaborar o Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Bocaina. O grupo era formado por profissionais de diferentes áreas: biólogos, geólogos, historiadores, arquitetos, economistas, agrônomos, advogados, engenheiros florestais, e engenheiros civis – especialistas em implantação de estradas e na avaliação de impactos ambientais resultantes da via de acesso. Dentre eles, estavam pesquisadores da Unicamp, como Sueli Thomaziello e Rosely Ferreira dos Santos, ambas da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, e que foram coordenadoras do projeto.

O Plano de Manejo – documento técnico-institucional onde constam diretrizes, normas e diagnóstico do local – foi entregue ao Ibama e há uma cópia oficial na Unicamp, sob o Convênio Funcamp. Entretanto, uma suposta arbitrariedade no uso da documentação causou indignação à equipe que trabalhou para sua elaboração. As coordenadoras do projeto disseram que receberam telefonemas e mensagens eletrônicas denunciando que o encarte 5 deste Plano – que cita a inviabilidade de pavimentação na trilha de 9.600 km da Serra -, tinha sido ignorado por órgãos federais e locais. Nesta mesma denúncia, cita-se que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assinou o Protocolo de Intenções pelo qual o Ibama, o Departamento de Estradas e Rodagem do Estado do Rio de Janeiro(DER/RJ), Superintendência do Ibama do Rio de Janeiro, prefeituras municipais de Paraty e Cunha e a Eletronuclear se comprometiam a pavimentar a Estrada Paraty-Cunha.

Segundo Rosely Santos, embora o Ibama tenha autonomia oficial para mudar as diretrizes do plano, o Instituto não poderia ignorar a conclusão da equipe que desenvolveu o Plano de Manejo, que aponta a inviabilidade da pavimentação da trilha, independente de estar ou não em uma Unidade de Conservação. O anúncio da decisão de pavimentação causou indignação aos profissionais da Unicamp envolvidos, que afirmam, em um documento de esclarecimento público, ter firmado um acordo com os órgãos envolvidos concordando com a decisão na época, em 2001. “Não nos contrapomos às decisões posteriores à entrega do Plano, mas não podemos admitir que o trabalho profissional da equipe seja indevidamente usado”, enfatiza Santos com veemência.

Apesar disso, a campanha “pró” estrada tem sido forte na região e não é de hoje. A trilha já foi embargada por algumas vezes e os municípios vizinhos tentaram firmar um acordo de gerência própria do trecho junto com o Ibama, mas não obtiveram sucesso, conforme conta o diretor do Departamento de Meio Ambiente de Paraty, Sérgio Godoy. Ele é um dos manifestantes pró-ativos da causa: “A estrada existe antes do parque ser instituído e a trafegabilidade também. Por isso, pavimentar o local é um direito da população local. Não há como esquecer isso, os habitantes de Cunha e Paraty usam a estrada para fazerem o intercâmbio. Além disso, o local necessita de vários ajustes, que já foram inseridos no Plano de Manejo e deverão ser feitos”.

Segundo o chefe do Ibama, responsável pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina, Dalton Novaes, houve um equívoco a respeito do assunto, pois o órgão não tomou decisão contrária ao que foi elaborado no Plano. Ele afirma que o DER/RJ se propõe a fazer a melhoria proposta pelo Plano de Manejo, por meio de um projeto executivo para melhor a trafegabilidade no local, mas deverá seguir as prerrogativas e normas do documento de 2001. “Meu compromisso é com a preservação do meio ambiente e vou brigar por isso até quando for preciso. Isso implica em trabalhar sempre a partir do Plano”, ressalta, e acrescenta: “o Protocolo de Intenções enviado a mim no dia 27 de abril, em memorando do gabinete do Governo do Rio de Janeiro, solicita uma nota técnica da chefia do Ibama daqui, ou seja, meu parecer e nisso inclui a não pavimentação”.

Enquanto a discussão ganha corpo o prazo para o vencimento do Plano de Manejo torna-se próximo. Elaborado em 2001, a vigência do Plano termina este ano sem que tenha sido usado para a execução das melhorias propostas (leia mais abaixo). O Plano deverá ser revisado, mas Novaes sublinha que deixará esta ação para o próximo ano. “Haverá uma reavaliação, até porque há critérios que não condizem com a realidade local e que precisam ser revistos. A proposta para 2007 é revisar este plano e convocar diversos profissionais, também aqueles que trabalharam no primeiro projeto para adequarmos as melhorias. Tudo com a maior transparência possível porque o Parque Nacional da Serra da Bocaina é um patrimônio de todos nós”, declara.

Plano de Manejo defende conservação da área

O conteúdo do Plano de Manejo traz uma proposta com vários critérios para preservação do trecho de 9.600 km do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Dentre eles, a instalação de guaritas para controlar o acesso de veículos, impedindo a movimentação de reses, o transporte de madeira, palmito e da fauna da região.

Essas medidas ajudariam a evitar que haja mais desmatamento. Conforme ambientalistas, pelo menos 400 hectares de Mata Atlântica primária foram destruídos por conta da criação ilegal de gado, que chegou a ser engordado dentro dos limites da Unidade.

Embora, sem estudos comprovados, o local criado pelo Decreto Federal 68.172, em 1971, é conhecido por historiadores e pesquisadores como o Caminho do Ouro. Sua área deve ter servido como porta de entrada para os bandeirantes descobrirem minas, já houveram escavações e explorações turísticas. “Há grandes índices históricos de que os bandeirantes passavam pelo trecho. Existem pedras que provavelmente foram colocadas ali por escravos”, observa Sueli Thomaziello, que acredita serem estes aspectos históricos argumentos importantes para que se mantenha a conservação da área.