Proteção da natureza e seu estudo não precisam ser antagônicos

Na tentativa de assegurar a soberania nacional da biodiversidade, a Lei dos Crimes Ambientais criou entraves ao avanço do conhecimento biológico. O governo reconhece o problema, e iniciou diálogo com a comunidade científica para que o acesso aos recursos biológicos leve em conta as necessidades da prática científica.

Em 1998 foi formulada a Lei de Crimes Ambientais com o objetivo de reforçar a vigilância da biodiversidade brasileira, alvo da pirataria de organismos e substâncias de valor econômico. Na prática, no entanto, a legislação tem resultado em grande incômodo na prática científica, pois não diferencia o pesquisador de um biopirata e impõe obstáculos burocráticos (ver notícia na ComCiência). Uma nova proposta de regulamentação está sendo elaborada em conjunto com a comunidade científica, através do Comitê Técnico Assessor do Sistema de Informação em Biodiversidade, instituído este ano por decreto presidencial. O intuito é que o projeto de lei simplifique o processo de licenças para cientistas.

Hoje, para ter acesso ao material genético ou substâncias sintetizadas pelo organismo além de licença de coleta, o cientista precisa obter autorização à parte, dentro do mesmo processo administrado pelo Ibama. As amostras devem ser depositadas em instituições cadastradas como fiéis depositárias no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen). É preciso, no entanto, que o pesquisador comprove que a instituição é pública conforme a lei, que exerce pesquisa científica, que possui infra-estrutura e pessoal adequados. Além disso, é preciso descrever a forma de conservação das amostras, indicar orçamento para manutenção das coleções e anexar cópia do ato que delega a competência do Representante Legal da instituição. Os formulários e instruções para solicitação de licença estão disponíveis no site do CGen.

As licenças para coleta de material biológico junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) devem ser feitas com pelo menos 60 dias antes do início previsto para o trabalho de pesquisa e dá o direito de coletar material biológico e armazená-lo em instituição de pesquisa. João Alexandrino, do Departamento de Zoologia da Unesp de Rio Claro, acredita que o processo de obtenção de licença é necessário e excessivo apenas em alguns detalhes, como ter que provar a validade da instituição de pesquisa. “Se a Unesp está cadastrada como instituição de pesquisa, isso não deveria ser necessário”, argumenta.

O entomólogo Olaf Mielke, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), reconhece a importância da legislação, mas acredita que “ela tem que ser exeqüível para poder ser cumprida”. Ele alerta para os danos que as dificuldades de coleta podem causar ao ensino. “Com uma legislação restritiva não vejo como continuar a ministrar aulas práticas nas universidades brasileiras; e só com aulas teóricas certamente não se atinge o objetivo programado”. O descompasso ocorre porque a lei vigente não faz distinção entre pesquisadores e comerciantes da fauna nativa, o que segundo Eduardo Vélez, diretor do Departamento do Patrimônio Genético (DPG) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), é um equívoco.

O endurecimento da legislação, diz o diretor do DPG, veio como resposta à biopirataria, que existe e é um grave problema. Mas ele reconhece que as regras não são adequadas à atividade científica, e, por isso, em breve um novo projeto de lei será apresentado ao congresso. Vélez ressalta que nunca antes houve um comitê permanente que permitisse à comunidade científica manter vigilância sobre o Patrimônio Genético do Ibama, o que mostra que o governo atual reconhece a necessidade desse diálogo.

Por outro lado, o projeto de lei 6794/06, proposto pelo deputado João Campos (PSDB-GO), propõe um endurecimento ainda maior, ao incluir a pesquisa científica na Lei de Crimes Ambientais. O artigo define como crime “coletar, transportar, guardar, entregar, obter, vender ou doar espécime da flora ou fauna nativas, parte ou produto dele ou substância dele derivada como princípio ativo, para fim comercial ou científico, sem a autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida”. A pena prevista é reclusão de dois a cinco anos, além de multa. Eduardo Vélez vê problemas com essa proposta. “A crimininalização relacionada à coleta de biodiversidade é tema complexo, não se resolve de modo simplista”, avisa.

Legislação inadequada? Célio Haddad, do Departamento de Zoologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, defende que o especialista é quem melhor pode prever o impacto da coleta sobre os organismos que estuda. Neste sentido, ele acredita que as exigências do Ibama são muitas vezes descabidas e, por isso, os pesquisadores deveriam ter mais liberdade de ação, que já é fiscalizada pelos conselhos profissionais – em seu caso, o Conselho Regional de Biologia e seu correspondente federal. “Deveria ser possível obter licença provisória com um projeto-piloto simplificado, e formalizar a autorização após a coleta”, sugere.

É esse o espírito do projeto de lei em elaboração pelo Ibama, que será apresentado entre o fim deste mês e o início de julho. Vélez explica que instituições que trabalham rotineiramente com material biológico teriam licença permanente para coleta (desde que fora de unidades de conservação e de espécies não ameaçadas) e intercâmbio com instituições similares no exterior. Pesquisadores em instituições reconhecidas também teriam licença permanente, e prestariam contas em relatórios anuais.

O Diretor do Patrimônio Genético ressalta que é importante manter canais de diálogo propositivo, que conduza a um consenso. Ele frisa, porém, que os pesquisadores têm que reconhecer que as leis devem ser cumpridas. O zoólogo da Universidade de São Paulo (USP) Miguel Trefaut Rodrigues defende que “não se trata de defender liberdade irrestrita ao trabalho do cientista, mas de encontrar, através do diálogo, o equilíbrio entre medidas de controle que não prejudiquem o desenvolvimento científico do país”. Talvez uma concordância entre pesquisadores, legisladores e fiscalizadores esteja a caminho.

Editora publica versão brasileira do terceiro volume de Mitológicas

Após quase quarenta anos desde sua primeira publicação, A Origem dos Modos à Mesa – o terceiro volume da tetralogia Mitológicas de Claude Lévi-Strauss – ganha uma versão em português, traduzida pela antropóloga brasileira Beatriz Perrone-Moisés. Mitológicas é considerada por muitos a obra da vida do antropólogo, que levou quase dez anos para concluí-la.

Após quase quarenta anos desde sua primeira publicação, A Origem dos Modos à Mesa – o terceiro volume da tetralogia Mitológicas de Claude Lévi-Strauss – ganha uma versão em português, traduzida pela antropóloga brasileira Beatriz Perrone-Moisés. Apesar de Tristes Trópicos ser a obra mais difundida do autor, Mitológicas é considerada por muitos a obra da vida do antropólogo, que levou quase dez anos para concluí-la. O cru e o cozidoDo mel às cinzasA origem dos modos à mesa e O homem nu são os quatro volumes da série que, por meio de mais de 800 mitos indígenas de todas as américas, propõe uma reflexão, dentre outras possibilidades, sobre a passagem da natureza para a cultura.

Para escrever a obra, Lévi-Strauss juntou às histórias dos mitos, que ele próprio reuniu em suas viagens, coletâneas de outros antropólogos e historiadores. “Isso já foi muito criticado, a meu ver sem muito fundamento”, pontua Otávio Calávia Saez, antropólogo da Universidade Federal de Santa Catarina.

De acordo com o pesquisador, o “contar” de Lévi-Strauss não se encontra em cada mito em particular, mas no encadeamento entre os mitos. “Há muita interpretação, é claro, mas não é ela que conduz a obra. O eixo está na capacidade de coordenar significativamente centenas de narrações independentes”, diz Sáez.

Nesse sentido, o que diferencia Mitológicas de outras obras do gênero é que não se trata de uma simples compilação de mitos, nem tampouco segue uma ordem classificatória predeterminada. Cada nova narração surge de um detalhe de outra, propondo uma nova perspectiva, como um caleidoscópio. Os mitos reunidos por Lévi-Strauss foram coletados, em sua maior parte, durante a década de 1930, quando esteve no Brasil, e a obra, escrita entre 1964 e 1974.

Apesar da distância de mais de trinta anos desde sua primeira publicação na França, Sáez acredita que esta não é uma obra datada e ainda há muito o que ser explorado nela. Segundo o pesquisador, é até preferível ler a obra agora do que na época em que foi lançada, quando o estruturalismo era a corrente teórica da moda. “Agora não é mais e Mitológicas pode ser lida de um modo menos preso a programas, como uma obra multidimensional e não como ilustração de uma teoria”, afirma.

A quantidade de histórias e o longo tempo de produção são indicativos, segundo Saez, de que o roteiro da obra não estava predeterminado. “De maneira geral, os elementos formalizantes (gráficos, tabelas, equações) que marcam O cru e o cozido, vão sendo diluídos e a coleção torna-se mais intuitiva e artesanal”. O pesquisador acredita que para Lévi-Strauss, o resultado de Mitológicas foi uma surpresa. “Quando se encontram, a milhares de quilômetros de distância, mitos que parecem anagramas uns dos outros, acho que o próprio autor surpreende-se com a prestidigitação, ou com o poder heurístico da máquina que ele desenhou”.

Lévi-Strauss não fornece, no entanto, nenhuma definição fechada em sua obra, apenas mostra como funciona o pensamento humano a partir de diferenças e semelhanças, e de modo geral, como os mitos conversam entre si. “O livro não traz respostas prontas. Ele convida para entrar no pensamento indígena”, comenta Renato Sztutman, antropólogo da USP. As Mitológicas encontram-se povoadas de reflexões indígenas sobre a ordem do mundo, a condição humana e o sentido da vida social, mas o próprio autor adverte que é preciso antes pensar nas mediações entre os mitos e as sociedades que os criaram para poder chegar a qualquer conclusão.

Antes de Lévi-Strauss, os mitos eram vistos como histórias irracionais das quais, com algum esforço poderia ser apreendido algum dado histórico ou sociológico; ou como mensagens sagradas, advindas de uma antigüidade remota. “Os mitos só valiam pelo seu hipotético conteúdo, e era importante saber qual versão seria a mais fiel, a mais antiga. A partir de Strauss, a forma de criação, transmissão e transformação do mito passa a ser o mais importante. A capacidade humana de mitificar é o que mais importa”, explica Saez.

Versão Brasileira

O volume recém traduzido A origem dos modos à mesa é provavelmente o menos conhecido e o mais complexo, porque é nele que ocorre a passagem dos mitos sul-americanos para os norte-americanos. Nesse volume, sobressaem os mitos que focalizam a temporalidade, os quais proporcionam análises sobre as relações entre o mito e a história e entre o mito e o romance. O livro trata os entornos da cozinha, que tem um lado natural e outro cultural, e vai da elaboração das receitas até as maneiras de se comportar à mesa. Para Renato Sztutman, os mitos sobre a cozinha e a etiqueta servem, antes de tudo, como metáforas para refletir sobre a passagem da natureza à cultura. “As metáforas são utilizadas para falar sobre moralidades, sobre a idéia de comportamento, e também sobre a importância da periodicidade, a distinção cultural entre o dia e a noite, por exemplo, para o mundo funcionar”, conta.

Na opinião Sáez, a publicação brasileira de Mitológicas tem algo de repatriação. Isso porque, os primeiros relatos da obra são mitos anotados originalmente em português que tratam de coisas para as quais existem palavras comuns no português do Brasil. Em geral, são termos derivados das línguas indígenas como timbó, jabuti, bicho-de-pé. “Em alguns momentos, as Mitológicas são menos ‘traduzidas’ que as Mythologiques”, ressalta.

A versão brasileira da coleção começou a ser publicada em 2004 pela editora Cosacnaify que, desde então, lança um volume por ano. A coleção será completada em 2007 com o lançamento de O homem nu. Toda a tetralogia foi traduzida por Perrone-Moisés, com exceção de Do mel às cinzas, traduzido por Carlos Eugênio Marcondes de Moura, sob a coordenação da antropóloga.

Apoio do parceiro melhora qualidade de vida de pacientes de câncer

Ter um relacionamento estável é um fator positivo na avaliação da qualidade de vida e sexualidade de mulheres que foram portadoras de câncer de mama. Esse dado faz parte da tese de mestrado defendida pela mastologista Priscila Ribeiro Huguet no departamento de Tocoginecologia da Unicamp.

Ter um relacionamento estável é um fator positivo na avaliação da qualidade de vida e sexualidade de mulheres que foram portadoras de câncer de mama. Esse dado faz parte da tese de mestrado defendida pela mastologista Priscila Ribeiro Huguet no departamento de Tocoginecologia da Unicamp. O estudo foi realizado com 110 pacientes do Ambulatório de Oncologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher, CAISM, que já tiveram câncer de mama e foram tratadas há mais de um ano. A maioria delas tinha acima de 40 anos.

Além de avaliar aspectos gerais da qualidade de vida a pesquisadora submeteu as pacientes a um questionário elaborado por ela, que avaliou aspectos da intimidade feminina, relacionados a seus desejos e fantasias, bem como a capacidade que elas acreditam que têm de atrair o parceiro. Uma das questões, por exemplo, é sobre uso de decotes ou biquinis, e foi formulada pensando na realidade da mulher brasileira, que se cobre menos que em lugares de clima temperado, onde é feita a maioria dos trabalhos nessa área. As mulheres que sofreram cirurgia de mama sem reconstrução (mastectomia) se importaram menos em usar decotes, o que contrariava as expectativas da pesquisadora. Segundo ela, a média de idade dessas mulheres era mais alta que as que fizeram cirurgia com retirada parcial da mama (quadrantectomia) ou se submeteram a cirurgia de reconstrução da mama , o que fortaleceu a hipótese de que mulheres mais idosas lidam melhor com a mutilação que sofrem.

As mulheres com relacionamentos estáveis apresentaram índices significativos de melhor qualidade de vida sexual, tanto em relação à atratividade quanto à intimidade quando comparadas às mulheres sem parceiros. De acordo com a orientadora do trabalho, Maria Salete Costa Gurgel, ter o apoio do marido faz com que a paciente se sinta mais segura psicologicamente e consiga se relacionar melhor com os outros do que a paciente solteira.

Confirmando a literatura no assunto, mulheres com melhor nível sócioeconômico, maior escolaridade e cirurgia com conservação de mama apresentaram melhor qualidade de vida.

De acordo com a pesquisadora, o trabalho poderá servir de base para outros estudos, “os mastologistas são tecnicamente bons, mas falham em conhecer e entender os sentimentos de adaptação que estas mulheres têm e seus medos”. O câncer de mama é o que mais causa mortes entre as mulheres brasileiras. A previsão do Instituto Nacional do Câncer é que, para 2006, sejam diagnosticados cerca de 49 mil casos publicada no site www.caism.unicamp.br