Números do IBGE sobre a fome ainda preocupam

Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) faz um mapeamento de quem são e onde se encontram as famílias que passam fome, e demonstra que ainda há muito a se fazer para combater o problema no país.

O Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) divulgou em maio o primeiro perfil de abrangência nacional da segurança alimentar do brasileiro, o que tecnicamente foi definido como o direito ao acesso regular, permanente e em quantidade suficiente a alimentos de qualidade. Na realidade, o conceito – contido no Projeto de Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (PL 6.047/05), em tramitação no Congresso Nacional – é bem mais abrangente, mas foi resumido nesse estudo a diferentes graus de satisfação ou carência alimentar a que a população é submetida. O trabalho faz parte dos levantamentos suplementares da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), e foi realizado em 2004 em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Os números falam por si: dos 51,8 milhões de domicílios brasileiros, onde moram mais de 180 milhões de pessoas, 65,2% têm acesso garantido aos alimentos. Mas nos 34,8% restantes, foi constatada situação de insegurança alimentar leve, moderada ou grave – assim definida conforme a pessoa vai diminuindo o número de refeições, até passar um dia inteiro sem comer porque não tem dinheiro para comprar comida.

A análise desses dados demonstra, por exemplo, que em geral, a dificuldade de acesso aos alimentos é maior nas áreas urbanas do que na rural. E confirma a desigualdade entre as cinco regiões brasileiras: a situação de insegurança alimentar grave foi entre 3,1 e 3,5 vezes maior nos domicílios situados no Norte e Nordeste em relação aos da região Sul. Neles também foram encontrados cerca de 17% do total das crianças com menos de cinco anos de idade em situação de insegurança alimentar grave e 9% do total dos idosos maiores de 65 anos nessa mesma situação. Outra constatação desse estudo foi que 11,5% da população preta ou parda, equivalente a 10 milhões de pessoas, vivem em situação de insegurança alimentar grave, contra 4,1% dos brancos, que representam 3,8 milhões de pessoas.

O método empregado para realizar a pesquisa foi a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, desenvolvida a partir de uma adaptação à realidade brasileira da escala criada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Trata-se de uma série de 15 perguntas, nas quais os entrevistados – adultos responsáveis pela alimentação ou conhecedores dos hábitos da casa – registraram sua preocupação, dentro de um período de 90 dias anteriores à entrevista, de que os alimentos acabassem antes de terem dinheiro para comprar mais; as ocasiões em que comeram menos ou deixaram de comer para oferecer seu próprio alimento a crianças ou adolescentes; até situações mais graves em que ficaram um dia inteiro sem comer pela impossibilidade de comprar alimentos. Quanto maior o número de respostas afirmativas, maior o grau de insegurança alimentar vivido por aquela família.

A freqüência em que essas situações ocorreram ainda não foi auditada, segundo informa Ana Maria Segall Corrêa, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Ela coordenou os trabalhos de reformulação da tabela, do qual participaram, além de outros pesquisadores da Unicamp, ligados à Faculdade de Engenharia Agrícola, profissionais do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília, da Universidade Federal de Mato Grosso, da OPAS Brasil e do Colégio de Agricultura e Ciências Naturais da Universidade de Connecticut, dos Estados Unidos. O trabalho, que contou com o apoio técnico do CNPq e da Fapesp, consistiu em adaptar as questões às realidades urbana e rural do brasileiro, utilizando uma linguagem mais simples e direta, possível de ser entendida em condições sociais e culturais diversas. A contabilização desses dados também está sendo realizada pela Unicamp.

A professora explica que o estudo consiste numa amostra representativa da situação da segurança alimentar do brasileiro, cujos resultados podem ser extrapolados para o restante dos domicílios. E destaca que é a primeira vez que se tem uma pesquisa de abrangência nacional sobre o tema. Encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, seus resultados serão utilizados para acompanhar os impactos das políticas de segurança alimentar que o Brasil possui, orientar ações com o intuito de melhorar a situação das pessoas atingidas pela fome e para a criação ou aperfeiçoamento de políticas públicas e ações específicas de cada comunidade.

O estudo do IBGE, segundo ela, oferece dados inéditos e muito importantes sobre como está a situação do país em relação à fome e onde estão as famílias que necessitam de ajuda. Foram identificados, por exemplo, municípios no Brasil com mais de 30% da população em situação de insegurança alimentar grave, que não apareciam na média de outros estudos anteriormente realizados sobre o tema. O que ficou demonstrado é que existem várias condições que precisam ser olhadas para diagnosticar a insegurança alimentar. “Renda somente não explica tudo. Se a família é chefiada por mulher ou homem, branco ou negro, se há crianças na família, tudo isso faz uma grande diferença”, alerta Corrêa.

Para a professora, o que ficou demonstrado é que apesar de 11 milhões de pessoas receberem bolsa-família, ainda existe muita gente não atendida pelos projetos sociais. Por isso, defende que é importante que o próximo governo dê continuidade e amplie a abrangência dos projetos sociais. E que as políticas não sejam de governo, mas de Estado. “A situação é tão grave no Brasil que é necessário ter políticas permanentes que independam de quem esteja no poder”, conclui.

Novos conceitos para sistemas de informação ajudam estrutura de empresas

Como fazer com que o fluxo de informações dentro de uma organização seja bem aproveitado? Segundo a pesquisadora Cecília Baranauskas, da Unicamp, é preciso pensar na organização como um sistema de informações que pode ser afetado pela comunicação. Ela faz parte de um grupo de pesquisadores que propõe o desenvolvimento de sistemas computacionais através da disciplina Semiótica Organizacional.

Cada vez mais empresas requerem que seus funcionários conheçam além do necessário para exercer suas funções e entendam tarefas relacionadas a elas. Pede-se também, com freqüência, que o funcionário colabore com idéias e sugestões para a melhoria dos sistemas produtivos da empresa. Nesse cenário, a comunicação torna-se fundamental para a construção do conhecimento na organização. Mas como fazer com que esse fluxo de informação seja bem aproveitado?

Segundo a pesquisadora Cecília Baranauskas, do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é preciso pensar na organização como um sistema de informações, que pode ser afetado pela comunicação e pela interpretação das pessoas. “A prática e os procedimentos de trabalho fazem parte desse sistema, assim como a cultura da organização e os sistemas técnicos que as pessoas usam para fazer o trabalho também”, explica. Baranauskas faz parte de um grupo de pesquisadores que propõe o desenvolvimento de sistemas computacionais através da disciplina Semiótica Organizacional.

Segundo ela, dentro da Semiótica Organizacional, a informação é entendida em três camadas: na camada mais externa, há os níveis informais de comunicação. “Como as conversas de corredor durante o cafezinho”, exemplifica a pesquisadora. Na camada intermediária há os níveis formais da informação, como os procedimentos dentro de uma empresa: a gestão do material, e as normas de segurança, entre outros. Já na camada mais interna, há os sistemas técnicos da organização, como os sistemas computacionais. “É um entendimento da organização de fora para dentro”, completa Baranauskas.

A partir desse entendimento, o grupo de pesquisadores parte para a criação de projetos computacionais que farão parte do sistema de produção ou mesmo da comunicação entre os pares na organização. Baranauskas argumenta que como o produto final tem diferentes partes interessadas, os designers de interface deveriam adotar uma postura sensível a estas diferenças e oferecer um espaço de participação flexível que viabilizasse a colaboração de cada usuário, sem discriminação. “Tudo passa pela interface. Nós vivemos em sociedade e a tecnologia media nossas ações”, justifica.

​_​_Conferência Internacional

Pesquisadores de todo o mundo virão ao Brasil no próximo mês para discutir, durante a Conferência Internacional de Semiótica Organizacional, (Icos 2006), os fundamentos dessa disciplina. O evento acontecerá entre os dias 5 e 7 de julho, na Unicamp. Cecília Baranauskas, que faz parte da organização, diz que serão discutidos não só aspectos teóricos, mas também os benefícios práticos da teoria aplicada, com a apresentação de casos nas diversas áreas de aplicação.

Um dos trabalhos apresentará o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas numa indústria de papel a partir dos conceitos da Semiótica Organizacional. Outro abordará um guia para uma arquitetura de governança eletrônica, orientada para o serviço. Segundo a pesquisadora da Unicamp, essa é uma grande oportunidade de se difundir os conceitos da disciplina não só no país, como na América Latina. “Esta é a primeira vez que a Conferência vêm a um país em desenvolvimento”, explica.

A física explica amplitude dos sentidos

A amplitude na percepção de sentidos tem sido um mistério da psicofísica por mais de um século. Em artigo publicado este mês, os físicos brasileiros Osame Kinouchi e Mauro Copelli propõem uma explicação: o segredo estaria na interação entre as células sensoriais, e não nas propriedades de cada uma.

O vento que passa pelas folhas da árvore e o foguete que o vizinho estoura quando seu time faz gol; o vulto que se entrevê no quarto escuro e o passarinho no céu ensolarado… Somos capazes de detectar sensações com diversas ordens de magnitude. Este fato é tão integrado no nosso dia-a-dia que poucas pessoas o questionam. A verdade é que se trata de um dos grandes mistérios da psicofísica, que perdura há mais de 100 anos. Finalmente, através de um modelo computacional, os físicos Osame Kinouchi e Mauro Copelli acreditam ter desvendado a charada.

A amplitude de sensibilidade é intrigante porque cada neurônio – células que recebem e transmitem estímulos sensoriais – só é sensível a uma faixa muito estreita de variação em intensidade. Por isso a psicofísica, disciplina que estuda como um organismo usa seus sistemas sensoriais para detectar eventos em seu meio, busca compreender essa amplitude, ou intervalo dinâmico. De acordo com Kinouchi, do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), e Copelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a resposta está na interação entre os neurônios e não em sua capacidade individual. Os resultados de sua pesquisa foram publicados este mês na revista científica Nature Physics (vol.2, pp. 348-352).

A pesquisa feita pela dupla de físicos é completamente teórica e se apoiou em simulações feitas em um computador de uso pessoal. O uso de modelos matemáticos para explicar fenômenos biológicos costuma ser visto com desconfiança por quem não é da área, mas são ferramentas que permitem o estudo de assuntos extremamente complexos, como o clima, organismos vivos, fenômenos populacionais ou mesmo a mente humana. Kinouchi e Copelli fizeram uma representação teórica de uma rede de elementos excitáveis, que corresponderiam aos neurônios. A simulação envolve o conhecimento sobre a relação entre os elementos, por exemplo, quando um deles é estimulado, quantos outros recebem a informação? Várias opções foram então investigadas pela simulação em computador, até ser identificada aquela que apresenta resultados semelhantes ao que se observa na realidade.

Ponto crítico

O segredo parece ser que uma rede de neurônios tem que operar próxima a uma transição de fase, ou criticalidade. Isso quer dizer, no caso dos neurônios, que uma célula estimulada deve transmitir a informação a por volta de uma outra célula. Às vezes menos, às vezes mais, mas em média não deve fugir muito dessa unidade. Um sistema chamado subcrítico tem uma razão entre atividade futura e prévia menor do que um. Ou seja, a atividade no tempo inicial é maior do que num momento futuro. Esses casos apresentariam pouca sensibilidade a estímulos fracos. Por outro lado, um sistema supercrítico causaria a saturação dos neurônios, que não seriam capazes de diferenciar as sensações fracas das fortes. O sistema no ponto de criticalidade permite que estímulos de intensidades muito diversas sejam registrados.

A ligação elétrica entre as células do sistema nervoso depende de uma substância chamada conexina. Um grupo de pesquisadores norte-americanos pesquisou a sensibilidade visual de ratos com deficiência na produção de conexina-36. Os resultados, publicados em 2002, mostram que a conexina é essencial para a visão de mamíferos. O efeito detectado nesses experimentos é coerente com o modelo de Kinouchi e Copelli. Para que ele seja validado, será necessário esperar resultados de mais pesquisa sobre o papel da comunicação elétrica entre neurônios nos sentidos de animais.

O princípio elucidado pelos físicos brasileiros pode ser usado para desenvolver sensores artificiais baratos com ampla sensibilidade. Embora estejam trabalhando em patentear essa aplicação, os autores ressaltam que não é a inovação que os motiva. Ao contrário, o que eles procuram é “entender melhor um problema básico da relação mente-cérebro, o modo de funcionamento de sistemas sensoriais biológicos e a possível função de sinapses elétricas no cérebro”.

Compreender como funciona o sistema sensorial tem grande importância, como ressalta o comentário sobre o artigo de Kinouchi e Copelli publicado na própria Nature Physics. Afinal, a sobrevivência de qualquer animal depende, em grande parte, da sua capacidade de ver, ouvir, tocar, sentir cheiros e gostos.