Física brasileira: pesquisa sofisticada e pouco conhecida.

Desde os anos 1940, a pesquisa brasileira em física cresceu, diversificou-se e atingiu nível de excelência. Contudo a falta de visibilidade desse panorama e a pouca incorporação de doutores em física pelas empresas revela um quadro preocupante. A questão sobressaiu-se durante o XXIX Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada, ocorrido no início de maio.

“O físico trabalha em um passo anterior do desenvolvimento tecnológico, justamente no momento de explicar como um sistema funciona, para depois um engenheiro ou um físico mais aplicado transformar esse conhecimento em um produto”, é o que explica a física Márcia Cristina Barbosa, do departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenadora geral do XXIX Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada, ocorrido no início de maio de 2006.

No evento, um dos pontos que se sobressaiu foi a contraposição entre a sofisticação da pesquisa brasileira realizada na física, e o desconhecimento da sociedade civil ou das empresas sobre isso. Pesquisas de física básica – por exemplo – viabilizam a confecção de produtos tecnológicos na medicina, na microeletrônica e em materiais de uso cotidiano das pessoas, como cosméticos, mas isso é pouco difundido.

Celulares multifuncionais tornaram-se acessórios de boa parte da população brasileira, mas o que é pouco popularizado é o que vem antes de um produto tecnológico como esse chegar a comercialização. Nesse panorama as intensas pesquisas, tanto teóricas, como experimentais, que possibilitam a sua aplicação, desaparecem. Outro ponto que é pouco difundido para a população é que essa física também é feita no Brasil e com excelência. Atualmente, um dos pontos fortes da física brasileira é aquele de áreas multidisciplinares como a de nanociências e a de física aplicada a sistemas biológicos, que possuem um caráter estratégico tanto a nível nacional como internacional.

Além da falta de conhecimento da sociedade sobre o papel do físico dentro do desenvolvimento tecnológico do país, Barbosa aponta o problema de políticas públicas que promovam visibilidade aos 230 doutores em física que se formam por ano. “É preciso criar mecanismos que motivem esses doutores, que possuem uma excelente formação, a incorporar as empresas brasileiras, isso é fundamental para o desenvolvimento do país”, argumenta a pesquisadora. Barbosa cita como exemplo o programa que está sendo criado pelo INMETRO, que absorverá parte dos físicos que permaneceriam na academia.

Contudo, esse parece ser um problema generalizado, dentro de todas as áreas da ciência investigadas no Brasil: são cerca de 6 mil doutores a cada ano e não há colocação para todos nas universidades. Embora as empresas de fomento brasileiras tenham criado mecanismos para que esses profissionais superqualificados permaneçam no país, o investimento de cerca de R$ 200 mil para a formação de cada doutor (do primeiro grau até a obtenção do título) ainda pode ser perdido caso não encontrem boas oportunidades de trabalho aqui.

INVESTIMENTOS EM P & D

Um dos entraves da economia brasileira é a falta de amadurecimento em relação a atividade de inovação tecnológica por parte das empresas nacionais. Além disso, é preciso que o Brasil permita, por meio de leis de incentivos fiscais, de uma estrutura tributária menos complicada e – até mesmo – de subsídios (pratica comum em países desenvolvidos) que as empresas invistam em pesquisa e desenvolvimento, uma vez que “para promover inovação tecnológica é necessário pessoas com uma base científica forte dentro das empresas”, defende Barbosa.

O Brasil possui indicadores similares a de países do leste europeu, e bem diferentes de países em desenvolvimento como a Coréia do Sul, que possui 39% de seus doutores trabalhando em empresas. No Brasil, 83% dos doutores ainda pesquisam em universidades após a pós-graduação, enquanto que em países desenvolvidos como os Estados Unidos da América, cerca de 80% de cientistas trabalham nas empresas.

Segundo a pesquisadora, se a comunidade científica estivesse alicerçada na sociedade ela poderia interferir nos processos da ciranda ciência e tecnologia, mas esse alicerce também não existe. “A população mal sabe o que a gente faz. É preciso divulgar o conhecimento produzido pelos físicos brasileiros e mostrar que a física não é assustadora, feia ou complicada como ela é mitificada.”, completa Barbosa.

Conhecimento geográfico dialoga com utopias

O conhecimento geográfico sobre o mundo na antiguidade era muito diferente do conhecimento sobre o mundo de hoje. O desconhecido foi muitas vezes representado influenciado pelas utopias medievais. Hoje, mesmo com os avanços das geotecnologias as utopias continuam existindo e criam lugares imaginários.

Pareceria óbvio demais dizer que o conhecimento geográfico que se tinha do mundo na antiguidade era muito diferente do conhecimento sobre o mundo de hoje. Para os antigos, o mundo era plano, entendido como uma grande ilha circundada por todos os lados por um vasto oceano. O desconhecido foi muitas vezes representado pela literatura ou sobre a forma de mapas influenciado pelas utopias medievais. Hoje, mesmo com os avanços das geotecnologias – como os satélites que proporcionam um conhecimento avançado não apenas sobre o nosso planeta, mas sobre o Universo – as utopias continuam existindo e criam lugares imaginários.

“A maior utopia presente hoje é a idéia da possibilidade de um desenvolvimento sustentável”, exemplifica Márcia Siqueira de Carvalho, pesquisadora da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A definição de desenvolvimento sustentável é muito complexa devido as diferentes perspectivas assumidas pelas mais diversas áreas, desde o ambientalismo, passando pelas ciências sociais até a economia. Nesse sentido, Carvalho acredita que seja importante questionar em quais direções e sob quais definições o mundo caminha. “Por isso, a utopia é uma discussão sempre presente e a idéia de um desenvolvimento sustentável é uma das utopias possíveis”, ressalta. As comemorações da auto-suficiência alcançada pelo Brasil na produção do petróleo, por exemplo, abrem questionamentos sobre a utopia existente entre a exploração industrial de um recurso mineral – que polui e degrada – em contraponto aos modelos de desenvolvimento sustentável que apontam para as fontes de energia alternativas, bem como a preservação do líquido negro para as próximas gerações.

(GIF)Carvalho acaba de lançar o livro “A Geografia Desconhecida” onde aprofunda questões envolvendo a Geografia na Idade Média e explora o conceito de utopias medievais. Para ela, apesar da palavra utopia ter nascido para designar um lugar ideal inexistente, a aplicação do termo para o período medieval é adequado numa ótica geográfica. “A escolha do termo utopias faz-se no sentido delas serem não-lugares reais, concretos, porém existentes no imaginário e nas mentes medievais. É uma maneira mais geográfica, ao meu ver, de tratar a concepção espacial nessa época na ótica de uma geógrafa e não de uma historiadora”, explica.

A busca por lugares desconhecidos pelos homens da antiguidade se baseava na descrição dos lugares, uma descrição com um conteúdo geográfico. Apesar de muitos desses lugares não existirem, foram feitos mapas. De acordo com Carvalho, da UEL, a definição da palavra utopia foi dada por Tomas Morus (1480 – 1535) e significa a reunião dos elementos gregos óu (não) e tópus (lugar). Carvalho explica que Morus, em sua obra Utopia (1516), representava um lugar imaginário, ou seja, uma ilha onde havia divisão de classes e o trabalho era obrigatório. Um dos primeiros exemplos literários representativos dessa geografia dos lugares imaginários pode ser considerada com a obra de Platão, A República, onde o filósofo retrata a ausência da propriedade privada da terra e das coisas e a não necessidade do dinheiro. Em 1601 a obra, Cidade do Sol, de Tomasso Campanela, representa outra obra literária relativa a um lugar utópico.

A autora informa que sua pesquisa procura se aproximar de questões sobre como e por que o desenvolvimento de um conhecimento científico é considerado durante a evolução histórica e um outro cai no esquecimento. Essa dúvida surgiu, pois dificilmente ouve-se falar em geógrafos de outras partes do mundo que não sejam europeus. “Por exemplo, ninguém trabalha com o pensamento de Bumbury que escreveu dois volumes sobre o pensamento geográfico na antiguidade, mas não porque ele não existiu, mas porque ele é desconhecido mesmo”. Carvalho destaca que as disciplinas que trabalham a história do pensamento geográfico enfocam o início da geografia enquanto ciência. Em geral, os cursos de graduação enfocam a sistematização do pensamento geográfico e o início da geografia enquanto ciência, que se deu no século XIX na Europa Ocidental, com Karl Ritter e Alexandre von Humboldt.

A pesquisadora explora o tema desde 1994 e as dificuldades de encontrar bibliografia sobre o pensamento geográfico na Idade Média e no Renascimento despertaram a necessidade de divulgar seu trabalho. “Geralmente esse tema não é sequer tocado nos cursos de graduação, como se não tivesse importância conhecermos a história da Geografia desde a Antigüidade. Estou, por esse motivo, dando uma pequena contribuição para que essa situação se modifique. Um exemplo é o texto Geografia e Utopias Medievais. Entre 2000 e 2003 coordenei um projeto de extensão para estudantes que precisam obter informações de Geografia na WEB”, explica a pesquisadora. [veja referência abaixo].

História do Pensamento geográfico

Geografia e Utopias Medievais

Interferência do homem acelera erosão no litoral brasileiro

Ao longo de 10 anos foi feito o mapeamento dos pontos de erosão e progradação do litoral brasileiro. O trabalho será publicado em forma de atlas pelo Ministério do Meio Ambiente e aponta as possíveis causas para os fenômenos e ações do governo em relação a ocupação da orla.

Uma versão preliminar do relatório de um dos grupos de trabalho do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), divulgado no início do mês, prevê que o globo sofrerá um acréscimo de 2 a 4,5 graus em sua temperatura. O derretimento de geleiras continentais e polares poderia elevar o nível dos mares em 43 centímetros até 2100.

Preocupado com previsões como essa, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) encomendou um mapeamento dos pontos de erosão e progradação do litoral brasileiro, há pouco menos de 10 anos. O atlas – resultado do trabalho – está em fase de editoração e deverá ser publicado nos próximos meses, segundo o geólogo Moysés Gonsalez Tessler, do Instituto Oceanográfico da USP, coordenador local do projeto.

Cerca de 60% da população brasileira ocupa diretamente a linha de costa litorânea ou possui alguma atividade relacionada a esta, o que caracteriza a extrema importância dessa faixa do território brasileiro para o desenvolvimento econômico do país. Nessa direção, o estudo chama a atenção para as obras rígidas e a forma de ocupação da orla brasileira.

A pesquisa confrontou as tendências da escala de tempo geológica com o que está acontecendo do ponto de vista da escala de tempo histórica (onde há envolvimento humano no processo). “De onde saem e para onde vão as areias, porque saem e porque se acumulam em determinados locais”, simplifica Tessler.

Um exemplo claro da interferência humana é a perda da capacidade de desobstrução dos sedimentos marinhos do rio São Francisco em sua desembocadura – as obras rígidas, ao longo do seu percurso, regularizaram a taxa de vazão das águas fluviais. Como uma das conseqüências, a vila do Cabeço, na foz do rio, em Sergipe, foi tragada pelo mar, uma vez que se promoveu um desequilíbrio no volume de sedimentos depositados no litoral.

A pesquisa de Tessler apresenta uma dicotomia entre as análises dos dados na escala geológica e histórica: enquanto que para a primeira, que considera a evolução dos últimos 7 mil anos do nível do mar, a linha de costa está em avanço (progradação), na segunda – por meio de avaliações maregráficas – em recuo (erosão). No mundo, pelo menos 70% das costas arenosas estão erodidas, 10% em avanço e 20% não apresentam mudanças significativas.

Os fatores que podem explicar o recuo das linhas de costa, na escala histórica, são a própria variação do nível do mar por processos glaciais, tectônicos ou geoidais (da pulsação da Terra); climatológicos (maior intensidades das tempestades) e ação humana (estruturas rígidas como portos e atracadouros).

Há pontos do mapeamento cuja análise é direta: o equilíbrio da dinâmica sedimentar costeira é afetado porque se construiu obras rígidas, como é o caso dos molhes do porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que promove erosão nas praias de São José e progradação na praia do Cassino. Por outro lado, em alguns pontos do estudo, a origem da erosão não é clara, podendo haver a sobreposição de vários fatores. De qualquer forma, “efetivamente o homem está acelerando os processos de erosão, nos últimos 60 anos”, declara Tessler. Caso previsões como as do IPCC se confirmem, “em São Paulo, na região de Ubatura – boa parte formada por costões rochosos – não haverá qualquer recuo da linha de costa, por outro lado, Ilha Comprida – cuja declividade da praia é inferior a dois graus – quase desapareceria”, exemplifica o pesquisador. O atlas será vinculado ao Projeto Orla do MMA e ajudará na monitoração de áreas críticas do litoral brasileiro, assim como no desenvolvimento sustentável dessas áreas, por meio do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro (Gerco), do mesmo Ministério.