Doenças negligenciadas ganham agenda de pesquisa

Mais pesquisa, desenvolvimento e inovação para doenças negligenciadas. Essa é uma das preocupações da OMS e do governo brasileiro para mudar a realidade dos países em desenvolvimento. Está previsto para este mês o lançamento de edital de pesquisa que priorizará, entre outros temas, o estudo de seis doenças tropicais.

Apenas 13 novas drogas para doenças negligenciadas chegaram ao mercado de 1975 a 1999. Aids, doença do sono e outras enfermidades que se espalham por países em desenvolvimento têm sido relegadas pela indústria farmacêutica, por apresentarem baixo retorno financeiro. Algumas ações, no entanto, estão procurando mudar esse cenário no Brasil e no mundo. No final de maio, a 59ª Assembléia Mundial da Saúde da OMS (Genebra, Suíça) decidiu criar um grupo de trabalho intergovernamental para formular uma estratégia global de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) para tratamentos de doenças tropicais. Apesar de não ser uma ação conjunta, entre os 22 editais de pesquisa do governo também será dada prioridade à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de ferramentas para combater leishmaniose, dengue, tuberculose, malária, chagas e hanseníase. A previsão é de que os editais, orçados em R$ 20 milhões, sejam lançados nas primeiras semanas de junho.

Segundo a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e especialista em propriedade intelectual, Claudia Chamas, “a responsabilidade pelo problema é mundial e requer uma tomada de decisão rápida, já que a situação em muitos países – especialmente nos africanos – é dramática”. Ela ressalta que a formulação de diretrizes para a Política Nacional de Ciência e Tecnologia em saúde tem caráter estratégico.

De forma geral, os medicamentos são desenvolvidos e patenteados por empresas privadas e os investimentos destinados a medicamentos interessantes do ponto de vista econômico. No caso da Aids, há incentivos, mas P&D estão voltados à realidade dos países ricos, beneficiando em maior escala 5% da população infectada. Representante da ONGs Médicos sem Fronteiras (MSF) e DNDi, Michel Lotrowska exemplifica alguns problemas dessa disparidade. “O diagnóstico é ainda caro e há dificuldade de detectar o HIV em crianças porque, nos países desenvolvidos, existe um controle rigoroso das mães soropositivas”, diz ele.

O outro lado da moeda é a doença do sono, a mais negligenciada das doenças, segundo Pecoul. Mesmo com a estimativa de que 300 mil africanos estejam infectados e, se não tratada, torna-se fatal, os medicamentos são antigos, tóxicos e caros. A nutrição inadequada, a falta de saneamento básico e o consumo de água não tratada agravam o problema das doenças negligenciadas nos países subdesenvolvidos.

Bernard Pecoul, diretor da Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês) mostrou durante o fórum da Comissão de Direitos de Propriedade Intelectual, Inovação e Saúde Pública (CIPIH, sigla em inglês) da OMS, que o mercado farmacêutico mundial movimentou US$ 518 bilhões em 2004. Ainda segundo Pecoul, apenas entre 1 e 2% é gasto com P&D de doenças tropicais, ou seja, 1% das novas drogas são desenvolvidas para essas enfermidades.

Sistema de patentes

Ponto de conflito entre empresas e instituições sociais, como ONGs, a Assembléia Mundial da Saúde decidiu que a OMS vai levar em consideração as recomendações do relatório da CIPIH – organizado em 2004 – para elaborar uma estratégia global será apresentada em 2008. Uma das sugestões é que os países sustentem os poderes legais para usar a licença compulsória.

A decisão da OMS foi baseada em três documentos: os relatórios Brasil-Quênia (2006) e da CIPIH (2004) e um Apelo por mais P&D, organizado pela DNDi. Em linhas gerais, as sugestões se detêm na construção uma agenda governamental de PD&I para doenças negligenciadas e na facilitação de acesso a tecnologias por meio da flexibilização do sistema de patentes. “O problema dos países em desenvolvimento não se fixa na produção, mas na inovação e o sistema de patentes limita a produção e inibe a transferência de tecnologia”, afirma Lotrowska.

A cooperação tecnológica para facilitar o acesso a inovações em saúde pública está prevista no Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPs, sigla em inglês). Mas, segundo estudos da CIPIH, o TRIPs não cumpre o papel de incentivar o desenvolvimento tecnológico, visto que os medicamentos e tratamentos para doenças negligenciadas são uma lacuna no mercado.

A indústria farmacêutica se defende, argumentando que o sistema de patentes é uma proteção de retorno à empresa que investe entre US$200 mil a US$1 bilhão no desenvolvimento de um novo medicamento. A Novartis apresenta alternativas como a criação de um sistema especial para incentivar a pesquisa e as parcerias público privadas (PPPs), exemplificando casos como o Instituto de Doenças Tropicais em Cingapura, da própria empresa, e o Instituto de Pesquisa em Bangalore (Índia), da AstraZeneca. Mas os especialistas acreditam que as PPPs sozinhas não vão sanar os problemas da falta de inovações para combate de doenças tropicais, pois é preciso despertar o interesse da indústria para essa área.

Diante desse quadro, torna-se fundamental a harmonia entre as ações. “As negociações para a flexibilização dos direitos de propriedade industrial não eliminam a necessidade de políticas para a construção da capacidade de gerenciamento da propriedade intelectual em países em desenvolvimento”, explica Chamas.

Brasil

Além de ser um receptor de tecnologia, junto com África do Sul, Índia, China e outros, o Brasil faz parte do grupo dos Países em Desenvolvimento Inovadores (IDCs, sigla em inglês), que procuram inovar na área da saúde para preencher as lacunas da indústria farmacêutica. Segundo a pesquisadora da Fiocruz, isso demonstra um interessante padrão de acumulação, baseado em informação e conhecimento que impacta as políticas locais de inovação e as relações com os outros países.

Esquizofrenia limita entendimento de linguagem corporal

Compreender o significado de um movimento do corpo ou de uma postura frente a determinada situação é fácil para muitas pessoas. Mas pesquisas norte-americanas dão indícios de que pacientes que sofrem de esquizofrenia não têm a mesma capacidade de percepção social que aqueles que não têm a doença.

Compreender o significado de um movimento do corpo ou de uma postura frente a determinada situação é fácil para muitas pessoas. Mas pesquisas norte-americanas dão indícios de que pacientes que sofrem de esquizofrenia não têm a mesma capacidade de percepção social que aqueles que não têm a doença. Mesmo em níveis moderados ou tratados com remédios, esquizofrênicos não têm “fluência” na linguagem corporal, de acordo com pesquisadores da Universidade de Iowa.

O grupo formado por Nirav Bigelow, Sergio Paradiso e Nancy Andreasen, em artigo publicado na Schizophrenia Research de abril deste ano, mostrou, através de testes com vídeos, que indivíduos com a doença não conseguem diferenciar satisfatoriamente movimentos de alegria e tristeza, por exemplo.

Segundo Mario Rodrigues Louzã Neto, médico assistente e coordenador do Projeto Esquizofrenia (PROJESQ) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP, trata-se de um novo trabalho na direção do que já se conhece. Estudos prévios feitos por Paradiso e Andreasen – ambos professores de psiquiatria – já mostravam que pacientes com esquizofrenia têm problema em decifrar expressões faciais.

Para o professor brasileiro, o artigo tem importância porque aprofunda o conhecimento de onde residem essas falhas. “Existem casos de pacientes que não olham nos pontos essenciais, como nos olhos e na boca, para decodificar estado emocional de uma face”, exemplifica. “Como os códigos sociais são muito complexos, para criar meios de superar ou contornar essas falhas, é necessário que se entenda como elas ocorrem”, explica Mario Louzã.

O estudo norte-americano incluiu 14 pessoas sem esquizofrenia e 20 com esquizofrenia que estavam tomando remédio e tinham suaves sintomas moderados. Em um dos testes, participantes assistiram um vídeo de corpos humanos em movimento. As imagens eram manipuladas de um modo que as características faciais ou o formato dos corpos não podiam ser vistos. Ao invés disso, somente pontos de luz, atados às juntas, eram visíveis quando se moviam. Baseados na velocidade e no padrão dos pontos de luz, indivíduos com esquizofrenia e voluntários saudáveis foram levados a determinar se o movimento descrevia alegria ou tristeza. O estudo mostrou que indivíduos com esquizofrenia não podiam decifrar essas emoções.

Participantes do estudo também viram clipes com conteúdo de cenas complexas de situações sociais em que o rosto dos atores eram apagados. Os participantes assistiram, depois, as mesmas cenas com as faces. Pessoas com esquizofrenia não melhoraram suas performances pois, mesmo com as faces descobertas, não identificaram totalmente o humor das pessoas em cena.

O estudo aponta que o tratamento padrão para esquizofrenia não parece ser capaz de melhorar a percepção que ajuda a sociabilidade com os outros. A disfunção também não parece ter relação com o nível de inteligência. O próximo passo a ser dado pelos pesquisadores da Universidade de Iowa é examinar mais de perto como a medicação usada para tratar esquizofrenia afeta a percepção social e se diferentes medicações teriam diferentes efeitos. De acordo com Mario Louzã, hoje os medicamentos são mais eficazes e têm menos efeitos colaterais que os mais antigos – que causavam muitos tremores nos pacientes.

Além da medicação, o tratamento da esquizofrenia pode ser feito com reabilitação, através de terapias. Louzã cita o chamado social skill training, utilizado desde a década passada, em que mostram-se vídeos explicando a maneira de agir dos atores e os esquizofrênicos aprendem a identificar emoções e lidar com situações corriqueiras, banais para a maioria das pessoas.

Irradiação de alimentos é tema antigo, mas ainda controverso

O físico Alexandre Soares Leal, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), aponta benefícios da irradiação dos alimentos e atribui o receio que a população tem de consumir esses alimentos à constituição de um “imaginário negativo” ligado à questão nuclear. Já a ONG Public Citizen Brasil enumera vários perigos e problemas e questiona os benefícios da ampliação do uso dessa tecnologia no país.

A irradiação de alimentos é um tema controverso. O físico Alexandre Soares Leal, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), aponta vários benefícios dessa tecnologia e atribui o receio que a população tem de consumir alimentos irradiados à constituição de um “imaginário negativo” ligado à questão nuclear. Já os membros da ONG Public Citizen Brasil alertam para os possíveis perigos decorrentes do uso da radiação nos alimentos e questionam os benefícios da ampliação do uso dessa tecnologia no país.

“Se você perguntar ’você comeria alimentos irradiados?’, a resposta invariavelmente será ’não’”, diz o físico Alexandre Soares Leal. A não aceitação por parte das pessoas decorre, entre outros fatores, da relação que se faz entre irradiação e radioatividade. Segundo ele, a contaminação radioativa pressupõe o contato físico com uma fonte radioativa, enquanto a irradiação é a energia emitida de uma fonte de radiação. Desta forma, os alimentos irradiados não se tornam radioativos, pois não contêm a fonte de radiação (apenas recebem a energia).

“Além do preconceito generalizado e da terminologia confusa – na França, por exemplo, a irradiação é chamada de ionização, para não ser confundida com radioatividade -, existem outros fatores que atrapalham a aceitação dos alimentos irradiados. Um deles é a ausência de informações sobre energia nuclear no Ensino Básico e Fundamental, ou mesmo no superior”, diz Leal, completando que, mesmo nos cursos universitários em que se pressupõe certo conhecimento do assunto (como os que usam técnicas de raio-X, por exemplo), os conceitos são frágeis e a diferenciação entre os termos, precária. “Outro problema é que a mídia, quanto trata o assunto, busca apenas o sensacional”, afirma.

O processo de irradiação consiste em submeter os alimentos, já embalados ou a granel, a uma quantidade controlada de radiações ionizantes (alfa, beta, gama, raios X e nêutrons), por um tempo prefixado. “É importante conhecer bem a dose e o tempo de exposição à radiação, os quais variam de acordo com o tipo de alimento”, ressalta a agrônoma Lucimeire Pilon, que faz doutorado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP) sob orientação de professores do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP). Consegue-se, desta forma, retardar a maturação de frutas e legumes, inibir o brotamento de bulbos e tubérculos, eliminar ou reduzir a presença de parasitas, fungos, bactérias e leveduras, aumentando a vida útil dos alimentos e auxiliando na sua distribuição e comercialização.

Como nos demais métodos de conservação de alimentos (pasteurização, congelamento, etc), a irradiação ocasiona perdas de macro e micronutrientes, bem como variações na cor, sabor, textura e odor. Mas as alterações químicas provocadas nos alimentos são mínimas e nenhuma delas nociva ou perigosa, segundo o Cena/USP.

Já a organização não-governamental Public Citizen Brasil se posiciona como uma das críticas desta tecnologia e enumera vários problemas que podem decorrer da irradiação: desde a perda de vitaminas, que se intensificaria com o maior tempo de estocagem; passando pela possibilidade de serem produzidos novos compostos nos alimentos, associados entre outras coisas a câncer e a alterações genéticas em células humanas e de ratos; até o questionamento das instalações utilizadas devido ao risco de ocorrerem vazamentos e acidentes radioativos. A ONG afirma ainda que a tecnologia de irradiação beneficiará apenas os grandes agricultores de exportação, dificultando ainda mais a entrada dos pequenos agricultores no mercado externo.

Produtos no dia-a-dia sem rotulagem

Vários produtos irradiados, sobretudo especiarias, estão presentes no nosso dia-a-dia. Segundo Lucimeire Pilon, um exemplo são as especiarias usadas nos salgadinhos industrializados, tipo fandangos e batatinha frita. Contudo, poucas empresas informam no rótulo o uso desse procedimento.

Alexandre Soares Leal concorda: “No Brasil, é mais provável que existam ingredientes irradiados do que o alimento irradiado em si”. Para ele, as especiarias apresentam grande potencial de contaminação por microorganismos, sendo que muitas indústrias utilizam especiarias irradiadas sem identifica-las na embalagem. “Quem usa ingredientes irradiados faz isso porque acredita ser a melhor opção, mas não divulga porque teme a reação do mercado”, opina.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige que, na rotulagem dos alimentos irradiados, conste no painel principal a inscrição “alimento tratado por processo de irradiação”. Quando um produto irradiado é utilizado como ingrediente em outro alimento, esta informação deve ser apresentada na lista de ingredientes. A Anvisa estabelece que, no Brasil, os alimentos podem ser tratados por radiação desde que a dose mínima absorvida seja suficiente para alcançar a finalidade pretendida e a dose máxima seja inferior à que comprometeria as propriedades funcionais e os atributos sensoriais do alimento. Organismos internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organizaão para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO) também são favoráveis à técnica de irradiação de alimentos, autorizada em diversos países do mundo.

Leia mais:

Public Citizen Brasil

Cena/USP